754 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
embora seja altamente conveniente. O equilíbrio das contas públicas é condição necessária da independência dos governos a respeito da finança.
Necessária, e por isso mesmo altamente louvável. E entre nós, que só tivemos boas contas no tempo dos Afonsinos, e não de todos, porque o último -D. Fernando- foi o primeiro a estragá-las, entre nós não só louvável mas altamente honrosa.
E digamos as coisas como elas são: o equilíbrio das contas públicas durante quase um quarto de século, ainda que mais longe não fosse, bastaria para ficar na história das finanças, não só do nosso pais, mas do nosso tempo, como glória indiscutível dos homens que o conseguiram e das instituições que o tornaram possível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Em política tudo é discutível, tanto no presente como no passado, com excepção dos factos e principalmente daqueles que se traduzem em números. O equilíbrio das contas públicas é um desses factos indiscutíveis, mas isso não basta para que ele se projecte na consciência nacional com a nitidez que merece.
Para tanto é preciso que o ponhamos bem alto, tão alto que lhe não cheguem nem os ódios políticos nem as antipatias pessoais.
Mas, como dissemos, o equilíbrio das contas públicas, acrescentado à legalidade das mesmas contas, ainda não basta para que sejam julgadas boas no sentido pleno da palavra. É preciso também que receitas e despesas estejam de acordo com as realidades nacionais, isto é, que sejam o que devem ser no ano em que se efectuam. E este o aspecto que vou especialmente focar na minha intervenção de hoje.
Sr. Presidente: toda a conta tem uma data e está por isso vinculada ao tempo. As contas públicas não escapam a esta regra, pois estão integradas no ano económico a que respeitam. Mas não é apenas esta a aderência que as prende ao tempo. Há outra e bem mais significativa. É que as contas públicas são o resultado duma evolução. E é à luz dessa evolução que temos de as apreciar; melhor, só essa evolução nos permitirá penetrar no seu âmago. A evolução das contas e a evolução dos factos a que eles respeitam.
A evolução das contas públicas tem de acompanhar a evolução dos factos, para que não se desenvolvam tensões sociais perigosas. É portanto pela evolução dos factos que temos de começar.
A chamada revolução industrial, iniciada nos fins do século XVIII, teve consequências profundas na vida política, económica e social dos povos cultos e por isso se chama, com propriedade, revolução.
No aspecto demográfico, as consequências imediatas mais visíveis foram o aumento desmedido da população, acompanhado da emigração dos campos para as cidades e da Europa para os países ultramarinos.
Diga-se de passagem que nenhum destes fenómenos era novo.
A revolução industrial apenas os acelerou, dando-lhes proporções que nunca tinham tido antes.
Mas não foi só o número e a distribuição geográfica dos homens brancos que foram alterados pela revolução industrial.
Houve alterações mais profundas e por isso mesmo menos visíveis. Uma delas incidiu sobre a distribuição da população activa pelas profissões, digamos sobre a alteração da estrutura profissional da sociedade, insofismavelmente revelada pelas estatísticas.
Assim, a percentagem da população agrícola, que no começo da revolução industrial se calcula em 80 por cento, foi baixando progressivamente em todos os países cultos. Na América do Norte, que é a nação com estatísticas mais antigas a este respeito, a percentagem da população activa ocupada na lavoura era de 69 por cento em 1840; em 1850 descera para 65 por cento; no fim do século estava em 37 por cento; em 1920 ficara em 27 por cento; em 1940 em 17 por cento, e em 1947 descia a 14 por cento !
Aqui está o que nos dizem as estatísticas no que respeita à população agrícola norte-americana.
Os economistas e, sobretudo, os estatistas (perdoe-mo, Sr.Presidente, o neologismo) dividem as actividades económicas em três sectores, a que chamam primário, secundário e terciário.
No sector primário incluem a agricultura, pastorícia, pesca, caça e silvicultura.
No sector secundário metem as minas, as manufacturas, a construção civil, as obras públicas, o gás e a electricidade. É o sector industrial por excelência.
No sector terciário agrupam o comércio, transportes, funcionalismo, profissões liberais, serviços domésticos e as restantes actividades que produzam bens não materiais.
Pois bem, mostram as estatísticas norte-americanas que a percentagem da população activa ocupada no sector primário tem baixado sempre, desde 1820, em que era de 72,3 por cento, até 1940, em que descera a 19,3 por cento.
Por sua vez, a porcentagem da população ocupada no sector terciário tem subido sempre: era de 15,3 por cento em 1820 e atingiu 49 por cento em 1940.
No sector secundário, que é o que compreende as indústrias, como já dissemos, as estatísticas norte-americanas revelaram ao economista inglês Colin Clark uma evolução inesperada. A parte da população activa ocupada neste sector, que era de 12,3 por cento em 1820, subiu sempre até 1920, isto é, durante um século, atingindo o máximo de 32,9 por cento, para em seguida começar a descer lentamente até à segunda grande guerra.
Estes números dizem respeito aos Estados Unidos, mas a evolução da estrutura profissional dos povos cultos parece ter sido a mesma em todos eles, tanto quanto as estatísticas permitem conjecturar. Apenas varia a velocidade com que esta evolução se realiza e, por consequência, a data em que a percentagem da população ocupada no sector secundário atinge o máximo.
Assim, no Canadá a percentagem da população activa ocupada no sector primário caiu menos rapidamente do que nos Estados Unidos; e a percentagem da população industrial ainda não chegou ao máximo, segundo parece.
Na Inglaterra a população ocupada na agricultura era já menos de um quarto da população total em 1841.
O máximo da percentagem da população ocupada nas indústrias manufactureiras parece ter sido atingido em 1861. A baixa subsequente foi muito vagarosa.
Infelizmente a falta de estatísticas apropriadas não permitiu a Colin Clark fazer para os outros países o estudo minucioso que fez para a América do Norte; não obstante pôde apurar o suficiente para concluir que a evolução foi e continua a ser em todos os povos cultos no mesmo sentido: baixa de percentagem da população ocupada no sector primário; alta da percentagem no sector terciário, e alta seguida de baixa no secundário.
É claro que a baixa do sector primário não poderá continuar indefinidamente e há-de chegar um momento em que se atinja um mínimo incompressível.
O mesmo sucederá no sector secundário, o que nos leva a admitir, com o economista francês Jean Fourastié, que chegará um dia em que a estrutura profissional dos povos cultos atingirá o equilíbrio, tal como sucedia antes da revolução industrial.