704 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 161
O caminho de ferro, a navegação a vapor, o motor de explosão, os inúmeros aproveitamentos eléctricos e tudo o mais que surgiu e foi surgindo depois são os sucessivos degraus da nova era; as grandes descobertas científicas dos séculos XVII e XVIII constituíram o seu sólido fundamento.
Possuidores do binário hulha-ferro, alguns países da Europa setentrional e ocidental formaram assim, sob a égide anglo-saxónica, a Europa do cavalo-vapor. E não tardou que os afortunados herdeiros do esforço de séculos dos povos do Sul começassem, a partir de então, a explorar todo o mundo conhecido em seu proveito.
Desde a Austrália à Europa, por Ocidente e por Oriente, constituiu-se um imenso espaço vital de captação de matérias-primas e de produtos alimentares. A navegação a vapor tinha já então activado todo o sistema circulatório marítimo e o caminho de ferro tornara fáceis e rápidas as comunicações terrestres. A aviação viria mais tarde encurtar distâncias.
Minérios, combustíveis líquidos, lã e outras fibras, borracha, óleos, etc., começaram a afluir, em grandes massas, a este gigantesco núcleo de actividade industrial. Entraram também em circulação, no mesmo sentido, cercais, gorduras, frutas, vinhos e vários produtos alimentares de luxo ë outros mais.
Esta segunda corrente destinava-se ao sustento de uma população que abandonava progressivamente os campos em procura da vida mais atraente das cidades e dos centros industriais.
Modificou-se assim o panorama e a vida de uma parte da Europa. Miríades de centros fumegantes, alimentados por uma rede circulatória de malhas apertadas, dispersaram por todo este grande espaço.
As pontas marítimas desta complexa rede desenvolveram-se em dilatadas ventosas e por elas entravam e saíam, num vaivém contínuo, grandes caudais de matérias-primas, de produtos fabricados e de alimentos. Os centros urbanos congestionaram-se e os que não puderam crescer em superfície fizeram-no rapidamente em altura.
Nos campos o cereal foi cedendo terreno u pastagem. Procurou-se cultivar apenas as terras mais ricas, aperfeiçoando-se ao máximo o seu labor. A cultura intensiva variada foi assim ocupando espaços cada vez maiores, em prejuízo da produção extensiva de pão. Países houve que revolucionaram por completo a exploração da terra. Foi exemplo típico deste movimento a pequena Dinamarca, que, de simples produtor de cereal, passou a sê-lo de carne, ovos, lacticínios e outros produtos derivados de um cuidadoso labor agrário e industrial. E toda esta profunda alteração da estrutura económica foi realizada no espaço de muito poucos anos.
Na Holanda idêntico movimento, levado a cabo em parte nos solos conquistados ao mar do Norte, originou a produção de maravilhosos primores florais e hortícolas, que, irmanados com os das estufas belgas, satisfizeram gostos e exigências da alta roda dos países capitalistas.
Por outro lado, o adubo químico, a planta melhorada, a máquina agrícola e muitos outros factores do progresso agrário influenciaram por forma notável o desenvolvimento na Europa do cavalo-vapor. O elevado nível da instrução geral e profissional das suas gentes foi o sólido alicerce deste grande edifício. Dos povos latinos apenas a França, demogràficamente exausta, e pequenas parcelas de outros países beneficiaram deste movimento.
Para leste e sudeste da fronteira da zona fabril, predominantemente anglo-saxónica e germânica, estendia-se o território imenso em regime agrário atrasado, bem como os países da orla mediterrânica, exauridos
por séculos de luta. Este estado de apatia era apenas periodicamente perturbado por convulsões políticas e sociais. No sentido biodemográfico, porém, as populações destes países continuavam a manter apreciável viço. Quanto à vida económica, pelo contrário, era caracterizada por profunda anemia, por magreza do cavalo-vapor. Circulação também deficiente por falta de capilares; apenas algumas veias e artérias irrigando tão grande corpo; cidades e vilas ganglionares, algumas anormalmente desenvolvidas pela atracção do luxo de poucos e da miséria de muitos.
O maior nivelamento social, consequente da melhoria da situação económica auferida pelos países industriais, tinha, como ainda tem hoje, na Europa agrária, aspecto diferente - o de degraus bem marcados, separando os escalões de gente. Quando muito, os azares da fortuna faziam descer ou, pelo contrário, subir elementos de cima ou de baixo, sem que a isso obstassem vínculos de. sangue, de raça ou de casta. E na distribuição dos bens o divisor ia aumentando rapidamente, enquanto o dividendo diminuía com o mesmo ritmo. Quanto ao quociente, não é difícil adivinhar o limite para que tendia.
Criou a Europa noutros continentes, e a sua semelhança, novos, núcleos de actividade agrícola e industrial. E entre eles destacou-se, pela riqueza de matérias-primas, fertilidade dos seus solos e espírito criador da sua gente, a grande nação americana. Mal declinava a luz da estrela que durante mais de um século tinha iluminado o Ocidente europeu, já mais para poente nascia, dotado de maior esplendor, um novo e brilhante astro».
Se tivermos em linha de couta, para completar o que fica dito, o que nos oferece para melhor inteligência a análise da carta de solos e de distribuição das chuvas do continente .europeu, podemos afirmar que os dois blocos diferenciados o industrial e o agrário- não são apenas por influência do binário hulha-ferro, mas em grande parte também pela forma como se distribuem as chuvas e as grandes manchas de solos. E assim a cultura intensiva, que facultou o acréscimo substancial do nível de vida rural da Europa ocidental e setentrional, só foi possível realizá-la, na Europa agrária, nos regadios, dominando pelo contrário o arvense extensivo e a pecuária de manado na maior parte deste extenso território. Nele se destacam, contudo, como zonas valiosíssimas de fertilidade, entre outras, as terras negras eslavas. E, quanto ao resto, é ainda o binário clima solo que condiciona fundamentalmente o nível das actividades agrárias. E o caso típico do reino do lenhoso mediterrânico, onde domina a oliveira, o sobreiro e outro arvoredo de apreciável valor económico, como as árvores e arbustos fruteiros, que não só criam frutos da mais alta qualidade como também originam néctares preciosos, entre os quais, como rei dos reis, figura o célebre vinho do Porto. E é nestes domínios, especialmente aia cultura da vinha, que o cultivo, na Europa agrária, atinge, por vezes, a feição mais intensiva com a possível fixação de elevado quantitativo de mão-de-obra e com uma remuneração mais satisfatória dos trabalhadores da terra. Mas este aspecto constitui apenas excepção, que não altera em nada, como já afirmámos, o panorama geral da vida económica e social do extenso ambiente da aridez.
Será por isso legítimo comparar, para apreciação de níveis de existência, países das duas Europas, de feição tão diferente e com condições de vida tão díspares? Há principalmente que não esquecer, entre outros aspectos que modificam muito os resultados que as estatísticas revelam, o que se refere aos consumos de produtos alimentares nos países agrários. As capitações desses produtos podem ser, de facto, determinadas com