148 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 173
Eu explico o meu pensamento:
Conquistar terrenos ao mar pode ser obra de fomento, mas apenas na hipótese de posteriormente ser estimulada a sua cultura, pois, em caso contrário, tais terrenos ficariam tão improdutivos como estavam, e o fomento não se verificaria, apesar da realização de obras dispendiosas. A construção de edifícios militares, de auto-estradas, de estádios, representa obras públicas, mas não pode ser considerada, strictu sensu, contributo para o fomento nacional. A prospecção mineira, é o passo imprescindível para uma racional exploração, mas se a esta não forem criadas condições vantajosas os jazidos reconhecidos permanecerão tão intactos como anteriormente. Mesmo as albufeiras e as barragens, para a produção de energia eléctrica, só serão de inteiro fomento na medida em que essa energia resulte a preço economicamente utilizável, convidativa de um consumo largo, capaz de fazer elevar a nossa tão reduzida capitação.
Pelo contrário, a introdução de novas técnicas, de novas normas de vida, de diferente orientação, de enfim, uma mentalidade nova em muitos sectores da actividade nacional, isso seria, de certeza, uma fonte magnífica de fomento independente de novos elementos de actuação material que pudessem vir a ser-lhes concedidos.
Por fazer parte da Comissão de Economia desta Assembleia, foi-me enviado o texto oficial deste Plano ao mesmo tempo que para a Câmara Corporativa. E amimadas as impressões que a sua leitura me deixou, foi-me agradável verificar a concordância delas neste aspecto com as opiniões expostas no parecer daquela Câmara.
De facto, a p. 1 095 do Diário das Sessões, pode ler-se:
Seguindo a tendência da época, o documento em apreciação é mais precisamente um plano das obras de fomento do que um plano de fomento, porque este, na maior generalidade do seu nome, deve incluir também aqueles caminhos que, implicando aumento de produção ou de produtividade, não arrastem obrigatoriamente a execução de obras novas.
Não admira que haja coincidência de opiniões, porque esta é que é afinal a verdade sem quaisquer rodeios ocultantes.
O Plano do Fomento apresentado agora à nossa apreciação mostra-se grandioso e ousado e não precisaria mesmo de ser realizado na, sua totalidade para influen-ciar poderosamente o nível de vida do povo português. Nele se prevê a valorização do solo e do subsolo nacionais, o aproveitamento de recursos naturais até agora desprezados e a instalação de novas indústrias capazes de fornecer muito do que presentemente somos obrigados a adquirir além-fronteiras em condições onerosas e às vezes difíceis.
Não obstante isso alguns reparos ele me suscita na sua generalidade, os quais irei resumidamente expor.
O primeiro é a falta de sentido da unidade da nação portuguesa, facto que se verifica não só na ordenação do Plano como também na sua redacção.
Se este pensamento tivesse presidido à sua feitura, deveria ele aparecer dividido, antes, por grandes rubricas, como meios de comunicação (terrestres, aéreos, marítimos e fluviais), novas indústrias, aproveitamentos hidráulicos, etc., em cujos subcapítulos se indicasse a participação de cada província do território nos benefícios a atribuir e os encargos que lhe competissem no respectivo cômputo geral.
Seria esplêndido que se aproveitasse a oportunidade para abater as barreiras alfandegárias entre as diversas províncias de Portugal, como já em tempo foram
abatidas as barreiras ad valorem entre os diversos concelhos da metrópole, e que se procurasse integrar a economia de cada província num plano geral comum a toda a Nação, onde os encargos e os benefícios fossem proporcional e equitativamente distribuídos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Plano mostra-se, pelo contrário, fraccionado e os territórios ultramarinos são nele considerados cada um à sua parte, em oposição ao espirito de unidade que conviria vincar e acentuar a propósito e até mesmo a despropósito de tudo.
Parece que o próprio relator se apercebeu deste facto, pois na segunda parte do Plano, isto é, na que se refere ao ultramar, escreveu palavras de explicação dos motivos por que se não estabeleceu uma relação mais intima entre os planos das províncias ultramarinas e os elaborados para a metrópole.
Não se mostram, porém, convincentes as razões de particularismo oferecidas por certos aspectos da economia ultramarina, pois as mesmas rubricas se encontram em relação a todas as províncias do ultramar: portos, comunicações e transportes, aproveitamentos hidroeléctricos, etc. E se no plano geral surgisse mesmo uma rubrica de povoamento, isso estaria longe de ser deslocado em relação à metrópole, que tem na colocação dos seus excedentes demográficos tantos ou mais interesses do que o ultramar.
Diz o relatório: «A natureza foi avara connosco, pois nem nos deu um solo fértil nem um subsolo rico». Não posso estar de acordo com essta frase, porque uma nação que inclui nos seus territórios a Guiné, S. Tomé e Príncipe. Angola e Moçambique não pode alegar que tem um solo pouco fértil e um subsolo pobre.
Esfalfam-se muitos a dizer que lá também é Portugal e parece que esta noção se aplica apenas, na prática, aos pontos escritos nos exames de instrução primária. Sou legado a supor que o relator teria, escrito, na frase citada, a palavra «metrópole», e que esta caiu durante a composição, sem que a, revisão disso se tivesse apercebido. A não ser assim, tratar-se-ia, de um lapso lamentável em documento de tão larga repercussão.
Outro reparo:
Este plano revela-se elaborado sob o signo da angústia que causa a muita gente o aumento constante da população portuguesa e sob o império da necessidade urgente de proporcionar trabalho a todos os que estão e aos vindouros.
Vezes sucessivas se faz nele referência ao aumento demográfico, à pressão demográfica, num tom que deixa a impressão de isto ser considerado uma calamidade, causadora de cabelos brancos aos governantes chamados a conjurá-la.
Sei bem quanto se admiram os chefes de família numerosa da aflição dos celibatários, dos maltusianistas dos casais naturalmente sem filhos, mesmo dos que têm um só quando tomam conhecimento dos seis, oito ou dez filhos que alegram o lar daqueles. E recordo-me da frase ouvido uma vez a uma senhora ilustre pela sua cultura e pela sua ascendência, mas não muito provida de bens materiais, em resposta a outra, horrorizada com os doze filhos que a primeira tinha: «Eles quando nascem já trazem o pão debaixo do braço».
Há, sem dúvida, mais dificuldades materiais nas famílias, numerosas; mas, na maioria dos casos, há menos dificuldades morais e espirituais. E, desde que se disponha de um mínimo indispensável, certos anseios, pequenas ambições legítimas, desejos contidos, só contribuem para a formação do carácter, para o robustecimento da vontade, para o desabrochar do espírito de iniciativa, ao contrário do que é proporcionado pela