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5 DE DEZEMBRO DE 1952 155

É preciso carinho e compreendo para a lavoura, e isso não tem existido.

Dou dois ou três exemplos apenas, para não fatigar - e porque eles são bastante elucidativos, especialmente por serem bastante recentes -, desta falta de compreensão:

Os impostos e taxas que à roda do fino incidem sobre a carne directamente sobem acima de 50:000 contos, não contando com os encargos especiais superiormente autorizados. No distrito de Setúbal há uma câmara que exige de taxas quase 150$ por porco de 10 arrobas.

Mas não só as câmaras, porque também muitas repartições do Governo Central manifestam do várias formas a sua hostilidade para com a lavoura: no final do ano cerealífero foi publicada nos jornais uma nota afirmando que o lavrador já podia afoitamente semear trigo, pois, não tendo os adubos sofrido aumento de preço, com 195 Kg de trigo a 38 o quilograma já lhe era possível adquirir uma tonelada de superfosfato de 18 por cento. A Associação Central da Agricultura Portuguesa procurou corrigir os números e valores indicados nesta nota, provando que, devido ao baixo peso específico do trigo colhido este ano, seriam necessários 236 kg daquele, cereal, em média, para a referida aquisição, e não 195, como indicava o quadro emanado da repartirão oficial. Pois foi impedida de publicar o esclarecimento. Se a nota oficial era verdadeira, tudo indicava que se desse publicidade à suposta correcção e que, acto contínuo, ela fosse contestada inexoravelmente.

Mas se, pelo contrário, era verdadeira, para que se fez sufocar a verdade, deixando-se a massa das pessoas de boa fé com uma noção errada, talvez propositadamente errada, dos fatos? Terão sido, pelo menos, chamados a explicar-se os funcionários incompetentes ou maldosos autores ou elaboradores da nota publicada?

Não se sabe, e é pena; mas, para exemplo do estímulo à produção e de compreensão oficial, este caso é deveras eloquente.

Pode afirmar-se que não temos em Portugal uma verdadeira produção de carne, a não ser de carne de porco. Os bovinos são criados para trabalho ou para leite; os ovinos para leite e lã. Destas duas espécies animais o que vai para o talho é o que não pode ser alimentado nas condições actuais, o refugo da criação, os animais velhos e os de inferior rendimento. E porquê? Porque um boi de trabalho vale muito mais do que um boi para talho. Mas no dia em que nos matadouros se faça o aproveitamento dos subprodutos já os dois valores poderão ser igualados ou mesmo dar-se um excesso a favor do segundo.

No dia em que a carne deixar de ser considerada um produto de luxo e, como tal, objecto de alcavalas, que em alguns concelhos ascendem a quase 5$ por quilograma, poderá ela ficar mais barata para o consumidor e ser mais bem paga ao produtor.

E dos matadouros passemos aos portos de pesca. No Plano estende-se um discurso introdutório a respeito da importância dos portos comerciais, o qual é perfeitamente inútil, porque se reconhece, sem dúvida, ser supérfluo encarecer, perante esta Assembleia ou perante a Câmara Corporativa, o que um porto significa no quadro da economia nacional. Em contrapartida, só acidentalmente se fala em portos de pesca, e em duas linhas aqui e três acolá.

Um porto não é de pesca, em rigoroso sentido, só porque nele estão matriculados barcos de pesca ou na sua vizinhança residem pescadores. Um porto será de pesca, sim, na medida em que proporcionar aos trabalhadores do mar um mínimo de condições exigidas para a segurança da sua faina, um escoamento fácil e rápido do pescado e um aproveitamento integral dos subprodutos da vida do mar.

No Plano fala-se na construção de portos de pesca, mas nada vi com referência ao seu apetrechamento. Ora, em todos os países progressivos o pescado é eviscerado e descabeçado já nos próprios barcos, ou nos portos de pesca, sendo proibida a sua venda a retalho sem estar privado das partes não comestíveis. Neste pais ainda se permita a venda do peixe inteiro pelas ruas, ao sol, às poeiras e sujeito a todas as conspirações das muitas pessoas que nele mexem.

Além disto, a nossa pesca do alto é praticada a muitas milhas da costa, e como as vezes a viagem de regresso dos barcos chega a demorar catorze dias, resulta que, devido à falta, a bordo, de condições de conservação, as inutilizações nas lotas são elevadíssimas, atingindo 25 t por dia. Grande parte do peixe vai assim para o guano, enquanto a outra terá de sofrer no preço o prejuízo resultante da eliminação da primeira.

É uma grande riqueza o pescado. Mas, das 250 000 t anuais em média, descarregadas nos portos do continente português, quantas são aproveitadas para a alimentação da sua população? Acresce que a falta de previdência neste campo faz com que a pesca abundante se torne num verdadeiro malefício, porque a falta de meios para a sua conservação ou transformação obriga a vendê-la ao desbarato, por qualquer preço e para qualquer fim. Já vimos referido o caso passado num porto de centro, onde se vendeu chicharro a &10 o quilograma aos lavradores da região, que o faziam transportar em carros de bois para com ele fazerem estrume!

E, no entanto, em determinados anos a nossa capitação em pescado não excede 35 g incluíndo espinhas e guelras, que também são vendidas para comer.

O peso do peixe deitado ao mar por ser pequeno ou não pertencer a espécies comestíveis, constitui um valor avultado, calculando-se que representa um mínimo de 35 por cento e um máximo de 80 por cento do total da pesca; a própria safra do bacalhau, porventura o sector destas lidas do mar mais bem organizado no nosso país, desperdiça em cada campanha cerca de um peso igual do peixe que aproveita, ou seja 25 000 t a 30 000 t por ano.

Por isso, muitos países fazem acompanhar as suas frotas de pesca de fábricas flutuantes para a transformação do que não presta em óleo de peixe, em glicerina, em farinha de peixe, em colas e albuminas, em curtidos finos obtidos da pele de certos peixes, etc. Não entrando em conta com os números respeitantes ao bacalhau, o prejuízo resultante da nossa falta de organização neste campo está calculado em 80:000 contos anuais, correspondentes a 20 000 t de farinha de peixe.

Para que esta verba entre na nossa economia necessário será apetrechar alguns portos de pesca com as instalações capazes de transformar os resíduos em subprodutos e também dotar a nossa frota de pesca do alto, assim como a do bacalhau, com a sua fábrica flutuante, trabalhando na mesma finalidade.

Mas não só do peixe podem tratar os portos de pesca, porque a riqueza do mar não se limita ao peixe. Todo o arquipélago dos Açores, como o de Cabo Verde, as ilhas de S. Tomé e Príncipe e as costas de Angola e Moçambique, são especialmente propícias à caça da baleia.

Nos Açores já se pratica esta actividade marítima desde o século XVIII.

Nas ilhas do Pico, S. Jorge, Flores e Graciosa, bem como na Horta e em Ponta Delgada, ainda hoje constituem uma grande fonte de receita o óleo e os guanos produzidos por este gigante dos mares, que é caçado pelo processo mais primitivo - o arpoamento - causador, todos os anos de grande número de baixas entre