696 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 151
O Decreto n.º 38:074 nos seus aspectos político, económico e jurídico
Uma completa apreciação do Decreto n.º 38:704 impõe a sua análise nos aspectos político, económico e jurídico.
Sob o ponto de vista político sobreleva desde já, no seu aspecto externo, a projecção que necessariamente se há-de fazer repercutir nas actividades do comércio de exportação.
O comércio de exportação alicerça-se na vida de relações com os mercados externos onde exerce a sua actividade e acção. Neles procura colocar, pelo preço mais remunerador possível, os produtos das actividades económicas da produção, em ordem à efectivação de um interesse que tanto é do próprio comércio como da produção e, portanto, das actividades económicas no ultramar.
Nisso reside o lucro do exportador e da produção, essencial para estimular as actividades, despertar o gosto pelo trabalho e fazer regressar ao País, traduzido em moeda ou outros valores, o produto do lucro, cujo líquido representa o rendimento do capital e do trabalho.
Quanto maior for esse lucro maior é a riqueza que entra no País.
Está, portanto, indicado que tanto o interesse da Nação como o do particular é o de obter nos mercados externos os maiores preços e mais remuneradores.
Ora, o decreto começa por assinalar que aos nossos produtos de exportação são atribuídos preços altamente elevados, fazendo até destacar certo número de produtos, que são detalhadamente marcados.
Isto representa indicar aos mercados externos, e até dizer-lhes, que os preços neles alcançados são demasiadamente elevados e que estão a pagar aos nossos produtos preços sobre valorizados; isto é apontar aos mercados externos que eles dão uma sobrevalia aos nossos produtos que não está de harmonia com os custos dos mesmos.
Nós somos um país pequeno, de reduzida compleição económica e financeira, para podermos ter qualquer peso ou influência nos mercados mundiais.
A luta nos mercados externos pela conquista de um lugar para os nossos produtos sabe-a avaliar o Governo, através dos laboriosos trabalhos que tem empreendido para a realização dos acordos, comerciais, e sabe-a e conhece-a em demasia o comércio exportador, que, desde largos e acidentados anos, viveu os sacrifícios na luta de todos os momentos para vencer a concorrênia e conquistar meneados compradores.
É que a nossa produção na concorrência dos mercados externos se mostra .tão diminuta e relativamente pequena que neles não exerce qualquer espécie de influência. Desde as nossas 8:000 toneladas de cacau até às 700:000 toneladas mundiais; desde as actuais 60:000 toneladas de café até ao 1.800:000 toneladas mundiais; desde as 45:000 toneladas de copra até ao 1.700:000 toneladas mundiais; desde as 40:000 toneladas de sisal até às 340:000 toneladas mundiais; desde as actuais 45:000 toneladas de manganês até aos 6.000:000 de toneladas mundiais, existe uma tal desproporção que mostra não terem as nossas produções a possibilidade de comandarem os preços nos mercados exteriores. Os preços dos nossos produtos são, fundamentalmente, os preços que os mercados externos fixam.
Sabe-se mais que os grandes mercados inglês e americano são comandados e dirigidos pelos seus respectivos Governos e que estes são orientados pelo conjunto de interesses, que ligam a Inglaterra à sua comunidade e
a América aos países da América Latina, onde se abastece de cacau, sisal e café, e à zona de influencia das Filipinas, onde se abastece de copra. E preciso, também, lembrar o regime diferencial com que protegem os seus mercados abastecedores, não devendo desconhecer-se a sobrecarga de imposições fiscais e de fretes que os nossos produtos têm de suportar quando concorrem nesses mercados.
Ë assim, e é por isso, que os nossos preços efectivamente realizados estão longe de corresponder, no seu resultado líquido, ao daqueles por que se pautam- as cotações efectuadas nesses mercados.
E como esses dois grandes países são quem estabelece os contingentes e comanda os preços, a doutrina do decreto convida-os a baixar e diminuir os preços para os nossos produtos, ao mesmo tempo que se lhes leva a errada impressão de que os nossos custos de' produção são muito inferiores aos dos outros centros produtores.
Sob este aspecto, mais que erradas, são infelizes as palavras que constam do preâmbulo do decreto quando se diz: «excepcional prosperidade», «ganhos inesperados», porque, além de o não serem, o nível de preços atingido nos mercados externos foi apenas, ou (principalmente, determinado pela concorrência entre os grandes produtores - que nós não somos - e os grandes mercados consumidores - que nós não controlamos.
Isso basta para mostrar que esses preços correspondem à normal e justa remuneração da produção, porque correspondem aos resultados da concorrência orientada por produtos doutras origens.
Nós, como sempre, seguimos na esteira dos destinos desses mercados, quer na horas de grandeza, quer nas horas de depressão e infortúnio.
Se, sob o ponto de vista de política comercial externa, proclamar a nossa prosperidade é um princípio que pode acarretar graves inconvenientes, sob o ponto de vista interno, proclamá-la, e tolhê-la, é enveredar por um caminho de resultados não menos gravosos, seja no que respeita às actividades do comércio interno, seja relativamente às actividades da produção em geral, e, designadamente, às do produtor indígena e do pequeno agricultor.
O comércio interno, que se desdobra em comércio de venda e de compra, sentiria automaticamente caírem verticalmente as suas actividades.
O comércio de compra de produtos ao indígena e ao pequeno produtor seria praticado a preços em que teriam de ser deduzidos os encargos do decreto. Isso representaria uma imediata descida nos preços, que provocaria uma larga depressão nas forças de produção, pais desencorajaria o indígena a produzir e colocaria o pequeno produtor em condições de não poder suportar o custo de produção.
Seria o estagnamento ou definhamento do comércio interno de produtos coloniais e com ele o estagmamento do comércio da venda de produtos europeus, nos quais avultam as mercadorias importadas da metrópole. Hoje o saldo positivo do comércio entre a metrópole e as nossas colónias eleva-se já a favor da metrópole por perto de 644:000.000$, sendo de salientar que as exportações da metrópole para o ultramar orçam por mais de 1.700:000.000$.
A política que forçasse à queda dos preços dos produtos coloniais, não só afectaria internamente o desenvolvimento do comércio e da produção das nossas colónias, como afectaria a própria economia da metrópole, que perderia hoje um dos melhores mercados para os seus produtos e agravaria o deficit da sua balança comercial.