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996 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106

ressa uma classe mais numerosa e um serviço de maior importância.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nesta matéria está em causa uma providência ditada também pelo princípio constitucional de defesa da família.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ela interfere com o exercício das essenciais liberdades de escolha do estado e da profissão...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- ... e não é estranha às preocupações sobre o nível e o ambiente moral em que se exerce a enfermagem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parece-me que em assunto desta natureza importa escutar a lição da Igreja, lição que vem da experiência milenária no trato com a alma humana...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... parece-me que cabe aqui o veto dos nossos bispos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As disposições legais em causa são as do artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 28:794, de 1 de Julho de 1938, e do artigo 3.º, § 4.º, do Decreto-Lei n.º 31:914, de 12 de Março de 1942. Reza assim aquela disposição de 1938:
Nos lugares dos serviços de enfermagem e domésticos (serviço interno) a preencher por pessoal feminino só poderão de futuro ser admitidas mulheres solteiras e viúvas sem filhos, as quais serão substituídas logo que deixem de verificar-se estas condições.

Dispõe o decreto de 1942:

O tirocínio ou prestação de enfermagem hospitalar feminino são reservados a mulheres solteiras ou viúvas sem filhos.
Antes de mais, eu não queria deixar de dizer, embora como simples apontamento, que tenho algumas dúvidas sobre a constitucionalidade destas disposições.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quer-me parecer, com efeito, que o direito essencial, consignado no n.º 7.º do artigo 8.º da Constituição, de livre escolha da profissão deve poder ser exercido seja qual for o estado civil. Isto porque a livre escolha de estado é outro direito essencial reclamado, afigura-se-me, por um entendimento completo do conceito de "integridade pessoal" consignado no n.º 1.º do mesmo artigo 8.º (apoiados) e porque, como se vê dos artigos 12.º e 13.º da Constituição, a escolha do estado de casado é direito indiscutível a cuja "exercício é dada até especial garantia.

Art. 12.º O Estado assegura a constituição e defesa da família, etc. Art. 13.º A constituição da família assenta:
1.º No casamento e filiação legítima.

Por outro lado, a faculdade que o Estado tem, pela segunda parte do n.º 7.º do artigo 8.º, de criar restrições ao exercício das profissões- e, no caso, a de regular por disposições especiais o trabalho feminino fora do ir, como prescreve o artigo 31.º do Estatuto do Trabalho Nacional (diploma fundamental mas não constitucional), é faculdade que só pode ser exercida sem atingir as liberdades essenciais que a Constituição consigna - livre escolha da profissão, livre escolha do estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Habilitações para entrada na profissão, condições de exercício, horários apropriados para a mulher poder velar "pela vida doméstica e o mais, tudo pode ser regulado, mas impedir a escolha de uma profissão, porque foi usada outra liberdade essencial - a de casar -, é que parede sair fora do abrigo doutrinário da Constituição.
Eu não queria, porém, Sr. Presidente, demorar-me neste ponto, até porque não vejo ainda líquida de dúvidas a conclusão que aflorei.
Inconstitucionais ou não, o que se me afigura como certo é que estas disposições, proibindo terminante e secamente a todas as mulheres casadas ou viúvas com filhos a enfermagem hospitalar, contém uma limitação a essenciais liberdades individuais demasiado forte, que os fins a atingir de maneira nenhuma justificam.
Apesar de conterem doutrina, pelo menos, tão sujeita a controvérsia como a que estou a examinar, o relatório do decreto de 1942 é omisso a tal respeito e o de 1938 nem tem relatório. Mas não parece difícil assentar em que o legislador teve em vista sobretudo dois objectivos: defender a família, forçando as enfermeiras que sejam esposas ou mães a mão sacrificar aos penosos horários do serviço hospitalar o bom governo do seu lar, e zelar pela eficiência da enfermagem hospitalar, reclamando das enfermeiras uma tal dedicação ao seu difícil e delicado múnus que o legislador a não julga compatível com os deveres da esposa e da mãe.
Ninguém poderá negar elevação a estes objectivos e recusar-lhes adesão em princípio.
Mas mão creio, Sr. Presidente, que para reconhecer a grande dose de verdade que neles se contém seja preciso ir tão longe como foram os textos citados, proibindo o casamento às enfermeiras hospitalares por esta forma, rígida, sem prever qualquer espécie de excepções. O que choca nos preceitos que estou a analisar, à parte o sacrifício de princípios fundamentais que a meu ver eles importam, é o seu absolutismo, o impedimento definitivo, terminante, que eles criam de poderem ser estabelecidos regimes de sensato compromisso, permitindo conciliar os deveres do lar com algum exercício da enfermagem hospitalar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, Sr. Presidente, muitas raparigas há que tiram o seu curso de enfermagem (tantas vezes com grande sacrifício financeiro, sempre com muito trabalho, pois hoje já é coisa a sério em Portugal o ensino da enfermagem), empregam-se num hospital e, como é normal, a muitas surge-lhes a oportunidade de casar e constituir família. Normalmente estas raparigas abandonarão, evidentemente com gosto -não é preciso a lei para tal -, o exercício habitual da enfermagem, mas algumas haverá que, ou por irresistível vocação ou por necessidade, desejem, continuar a trabalhar. Será justo impedi-las em tão razoáveis propósitos? Impedi-las de ajudar o marido ou suprir a falta absoluta de rendimentos deste? E nem sequer enquanto