5 DE DEZEMBRO DE 1952 153
Os que se deixam encandear com o brilho dos milhões decerto pensarão que tudo isto é irrisório, em face do enorme dispêndio de um plano de fomento. Estou de acordo. mas fico muito satisfeito por se verificar que é fácil de fazer e custa pouco dinheiro. Se tem ou não importância, já ficou demonstrado.
O aproveitamento do sangue nos matadouros é impossível fazer-se com o actual redime de matança de gado.
Um plano de fomento pecuário terá de incluir nas suas disposições basilares a revisão das normas de abastecimento de carnes, pela supressão de quase todos os actuais locais de matança e a construção de alguns matadouros industriais nas regiões mais capazes de os abastecerem em animais de talho. Mas estes estabelecimentos terão de funcionar fora do critério acanhado das administrações municipais. Estaria a indústria particular apta a assumir estas responsabilidades? Em caso negativo, competiria ao Estado tomar esta iniciativa, porque a importância do empreendimento e o valor da riqueza nacional a ele libado largamente, o justificariam e compensariam. Depois, à medida que a unidades industriais, devidamente apetrechadas entrassem em serviço, seria nelas concentrado todo o abate de gado numa área considerada suficiente e necessária para a sua laboração.
Não seria demasiado criar, pelo menos, dez matadouros industriais espalhados pelas regiões mais ricas em gados e na vizinhança dos maiores centros de consumo, cada um dos quais poderia laborar por ano um mínimo de 6 000 t de carne e respectivos subprodutos, ou seja 20t por dia útil, o que seria suficiente para lhes assegurar um trabalho regular e industrialmente, lucrativo.
Nos actuais locais de matança, ou pelo menos, na sua maioria, não é possível fazer-se o aproveitamento do sangue e dos restantes subprodutos porque a instalação da maquinaria apropriada não se concilia com uma laboração fraccionada ou rudimentar, sob pena de ser um motivo certo de ruína. Toda a instalação industrial, para dar rendimento, precisa de trabalhar com regularidade e sequência.
E por isso que considero absurdo construir-se um matadouro grande em Lisboa e continuarem funcionando matadouros pequenos em Loures, em Oleiras, em Sintra, etc.
De igual modo, não se compreende a existência do matadouro industrial em Setúbal e continuarem Setúbal os locais de matança em Palmela, em Sesimbra, no Seixal ,etc. Ou um no Porto e outro em Vila Nova de Gaia e assim por diante.
Nos simples locais de matança, a perda do valiosissimos subprodutos é quase total (sebos , sangue, ossos e fâneros .mesmo a carne imprópria para consumo) e o esgoto e o estrume são os dois grandes beneficiários desta incompetência técnica e administrativa. Até as peles e os couros são consideràvelmente danificados, porque a prática de esfola não se adquire trabalhando em uma rês por semana mas sim em muitas, por dia. E disto resulta grave prejuízo para a indústria dos curtumes e concomitante operação no preço do calçado.
A instalação de matadouros regionais teria ainda uma outra vantagem - a de poupar carne in rico. Cada bovino transportado em caminho de ferro, desde os centros de criação até aos de consumo, onde é abatido, perde uma média de 25 a 30 kg. E por estrada esta perda atinge de peso vivo. Por mar desde os Açores até Lisboa cada rês perde mais de quatro arrobas. Multiplicando estes valores pelo número de cabeças de gado bovino transportadas, encontraremos um valor vizinho de 10 000 t de carne perdidas , inteiramente perdidas ..
O valor dos subprodutos e o interesse que eles possuem como matéria-prima para tantas industrias , desde a farmacêutica à de plásticos, é mais um motivo incitamento à instalação de matadouros industriais. Nestes, o observador chega a esquecer-se da carne ,que é tornada quase o produto menos importante.
Uma vez aprovada a careaça para o consumo ,a carne recolhe as câmaras de refrigeração ,onde fica ,enquanto o trabalho nas oficinas continua, durante muito tempo.
São trabalhados os ossos dos quais se extrai 10 por cento das gorduras, 20 por cento de gelatina, e 60 por cento de farinha de ossos e ainda cola e produtos químicos com base no cálcio e fósforo .Em Portugal continental arrecadam-se actualmente cerca de 13 000 t de ossos por ano.
É trabalhando o sangue o qual, além farinado para alimentação de animais permite a extracção de albuminas (negra, clara e vermelha)de grande aplicação na industria dos aglomerados, nas de plásticos, de tinturaria, saboaria, curtumes, papelaria e químicas.
São aproveitadas as cerdas e os pêlos, óptimos para o fabrico de escovas e pincéis, e a lã, da qual se extrai lanolina.
As glândulas de secreção interna dão os opoterápicos, entre os quais a preciosa insulina.
Por último, os intestinos servem para ensacar carnes, para fabricar cordas de instrumentos musicais, e cut-gut para suturas em cirurgia.
E o próprio conteúdo estomacal e do intestino delgado com o peso de algumas arrobas em cada bovino pode dar depois de dissecado e farinado um magnífico enriquecedor de rações pela soma de princípios nutritivos que contém, já parcialmente digeridos associados ao suco digestivo e as diástases transformadoras.
Tudo isto parecerá pequenino, mas a industria nacional dos lacticínios já mostra como o pequeno se pode tornar grande. Esta já produz, além de manteiga e do queijo, também lactose, ácido láctico, cascina e outras matérias-primas para industrias subsidiárias de grande utilidade e rendimento.
Um dos argumentos mais em voga contra a concentração dos locais de matança em unidades industrias é a dificuldade invocada dos transportes das carnes para os múltiplos e dispersos centros de consumo. Mas nem este argumento tem Valor, porque o mesmo acontece com a farinha, com o azeite até com o peixe, embora com este aconteça muito mal.
A solução poderia já ficar indicada no presente Plano se tivesse preocupado com instalação no nosso país da industria do frio. Mas infelizmente, a este respeito o Plano é inteiramente omisso. Alguns vagões-frigoríficos, a juntar aos restantes cuja inquisição foi planeada, alguns camiões-frigoríficos e um barco-frigorífico, com o qual se iria enriquecer a nossa frota mercante sem prejuízo dos outros barcos a adquirir, e a construção de dois frigoríficos um em Angola e outro nos Açores, resolveriam o problema da conservação e da distribuição não só da carne como também do peixe, dos ovos. do leite, etc.
Pensou-se há tempo na construção de um matadouro industrial em Angola, com as respectivas câmaras frigoríficas de reserva. Mas, como empreendimento português que era logo entrou a padecer do mal do tudo ou nada: o projecto admitia a construção de câmaras capazes de alimentar a exportação mensal de 1000 t.de carne e o respectivo, custo elevava-se só na parte industrial a 133:000 contos.
Também, a propósito das novas instalações do matadouro de Lisboa, foi há semanas publicada nos jornais diários a informação de que elas serão as mais grandiosas da Europa. Ao lê-la, fiquei imediatamente