546 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 138
Quando a Marinha e o Exército se cumprimentam desta forma, trocando confiadamente os seus galhardetes - sem subserviência e sem lisonja, note-se bem, quando os seus esforços convergem no salutar sentido da compreensão e da reciprocidade, creio que nada mais é preciso para desmentir certas suspeitas e desmascarar certos sujeitos.
E com isto ... queiram VV. Ex.ªs perdoar ao soldado o que o técnico não soube dizer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: depois do discurso tão bem deduzido como emocionante que o Sr. Deputado Comandante Quelhas Lima aqui pronunciou quase não existe lugar para as palavras simples e vulgares que vou dizer.
Embora sem a riqueza oratória e sem o vibrante poder de convicção daquele nosso ilustre colega, embora certo de que não conseguirei subir a altitude comparável à sua, não resisto ao desejo, que é também dever indeclinável, de fornecer à Assembleia Nacional e, através dela, ao povo que nos elegeu o meu depoimento singelo. Depoimento de um oficial de terra, cujo único valor é ter sido vivido em horas de luta; depoimento baseado na observação prática de acções militares, que não em relatórios sábios de secretaria; homenagem de alguém que viu com os seus olhos como se batem brava e abnegadamente os pilotos da aeronáutica naval; preito comovido de um velho soldado que o Exército já repeliu aos seus jovens companheiros de guerra, aviadores desse mesmo Exército.
E quando recordo uns e outros, quando os sinto irmanados dentro do coração - ninguém se admirará que me entusiasme ainda, vibre, palpite e brade a minha admiração por todos eles.
Quer na Armada quer no Exército, para o piloto aviador não existe nem paz nem tréguas nem armistícios. Para ele é sempre a dura luta diária da vida com a morte, o risco permanente, o sacrifício continuado em cada hora de marcha.
O cavaleiro do ar conhece o caminho do Céu, voa direito a ele - e sua mãe, sua noiva, sua esposa, seus filhos, sofrem as torturas do Inferno a cada instante.
E uma vez os motores falham. E outro dia dois aviões chocam. E as asas quebram-se. E os corpos esmagam-se nu terra ou desaparecem no mar Lágrimas. Missas. Funerais. Armão militar. Bandeira nacional. Às vezes discursos comoventes. Mães desoladas. Crepes. Viúvas. Órfãos.
Sua Majestade o Estado, Todo Poderoso, acode então com generosidade infinita. Meses para se receberem pensões. Pensões que não garantem vida normal e decente. E seja tudo pelo amor da Pátria.
Mas nem Iodos morrem. Alguns triunfam. Alguns levam as asas de Portugal, a Cruz de Cristo dos nossos maiores, a terras de além-mar, em África, na Ásia e no Brasil. E recebem a Torre e Espada. E são .proclamados heróis nacionais. E repetem as façanhas. E tornam a receber a Torre e Espada. E tornam a ser proclamados heróis nacionais. (Mas- quando a saúde lhes foge, quando as asas já não podem, bater, quando Sua Majestade o Estado .Soberana os considera inúteis, para voar, até as próprias pensões da Torre e Espada Inês são regateadas. Foi o que sucedeu a Humberto Cruz. Neste país, onde marinheiros e soldados, graças a Deus, não economizam feitos alem glórias, as secretarias e as contabilidades só pensam em economizar dinheiro.
Dei largas ao coração. Perdoai-me! Perdoai-me, porque passo agora a ir direito à discussão da causa.
Entendeu o Governo -e óptimo o foi- que deveria deixar à responsabilidade da Assembleia Nacional as decisões sobre a criação do Subsecretariado da Aeronáutica Militar e recrutamento de pessoal.
Visto que essa responsabilidade nos pertence, visto que o desaire do erro a cometer ou a satisfação do acerto passam a caber única e exclusivamente aos representantes da Nação, há que encarar o problema segundo os nossas próprios pontos de vista, e não de acordo com quaisquer sugestões governamentais, directas ou indirectas, claras ou trazidas até nós veladamente, como o Encoberto da lenda, em manhã de denso nevoeiro ...
Que o Governo tivesse decidido, seria perfeitamente constitucional./Mas altas razões políticas o conduziram a entregar-nos a resolução do assunto.
Não podemos ser tolhidos por documentos secretos, misteriosos, irreveláveis ao comum dos mortais. Decerto o Governo não assumiu compromissos internacionais contrários ao voto desta Assembleia ou em antecipação sobre ele. E nenhum dos três grandes - América do Norte, Inglaterra e França- nos pode justamente aconselhar soluções combatidas e derrotadas nos seus próprios países, onde, como demonstrarei na discussão na especialidade, a aviação naval não só subsiste, mas também acrescenta o seu raio de acção.
E nenhuma nação democrática signatária do Pacto do Atlântico poderia admirar-se de que os Deputados portugueses, eleitos para a Assembleia Nacional, decidissem livremente e não concordassem com ditaduras, mormente se fossem estrangeiras.
De resto, se o Governo houvesse assumido compromissos especiais a este respeito, no quadro do Pacto do Atlântico ou fora dele, deveria, pelo menos, mencionar a sua existência no preâmbulo do relatório das propostas de lei n.08 186 e 187. Se não o fez, se deixou completamente à escolha da Assembleia qualquer das três soluções por ele apontadas nesse preâmbulo, é que não há compromissos formais.
Levado pelo seu espírito de lealdade indiscutível, o Ministro da .Defesa Nacional encarou todas as hipóteses nos n.08 1 a 11 da introdução do relatório das propostas de lei u.08 186 e 187 e entregou-nos o cuidado de escolhê-las. Portanto, devemos discuti-las e, especialmente, devemos votá-las com liberdade completa, segundo as normas desta Assembleia. Não temos de sujeitar-nos a limitações que não sejam as das nossas próprias consciências no quadro da conveniência nacional.
Farei agora apontamento importante e oportuno acerca da imparcialidade de discussão.
A imprensa tem publicado artigos, assinados por oficiais aviadores do Estado-Maior do Exército, favoráveis à proposta n.º 186. Mas a publicação de artigos em contrário, assinados por oficiais de não menor valor técnico, tem sido condicionada e limitada pela censura.
Daqui levanto o meu protesto contra esta maneira unilateral de preparar a opinião pública.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - A Assembleia Nacional necessita de contacto com o País. Os Deputados precisam de ouvir as aspirações legítimas daqueles que os elegeram, porque só assim poderão decidir com pleno conhecimento de causa.
Quem pretender soluções impostas, que as estabeleça por si próprio, não as peça à Assembleia. Visto que nos entregam o caso, há que permitir à opinião pública, partidária ou adversária da proposta, que se manifeste com igualdade de direitos.
Sr. Presidente: darei exemplo de boa fé invocando em primeiro lugar os argumentos apresentados como