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3 DE ABRIL DE 1952 637

Então não ocorreu a ninguém que se se "gravarem os custos de produção e outros encargos até ao embarque para além dos que recaem sobre os cafés nossos concorrentes da África e da América do Sul, cedo chegará o dia em que os produtores ultramarinos não poderão concorrer nos mercados internacionais com os produtores daquelas regiões e a produção de café em Angola, a nossa maior riqueza africana, cessará ou baixará consideràvelmente?

For esta forma estamos nós próprios a tomar medidas que favorecem a produção de cafés nos territórios estrangeiros e a desanimam nos nossos.

Então ninguém pensou que parte do café de Angola se produz em regiões marginais, onde o indígena só o vai colher em períodos de altos preços, e que deixará de o colher quando os preços sofrerem apreciável redução e não forem por ele considerados compensadores?

Não ocorreu a ninguém que os cafés de certas regiões de Angola, sobretudo onde prepondera a colheita indígena, encontram agora forte incitamento a escoarem-se através das fronteiras terrestres ou mesmo pela via marítima, para os territórios vizinhos, onde se lhes concede tratamento mais favorável, e que isto determina as consequentes correntes de importação invisíveis de divisas e de mercadorias estrangeiras em prejuízo das exportações da metrópole, da importação visível de divisas e das receitas públicas?

O Sr. Armando Cândido: - Mas então nunca mais se legislava, por medo ao contrabando. Não se pode jogar com essa ameaça.

O Sr. Botelho Moniz: - Não se trata de uma ameaça; trata-se de uma coisa efectiva.

O Sr. Armando Cândido: - Mus mo assim, como coisa efectiva, não é argumento.
O Orador: - É preciso conhecermos a realidade africana.

Nós não vivemos num mundo à parte, escondidos atrás de qualquer cortina. Vivemos no mundo real do Ocidente, agrupamento de economias interdependentes e intimamente ligadas entre si.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não nos esqueçamos também que é nos saldos das balanças comerciais do ultramar que a balança deficitária da metrópole encontra compensação para boa parte das suas deficiências. Na medida desta ajuda, isto é, do poder externo de compra que ela faculta, o ultramar contribui a impedir o abaixamento do nível de vida no continente. Por isso necessitamos de produzir no ultramar géneros essenciais para reforçar a nossa exportação metropolitana, fortemente desvalorizada pela preponderância de artigos de sobremesa. Tudo o que seja desanimar os produtores é prejudicar esta vantagem que o ultramar nos dá.

A leitura do decreto deixa claro no espírito de todos que se pretende fazer crer que os particulares têm descuidado a política de investimentos e que, por isso, o Estado terá de se substituir a eles, investindo directamente a melhor parte dos ganhos das explorações agrícolas e mineiras ou forçando os produtores a investi-los, quer queiram quer não, quer saibam, ou possam ou tenham na sua zona onde fazer investimentos produtivos, ou não.

Tal presunção de falta de iniciativa ou delapidação dos próprios ganhos da parte dos produtores e dos comerciantes é não só injusta como completamente errada.

O Sr. Armando Cândido: - V. Ex.ª desconhece que muitos lucros têm ido para o estrangeiro e que muitos outros têm sido investidos em despesas festivas em vez de reprodutivas?
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O Orador: - Não creio na possibilidade de criar um mundo de virtuosos. Reconheço a existência de faltas. O mundo cristão é assim, feito de bons e de maus. Felizmente que os bons suo em maior número e é destes que me estou ocupando.

De feito, tudo quando de produtivo existe no ultramar se deve à iniciativa privada, aos homens de coragem e de fé que por lá tem andado a mourejar, trocando voluntariamente a cómoda mediania da metrópole pela grande aventura do sertão.

S. Tomé não aceita lições neste particular. S. Tomé, a pérola dos territórios (portugueses de além-mar, há mais de meio século considerada pelos estrangeiros como a colónia de plantação modelar, em que tudo o que a iniciativa privada poderia ter feito em matéria de investimentos se realizou à grande, sem mesquinhez, em que todos os terrenos cultiváveis estão aproveitados, onde a assistência ao trabalhador atingiu a mais elevada expressão de todo o território nacional, S. Tomé não carece que lhe digam que deve empregar "em fins estáveis uma parte dos lucros presentes".

É uma novidade velha para S. Tomé. Fê-lo sempre e continuará a fazê-lo. Para os agricultores de S. Tomé u função social da riqueza e o seu significado nacional integram-se no próprio conceito de Pátria e Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De 1940 II 1950 a empresa a que atrás me referi e escolhi como exemplo típico constituiu reservas para reinvestimento em S. Tomé no montante de 23:200 contos e distribuiu 28:610 contos de dividendos, sobre os quais o Estado recebeu na metrópole cerca de 8:000 contos de impostos, reduzindo, portanto, o que os accionistas efectivamente cobraram a pouco mais de 20:000 contos em seis anos.

Apesar de se tratar de propriedades exploradas há mais de cinquenta anos, onde nunca deixaram de fazer-se as necessárias replantações e a conservação e modernização das instalações e maquinismos, constituíram-se voluntariamente reservas para investimentos em montante consideràvelmente superior aos lucros efectivamente recebidos pelos accionistas e muito mais do que o decreto prevê. E assim sucede com quase todos os nossos roceiros, sem necessidade de violências ou compulsões.

Não tenhamos ilusões; o português de África é o melhor juiz das oportunidades. A sua devoção à terra que fecunda não pode ser posta em dúvida. A sua iniciativa superou sempre as insuficiências do Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Antes de estes senhores que agora pontificam sobre o ultramar terem descoberto a África Portuguesa já ela estava ocupada e explorada há muito tempo pelos comerciantes e pelos agricultores, sem carecerem de fortes guarnições para os protegerem.

Citam-se, para justificar determinadas orientações ou ideias, certos casos particulares que aqui nesta Assembleia foram repetidos e porventura ampliados. Eles são o preço que se paga pelos benefícios sem conta da iniciativa privada. Se a impedirmos de funcionar espontaneamente, estiolamo-la primeiro, e, se persistirmos, acabaremos por aniquilá-la.

Ficará depois o Estado só em campo com as suas iniciativas, quase sempre tardias e descoordenadas,