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1000 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106

da de em matéria legislativa e eu direi que não é bem assim, porquanto o Governo pode legislar todo o ano e nós só podemos legislar durante três, o máximo quatro meses; por conseguinte o Governo tem uma latitude legislativa muito maior do que a Assembleia Nacional. Para mim, Sr. Presidente, sempre tive a ideia de que, tendo o Governo para legislar nada mais de oito a nove meses, eu só podia compreender que legislasse durante o tempo em que a Assembleia está aberta quando precisasse da colaboração da Assembleia Nacional. Sempre assim o tenho entendido.
Convenho em que tenha errado nesta presunção, mas não há dúvida nenhuma de que ela é absolutamente legítima. Se o Governo publica um decreto que nenhuma razão tem de urgência no período em que a Assembleia está aberta, é legítimo pensar-se que o Governo deseja a nossa colaboração, que o Governo queira repartir connosco responsabilidades, e então é absolutamente legítimo que a Assembleia procure dar-lhe a sua colaboração, tão efectiva quanto possível.
Nestes termos, Sr. Presidente, se tem vivido, e suponho que nunca a Câmara entrou em conflito com o Governo.
Pelo contrário, durante quinze ou dezasseis anos de existência desta Assembleia tem sido possível sempre viver nos melhores termos de compreensão e de respeito. Seja como for, tem esta Assembleia, pela Constituição, o direito de chamar à ratificação os decretos publicados no período em que ela funciona, e vejam VV. Ex.ªs: quer-se impugnar agora o direito de esta Assembleia fazer suspender, aliás em termos tão suaves como aqueles que foram propostos pelo Sr. Deputado Cancela de Abreu, a execução dos decretos ratificados com emendas, e todavia nós podemos recusar-lhe a ratificação pura e simples. Quer dizer: podemos o mais, mas pretende-se que não possamos o menos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu disse isso mesmo e disse que no ponto de vista prático era preferível que a Assembleia utilizasse o mais, isto é, que ratificasse pura e simplesmente, do que utilizar o menos, se tivesse possibilidades de utilizar o menos.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: Então quem pode o mais não há-de poder o menos?

O Sr. Mário de Figueiredo: - O problema não é esse.

O Orador: - Eu compreendo o ponto de vista do Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Efectivamente S. Ex.ª diz que é inconveniente que uma Assembleia numerosa legisle sobre coisas de pormenor, porque nem todos conhecem o pormenor de que se trata, e muitos estarão desatentos e nem sempre a solução será a melhor, mas não há dúvida também de que, se de alguma maneira a Assembleia votasse a rejeição pura e simples de um decreto-lei, isso teria a aparência de um conflito, que seria desagradável.
Se os decretos-leis fossem efectivamente aquilo que deviam ser, estou convencido de que o inconveniente apontado pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo se não apresentaria tão flagrantemente.
Mas, seja como for, estou convencido de que, se podemos votar a rejeição pura e simples dos decretos, também não se devia negar-nos o votar a sua suspensão, quando seja caso disso.
É verdade que isso não se apresentará muitas vezes, pois, que me lembre, desde há dezasseis anos em que faço parte desta Câmara só ultimamente esse caso se apresentou.
Todavia, há cinco anos, quando tratámos da revisão constitucional, já aqui se manifestou o desejo de nos ser concedido o direito de votarmos a suspensão dos decretos-leis quando o julgássemos necessário. Isto reflecte uma preocupação da Assembleia e a necessidade de estarmos de posse desse instrumento.
Nesta questão há um aspecto curioso e que convém acentuar.
O § único do artigo 98.º da Constituição estabelece que as leis não promulgadas pelo Presidente da República dentro dos quinze dias imediatos à sua aprovação nesta Assembleia serão novamente submetidas à apreciação da Assembleia e, se então forem aprovadas por maioria de dois terços do número dos seus membros em efectividade de serviço, o Chefe do Estado não pode recusar a promulgação.
Esta faculdade é bem mais importante do que o caso que agora nos ocupa e, todavia, permanece na Constituição.
Como estamos ainda na discussão na generalidade, vou terminar, declarando que, em minha opinião, devia ser adoptado o parecer da Câmara Corporativa estabelecendo o princípio dos dois terços dos Deputados presentes, e não dos Deputados em efectividade de funções.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: -Sr. Presidente: respeitosa mas francamente declaro que discordo da dialéctica, aliás brilhante, do Sr. Deputado Mário de Figueiredo em oposição ao projecto que tive a honra de apresentar; dialéctica que, para mim, só tem a autoridade e o valor que resultam da autoridade e do valor próprios do meu ilustre contraditor.
Vejamos:
Começo por levantar a afirmação feita de que a tendência da Constituição é no sentido de a competência legislativa da Assembleia Nacional e do Governo ser colocada no mesmo pé.
Sucedendo assim, onde fica depois a hierarquia dos poderes do Estado, que a própria Constituição estabelece e até resulta do próprio ordenamento que lhes dá?
Como pode aceitar-se equiparação de funções se o artigo 91.º da Constituição diz ser só à Assembleia Nacional que compete, além de fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las, muitas outras atribuições que enumera, e estas são mais numerosas do que as conferidas no artigo 109.º ao Governo, além da publicação de decretos-leis em casos de urgência...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Dizia, mas já não diz; se dissesse, estava bem a observação de V. Ex.ª

O Orador: - Na verdade assim é, mas só a partir da Lei n.º 2:009, de 1945.
Mas prossigamos:
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo, didacta e simultaneamente - passe o termo - tecnicista do direito de justo renome, objectiva também os problemas, encara-os na sua feição prática. Analisa doutamente o conteúdo do preceito ou da norma, adapta-o às circunstâncias e extrai-lhe os efeitos na sua aplicação.
Foi assim que procedeu no caso presente, e para consegui-lo contemplou a influência que o meu projecto, se estivesse convertido em lei, poderia ter no Decreto n.º 37:666, relativo aos serviços de registo e do notariado, em consequência da demora havida na sua discussão.
Porém, S. Ex.ª foi buscar uma excepção para, fazendo dela corolário, formular uma regra; isto é, partiu da excepção para a regra, em lugar de da regra para a excepção.