154 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 173
fazendo sinceros votos por que ela fosse simples propaganda, pois, em caso contrário, seria sumamente ridículo que um pais com uma capitação cárnea das mais baixas da Europa tivesse, em compensação, um matadouro com as instalações mais poderosas.
Parece que em Angola se enveredou posteriormente para outra solução mais modesta e menos perigosa, mas de positivo nada posso dizer a tal respeito.
Sei, porém, que o gado vindo de lá suporta elevadas perdas de peso, os transportes são ocupados por uma carpa indesejável, que toma muito espaço, vale relativamente pouco e danifica muito pela acção corrosiva dos dejectos.
Nos últimos vinte anos Angola exportou para a metrópole a média anual de 3 300 bovinos, mas destes animais alguns sofriam tanto que morriam durante a viagem, e outros tinham de ser vendidos ao desbarato, por preço inferior ao valor do ouro que lhes envolvia os ossos e as vísceras. A carne que se consegue aproveitar é de qualidade bem inferior à que se obteria se o gado fosse abatido na origem, e, acima de tudo, a sanidade dos gados metropolitanos tem sido prejudicada por agentes mórbidos veiculados pelos animais importados.
Tudo o que se diz a respeito dos gados angolanos, neste capítulo, se pode dizer, em grau mais atenuado, a respeito do gado açoriano também embarcado para o continente.
Não se pense que o incremento que preconizamos para a criação pecuária na metrópole poderia contrariar a do ultramar. As possibilidades de Angola, não estão limitadas à Mãe-Pátria que, mesmo no estado actual do seu consumo, poderia importar de lá cerca de 2 000 t por ano de carne frigorificada. Nem mesmo a metrópole conseguiria bastar-se a si própria no dia em que a sua capitarão cárnea ascendesse ao mesmo nível que a dos países do Norte da Europa, por exemplo.
Moçambique e os mercados estrangeiros, como o Congo Belga, a África du Sul e as Rodésias, aguardam os fornecimentos de Angola. Na nossa província de Moçambique as crises alimentarem de que frequentemente sofre a população indígena podem ser resolvidas pela importação de carne angolana, até que o seu armentio se torne um valor real a contar para o consumo.
E porque não produz também Moçambique carne em larga escala? Apenas porque mais de metade do seu território está fortemente infestada pela mosca tsé-tsé, transmissora da nagana, que dizima todo o gado susceptível a esta Tripanossomíases. Seria o maior plano de fomento e ao mesmo tempo de salubridade para a África Oriental Portuguesa a bonificação e o saneamento das áreas já cientificamente determinadas na sua localização e na sua extensão. As dificuldades desta acção encontram-se hoje, em grande parte, removidas. Na província de Natal, na União Sul-Africana, as glossinas estão já praticamente exterminadas à custa de insecticidas modernas, lançados de helicópteros, que têm a faculdade de poder voar muito baixo, acompanhando todos os acidentes do terreno.
Nesta província de Moçambique está, ou estava há pouco ainda, na dependência do exterior em quase todos os produtos de origem animal. Não tem praticamente indústria de lacticínios, sendo obrigada a importar centenas de toneladas de queijo e manteiga, no valor de milhares de contos. E até para os animais que consegue manter é obrigada (parece impossível!) a importar alimentos azotados, como farinha de peixe, sémeas e rações compostas. Em Lourenço Marques as crises de carne são frequentes e no Norte da província a escassez deste alimento é constante.
Por aqui se vislumbra o largo mercado aberto á exportação de carne angolana, bastando para isso que nesta província seja instalada a indústria do frio, a
que me referi, e que os seus gados sejam melhorados zootècnicamente, que se lhes assegure uma maior defesa contra as epizootias grassantes e, sobretudo, que se procure um melhor aproveitamento dos seus recursos forraginosos. Neste último aspecto o principal papel cabe aos reconhecimentos agro-pecuários que permitam fazer uma distribuição mais racional das culturas, definir as reservas pastoris e as reservas floresta, a classificação das áreas de possível captação de águas. etc. Um trabalho de grande envergadura, levado a efeito em louvável e auspiciosa colaboração de veterinários, agrónomos e geólogos - colaboração que eu desta tribuna desejo exaltar e saudar -, permitiu reconhecer nas regiões de Oncócua-Pédiva valores pastoris capazes de transformar essa extensa zona de território numa nova Argentina, quanto à produção de carne.
Em várias passagens do Plano de Fomento se faz referência ao fomento agro-pecuário no ultramar, mas a sua leitura atenta deixa a impressão de que esta expressão é nele vazia de sentido. Assim, quanto a Cabo Verde, são destinados 45:000 contos para melhoramentos hidroagricolas, florestais e pecuários. Mas pergunta-se: que melhoramentos? Nada se diz a este respeito, ou, antes, diz-se que por força dos Decretos-Leis n.ºs 33 508 e 35 666 se têm efectuado estudos desta natureza. Mas os citados decretos prevêem estudos de hidráulica, fomento agrícola e florestal, defesa e conservação do solo e das estradas. E o mesmo quanto a S. Tomé e Príncipe.
Em Angola também se fala nisso, mas a aplicação prática tem estado até agora bastante afastada do pensamento. Bastará dizer que no primeiro colonato para europeus a estabelecer no planalto de Cela tudo foi previsto, menos a assistência veterinária, apesar de o efectivo pecuário desse empreendimento se elevar a 24 cabeças, por família logo de início.
Não sei se terá havido omissão na descrição, tanto custa a acreditar que a tenha havido na realização. Contudo, devo dizer que a fonte onde bebi estas informações era de carácter oficial.
Ainda que houvéssemos de chegar á conclusão de que não éramos capazes de produzir todos os alimentos exigidos para o sustento do excesso de gados necessários a um regular consumo de carne, restar-nos-ia, como último recurso, a importação de alimentos, o que sempre ficaria mais barato do que a importação de carne ou de manteiga. É, afinal, o que fazem muitos países dos mais progressivos, agricolamente e dos maiores exportadores de produtos de origem animal.
A Inglaterra chegou, antes da guerra, a importar 37 milhões de quintais de alimentos concentrados para os seus gados. Mas, se não quisermos ir tão longe, fiquemo-nos pela Holanda, que importava à, roda de 3 milhões de toneladas, ou pela Dinamarca, que importava 2,5 milhões. Se nos propomos importar ferro para alimentar a indústria siderúrgica, não seria absurdo importar alimentos concentrados para a indústria pecuária.
É certo que para o incremento da nossa criação de gados não possuímos na Europa terrenos de fertilidade comparável aos dos países referidos, nem condições climatéricas tão propícias à produção leiteira, mas a desproporção também não é tão grande que torne desvaliosa a referência.
Não basta, porém, produzir rações abundantes e a preços módicos, criar raças precoces, seleccionar reprodutores, etc. É preciso protecção, organização e estímulo para a produção. Se o lavrador, no momento da venda dos seus produto, tiver de se entregar de mãos atadas à ganância dos marchantes e dos agiotas, por não encontrar para o seu esforço uma compensação segura e séria, de que poderá servir tudo o mais?