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70 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 114

Mais graves se me afiguram os problemas ligados aos vencimentos, ao nível vital dos funcionários e ao decoro social imposto pela própria hierarquia das funções.
A primeira dificuldade provém, a meu ver, de se pretender, com uma simples alteração de vencimentos, alcançar solução para problemas de várias espécies, que umas vezes se confundem e outras vezes se pretendem contrapor, quando o certo é que em cada um deles se pode reconhecer uma parcela de verdade e de justiça.
Ora na impossibilidade de os atender a todos, conjuntamente, a solução consiste em saber a qual deles será dada preferência, e parece-me razoável que se principie por aqueles em que a necessidade e a injustiça sejam mais clamorosas.
Não me alongarei na análise profunda desta questão e por isso vou apenas fazer um ligeiro esquema dos vários aspectos do problema.
Os artigos 17.º, 18.º e 19.º da proposta do Governo envolvem doutrina respeitante ao próprio conceito do Estado e à posição do funcionalismo dentro da respectiva orgânica.
Quando em 1928 se assentaram as directrizes da nossa regeneração financeira, o ilustre Ministro das Finanças de então e hoje ilustre Presidente do Conselho afirmou que a situação do funcionalismo se movia dentro deste círculo vicioso: era mal pago porque era excessivo e era excessivo porque era mal pago. O remédio deveria, segundo ele dizia, encontrar-se num tríplice movimento: diminuir o seu excesso onde fosse reconhecido, e, com a economia resultante, pagar melhor aos funcionários indispensáveis. Estes deveriam ser recrutados com possibilidade e capacidade de poderem dar aos serviços a produtividade indispensável.
O Sr. Ministro das Finanças voltou a pôr o problema em termos idênticos nos artigos 17.º, 18.º e 19.º da sua proposta. Pelo artigo 19.º (reconhece que é preciso pagar melhor; pelos artigos 17.º e 18.º diz que os quadros excessivos devem ser revistos para com as economias melhorar os vencimentos e aumentar porventura outros quadros em que sejam necessários novos funcionários.
A isto o que responde o douto parecer da Câmara Corporativa? Responde que o artigo 17.º devia desaparecer da proposta. VV. Ex.ª encontram essa afirmação feita no n.º 2.º das observações de princípio. Responde que o Tesouro pode alargar os quadros e aumentar os vencimentos sem perigo do equilíbrio financeiro. Isto equivale a dizer ,funcionário mal pago: o Tesouro tem dinheiro; se não dá mais é porque não quer.
Em face da política de severidade imposta pelas circunstâncias, considero este passo do douto parecer pelo menos inconsiderado, para não lhe chamar demagógico.
Esqueceu o douto parecer que, além do equilíbrio financeiro, o Governo tem de assegurar um outro equilíbrio: o equilíbrio social, previsto no artigo 31.º da Constituição e imposto ao Governo como direito e obrigação.
Para aumentar substancialmente os vencimentos dos funcionários, teria o Governo de ou agravar o imposto ou reduzir as obras de fomento. Pergunto: as classes contribuintes ou as que vivem dos trabalhos públicos poderão suportar esse agravamento?
Seria, justo equilíbrio social dar a uns e tirar u outros igualmente precisados?
Quando se fala em vencimentos do funcionalismo logo «e perfilam diante de nas estas duas realidades contrárias: por um lado o reconhecimento de que o funcionalismo está mal pago; por outro, da constatação da corrida, desesperada ao emprego público!
Se de facto os empregos públicos estão mal pagos, porque esta ânsia de os alcançar?
A chave desta contradição está em que em Portugal algumas classes, nomeadamente as rurais, são forçadas a viver com rendimentos muito inferiores aos dos funcionários, mesmo anal pagos, e por isso consideram o emprego público um sonho de ventura.
Seria justo agravar ainda mais a vida destas classes para aumentar os vencimentos do funcionalismo?
Com razão entende o Sr. Ministro das Finanças que melhor justiça seria fazer reverter para os próprios funcionários as possíveis economias alcançadas com a reforma de quadros. Mas., enquanto esta reforma não pode
ser levada a efeito, não haverá reclamações prementes, de clamorosa justiça? Creio que sim.
No problema respeitante aos vencimentos podem ser encarados, além de outros, os seguintes: o que visa a restabelecer o poder de compra da remuneração recebida. Este é um problema de carácter econóimico-financeiro. O que aspira à revisão das tabelas estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 26:115 - não é difícil reconhecer situações em que importaria melhorar a justiça; o que aspira ao cumprimento do preceito constitucional que institui o salário familiar que o Decreto-Lei n.º 26:110 deixou por resolver, como se confessa no seu relatório.
No referido relatório se afirma ainda que o Governo não deverá largar mão do assunto até ser encontrada a solução condigna.
Como já aqui foi notado por vários ilustres Deputados, o abono de família posteriormente instituído não pode ser considerado como solução.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora, dos três aspectos ou problemas que acabo de enunciar, e em que há parcelas, de justiça, qual devemos considerar como o mais urgente e de necessidade social mais clamorosa? Para mini, indiscutivelmente, o último.

Vozes: - Muito bom, muito bom!

O Orador: - E porquê? Porque sem uma solução condigna do salário familiar não é possível assegurar ao funcionalismo os dois níveis de vida que temos por essenciais: o nível vital e o nível de decoro social compatível com as exigências e necessidades da hierarquia das respectivas funções.
Vou procurar esclarecer a Assembleia, descendo da geometria abstracta, tão querida do nosso enraizado individualismo, às nossas realidades, às realidades portuguesas.
O douto parecer da Câmara Corporativa advoga, e bem, a melhoria dos vencimentos dos professores primários. Ninguém ousará contestar que são baixos os seus vencimentos, como ninguém porá em dúvida a importância e por vezes a sublimidade da sua missão quando bem desempenhada. Mas suponhamos, duas professoras vivendo em duas aldeias vizinhas num dos nossos meios rurais, por exemplo, na Beira, região que eu melhor conheço:
Uma das professoras é solteira, sem encargos de família. Para esta os 12.000$ anuais não constituirão um nível vital? Quantos pequenos proprietários dessa aldeia conseguem rendimentos equivalentes? Há que ter em conta que o decoro social tem de considerar-se na relatividade entre o funcionário e o meio em que ele tem de viver.
Na aldeia vizinha a professora é casada, por hipótese, com um pobretão que possui a categoria de marido da senhora professora e tem cinco filhos. A situação muda radicalmente.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Mas esse exemplo não é possível.