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1 DE MAIO DE 1951 997

não tiver filhos ou se Deus lhe nau deu essa bênção? Será justo, por exemplo - outra hipótese mais frisante -, impedir a enfermeira viúva, ,com filhos, de praticar a sua profissão, se só trabalhando fora do lar os pode sustentar?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aparece logo muito estranho, Sr. Presidente, que, sendo ainda letra morta para tantas profissões exercidas por mulheres a doutrina do artigo 31.º do Estatuto do Trabalho Nacional, havendo nesta matéria tantas hesitações e algumas bem legítimas, logo se começasse, e desta forma absoluta, precisamente por aquela profissão a que melhor se adapta a mulher, pela profissão mais feminina entre todas?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por outro lado, deverá o Estado dispensar assim em absoluto os serviços de uma enfermeira, senão formada, pelo menos treinada à custa do deu orçamento, num país onde se está a executar um generoso plano de construções hospitalares, mas onde, apesar do caminho andado nos últimos anos, nem
para os hospitais existentes temos ainda enfermagem bastante?
À falta de solução adequada, que a lei vigente, na sua intransigente proibição, não dá, para as questões que atrás formulei, algumas interessadas com menor resistência moral têm-na procurado nas uniões ilegítimas, com as consequências mais graves de impedirem o nascimento de filhos para evitarem o fundamento iniludível do processo disciplinar e da demissão.
A este respeito, um bondoso e esclarecido sacerdote, que conhece, por contacto diário, a vida dos hospitais de Lisboa, pode contar-me histórias bem desagradáveis. A sua reprodução estaria a mais nesta exposição, que não desejo dramatizar, até porque não posso partilhar da veemente acusação que tenho ouvido e segundo a qual seria a lei em discussão a causa directa de tais
estragos. Não partilho desse ponto de vista, evidentemente extremista, mas é mal, todavia é grande mal, Sr. Presidente, manter-se o que, quando menos, serve de desculpa.
Havia mais razões de princípio e de conveniência para completar a crítica das disposições em causa. Não as trago agora, para não alongar esta intervenção.
Procurei também informa-me sobre o que está legislado ou se pratica lá fora acerca do casamento das enfermeiras. Não me chegou notícia de que em qualquer outro país esteja, como entre nós, expressamente proibido aos hospitais aceitarem enfermeiras casadas. Vejo na publicação a que já me referi da Liga Portuguesa de Profilaxia Social que as informações colhidas deram como certo não haver tal proibição nas legislações da Bélgica, Brasil, Espanha, Finlândia, França, Suécia, Suíça e Uruguai. Pude obter informações do que se passa nos Estados Unidos da América e na Inglaterra e tenho aqui, quanto à Inglaterra, um relatório publicado em 1947 pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho sobre recrutamento e preparação de enfermeiras, relatório que valei a pena ler, verdadeiramente exaustivo quanto a todos os problemas respeitantes à enfermagem. Quanto ao casamento das enfermeiras, de entre vários passos em que o assunto é tratado, tiro as seguintes mais expressivas conclusões: "Se uma mulher casada quiser continuar a exercer a enfermagem, todos os esforços devem ser feitos para lho permitir"; "as objecções habituais contra o emprego de enfermeiras casadas não suportam exame". Creio que quanto à pátria de Florence Nottingale e de Edith Cavell estamos elucidados...
Quer pela leitura deste relatório, quer pela de duas cartas da secretaria-geral do Royal College of Nursing, que aqui tenho também, posso concluir que o sistema inglês, a que o americano se assemelha, ao que me informam, é o seguinte: é permitido o casamento às enfermeiras hospitalares, mas, como uma enfermeira casada e com filhos não pode normalmente dedicar à sua profissão tanto tempo e tanta dedicação, a prática seguida é a de lhes facilitar o serviço em regime de part-time, com horários apropriados aos seus deveres domésticos, e, em consequência, habitualmente, mas nem sempre, a estas enfermeiras de serviço mitigado, por serem casadas, não é permitida a promoção às situações profissionais de maior responsabilidade, não podendo assim vir a ser matrons nem card sisters - mais ou menos directoras de serviço e enfermeiras-chefes.
Ora, Sr. Presidente, este sistema flexível, tão impregnado de prático bom senso, que sucintamente descrevi, creio que sugere a solução que devíamos também preferir. O serviço das enfermeiras casadas teria uma regulamentação especial, como, de resto, prescreve para a generalidade do trabalho feminino o artigo 31.º do Estatuto do Trabalho Nacional. Teriam horários especiais em part-time, proibir-lhes-iam, por exemplo, que fizessem "velas" e, para simplificar o problema da remuneração, pagar-lhes-iam à hora, por exemplo. Mas para tanto parecia-me que antes teriam de ser pura e simplesmente revogadas as rígidas disposições que regem entre nós o assunto, e a nova regulamentação, para assegurar a flexibilidade do sistema, deveria talvez ser estabelecida por simples despacho ministerial. Texto legal creio que sobeja o do citado artigo 31.º do Estatuto do Trabalho Nacional.
Apoiados.
Há entre nós excessiva produção de leis escritas, Sr. Presidente, todos nos esmeramos por atingir a perfeição nos textos, mas tantas vezes ficam por aí as nossas preocupações!
Vendo as coisas naquela especial perspectiva que, para bem de todos nós, o seu génio lhe permite, disse Salazar que "a liberdade não se mede pelos textos, mas pelos costumes".
A tarefa de valorização da nossa enfermagem, quer técnica, quer moral, também não há-de depender tanto de textos, muito menos de textos rígidos como o que tenho vindo a analisar.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Muita obra vai realizada de há uns anos para cá, obra que assinalou e a que abriu novos horizontes o Decreto-Lei n.º 36:219, de 10 de Abril de 1947, que reorganizou o ensino da enfermagem. Estão hoje a funcionar quinze escolas de enfermagem, nos últimos anos diplomaram-se anualmente mais de 500 profissionais de enfermagem; bastantes enfermeiras e monitoras têm ido estagiar ao estrangeiro, já são sensíveis os progressos técnicos e já não é possível duvidar da apreciável elevação do nível moral e social.
Quem a tal respeito tivesse dúvidas creio que as pôde dissipar assistindo à esplendorosa concentração de mais de 2:500 enfermeiros, homens e senhoras, em Outubro passado, durante a estada em Lisboa das relíquias de S. João de Deus. Ali, ao sol do Terreiro do Paço, como fecho dum frutuoso congresso, 2:500 enfermeiros se dignificaram colocando-se sob o patrocínio de S. João de Deus, aderindo a uma fórmula de juramento de alta espiritualidade.
Sr. Presidente: as coisas mudaram muito e esta benemérita classe reconquista o direito de ser escutada