17 DE ABRIL DE 1952 703
realçam, por diferentes modos, que a nossa situação económica e o consequente nível de vida do povo português, dominantemente agrário nas suas actividades, sofre Q sempre do enquadramento da economia nacional num verdadeiro ciclo vicioso. Este, definido por várias formas, tem, porém, como ponto obrigatório de passagem, a pobreza do nosso meio cultural, ou, melhor, a irregularidade desconjuntante do clima, usando a expressão de Sertório de Monte Pereira.
É na realidade incontestável que, quando compararmos as possibilidades do nosso meio agrícola e florestal, pelo menos da maior parte do torrão que nos pertence, com as de uma Dinamarca, de uma Bélgica, de uma França ou de qualquer outra nação da Europa Ocidental, não restará dúvida a ninguém sobre a nossa inferioridade relativa. Não poderemos por isso, Sr. Presidente, de facto figurar, quanto a esse respeito, como um povo muito beneficiado quanto à natureza.
Se fizéssemos idêntica análise comparativa com referência às disponibilidades de energia e de minérios e o mesmo em relação às possibilidades de fomento industrial, também não restaria duvidando que não poderemos de certo ombrear com muitas nações europeias ricas em hulhas e em minérios valiosos.
Isto, porém, é uma coisa diferente do que afirmar, como é vulgar ouvir-se dizer, que não poderemos sair, pelos nossos próprios meios, da menos que mediana situação actual e aspirar assim a uma vida mais desafogada para o povo português.
Qual, porém, a forma de o conseguir? Eis a questão.
Desde logo, como verdadeiro axioma, podemos afirmar que só a determinação, tanto quanto possível exacta, da nossa posição, por inquérito rigoroso feito às possibilidades económicas do conjunto do território, se poderá fazer o ponto, como é uso dizer-se em linguagem marinheira, para depois melhor se definir o sentido da rota a seguir pelos caminhos do futuro. E, uma vez realizada esta determinação, talvez se verifique então que os problemas que hoje nos parecem dos mais complexos se reduzirão as questões susceptíveis de serem solvidas por forma bem simples. As Novas Rotas seriam assim, afinal, Velhos Rumos, que alguns dos nossos sábios reis fixaram em justas leis que ainda hoje não perderam todo o seu valimento.
Dois estudos recentes navegam no mesmo mar tenebroso à procura da mesma linha de rumo. Refiro me à obra notável do engenheiro Ferreira Dias e à interessante tese apresentada ao Congresso da União Nacional, realizado na cidade de Coimbra, firmada pelo* engenhe iro agrónomo Camilo de Mendonça e Drs. Augusto Alberto Henriques e Frederico Cruz Rodrigues.
Na primeira publicação, no capítulo «Portugal na Europa», o engenheiro Ferreira Dias, fazendo uma análise pormenorizada de aspectos de economia comparada e baseando-se especialmente em elementos demográficos, com referencia a densidades populacionais e a taxas de mortalidade,- bem como a determinados aspectos da vida financeira, comercial e industrial dos diferentes países da Europa, apresenta uma classificação geral quanto ao nível das actividades económicas dos países europeus, ocupando Portugal neste conjunto o vigésimo segundo lugar nos vinte e seis que o quadro compreende. Só somos ultrapassados nessa baixa situação pela Lituânia, pela Roménia, pela Bulgária e ainda pela pequena Albânia. Em linguagem mais conforme com a geografia política actual, diríamos que Portugal ocupa o último lugar para cá da cortina de ferro.
O segundo estudo referido leva-nos a resultados semelhantes, apenas com a informação, fundamentada nos elementos estatísticos relativos a «Géneros de vida», de que a nossa posição poderá ser um pouco melhorada, colocando-nos, quanto a esses índices, na situação de um país europeu semi-evoluído.
Estaremos assim, na realidade, como diz o engenheiro Ferreira Dias, na situação de um país europeu nitidamente atrasado, ou ocuparemos, quando muito, a posição de uma nação semi-evoluída? E sendo esta última a nossa verdadeira posição, ela seria, então, comparável - permitam-me a expressão- à de um indivíduo de boas famílias, falho de meios, levando porém uma vida de luxo e prazer, incompatível com os parcos recursos de que dispõe.
Não possuo, na realidade, elementos para contestar ou para aprovar, em definitivo, algumas das conclusões dos notáveis trabalhos a que faço referência, mas acrescento apenas, como simples nota, que mostra bem como variam os critérios de apreciação deste género, que o notável economista australiano Colin Clark, no seu trabalho mundialmente conhecido The Conditions ofEcono-mic Progress, situa o nosso país sobre a linha média que, definida logarítmicamente, representa a produtividade líquida das actividades primárias (actividades agrícolas), por homem ano, corrigida em função das condições climáticas, para os diversos valores da densidade de população agrária.
A nossa posição, nesse gráfico, pouco se afasta da de muitas outras nações, algumas delas até melhor dotadas pela fertilidade dos solos.
Isto não significa, porém, quê ela não esteja ainda muito distanciada das posições marcadas para a Dinamarca, Bélgica, Holanda e tantas outras nações que receberam o maná, neste século da industrialização. E ainda Colin Clark, confirmando o que várias vezes temeis dito, no capítulo da produtividade da indústria primária e referindo-se à produção de trigo por hectare, afirma:
«A comparação das produções de trigo, em quintais por hectare, nos diferentes países pode ser facilmente determinada, mas esses receitados pouco nos dizem acerca da produtividade comparada dos diferentes sistemas agrícolas nos diversos países.
No quadro relativo à produção de trigo, em quintais por hectare, por exemplo, os valores são de facto maiores nos países onde o trigo é pouco cultivado e nos quais, por consequência, os solos adequados podem ser melhor selecionados para esta cultura, e são diminutas no colheitas em outros (países, como o Camada e u Austrália, onde o trigo é produzido em regime de cultura extensiva, a baixo custo de produção, embora em solos áridos ou frios».
Se bem que fazendo parte do mesmo continente, as nações situadas nas duas Europas que Delaisi denominou, respectivamente, Europa indu.sitrifll e Europa agrária, encontram-se, na realidade, formando dois blocos, com economias bem diferenciadas.
Dizíamos em 1949, numa conferência que realizámos mi Sociedade de Geografia a convite da união Nacional, conferência que intitulámos «Novas Rotos, Velhos Rumos», o seguinte:
«Foi numa grande ilha dos mares do Norte, escondida entre brumas e nevoeiros, que o vapor de água - que até então só toldara - fez dar um novo passo.
Florestas que existiam já antes de o homem ter vindo ao Mundo geraram um manancial de poder criador, concentrado durante milénios, para milénios de uso. Tanto ao ferro, que, a partir do neolítico, já tinha sido mola de mais rápida caminhada, o vapor de água, aproveitado numa rudimentar maquineta, iria ser causa da diferenciação da, Europa em dois grandes territórios, de paisagens económicas bem distintos. Os combustíveis líquidos e as restantes hulhas tornaram mais nítidos os contornos.