11 DE DEZEMBRO DE 1952 271
A ideia do aproveitamento em conjunto do todas as possibilidades de cada uma das bacias hidrográficas era nova entre nós, embora na América do Norte já estivesse a ser posta em prática com grande sucesso. Em Portugal só muito depois começou a ser compreendida.
Este projecto do ilustre Deputado e economista, com o magnífico relatório que precede, bem como o plano director, que S. Ex.ª teve ocasião de apresentar em Paris, em Agosto de 1948, constituem os elos intermediários entre a Lei de Reconstituição Económica e o Plano de Fomento que estamos a discutir.
No Plano de Fomento agora em causa há que distinguir entre as linhas gerais que o estruturam, determinadas pelos fins um vista, e as soluções técnicas propostas para os diversos problemas especiais que o integram.
É principalmente sobre as linhas gerais que o Chefe do Governo deseja ouvir esta Assembleia, o que não quer dizer que uns desinteressemos sistematicamente dos problemas particulares. Ora aquilo a que poderíamos chamar a causa final do Plano é a, melhoria do nível de vida do povo português.
Foi bem escolhido o alvo a atingir? É evidente que foi, visto que o nosso nível médio de vida é dos mais baixos do Ocidente europeu, se não é o mais baixo.
Quer isto dizer que o nosso rendimento por cabeça é muito pequeno, o que equivale a afirmar que a produtividade por habitante é diminuta. E porquê? Esta produtividade é um quociente cujo dividendo é a produção total e cujo divisor é o número de habitantes.
Quanto ao dividendo, é ele pequeno entre noa, porque «a natureza foi avara connosco, pois nem nos deu um solo fértil, nem um subsolo rico». Quanto ao divisor, é grande de mais e tende a tornar-se maior. Só nos últimos cinquenta anos cresceu de 3 milhões de unidades.
Não obstante, diz o magistral relatório do Plano, o mal não é sem remédio, porque outras nações em circunstâncias idênticas às nossas têm níveis de vida elevadíssimos, graças à eficiência da sua técnica.
Nós poderemos fazer como elas, aumentando a nossa produção agrícola, intensificando as nossas indústrias transformadoras e meios de comunicação.
Mas est modus in rebus: melhorando, intensificando e desenvolvendo, na medida em que disso resulta um progresso no nosso nível de vida. É esta finalidade do Plano que tem do dominar toda a sua economia. A ela se em de subordinar a técnica, ou, melhor, as técnica, pois que é essa a directriz primária da política em vista.
Sr. Presidente: mas o nível de vida de uma população não depende só do que ela produz e consome, mas também do que permuta. O comércio internacional é um grande factor de melhoria do nível de vida de todos os povos. E nós temos de contar com de, porque as condições do nosso clima e situação geográfica a isso nos obrigam.
A nossa economia está estruturalmente ligada, pela própria natureza das coisas, ao comércio internacional.
Que seria de nós se está pudéssemos mandar para o estrangeiro o vinho do Porto, as conservas, os resinosos, as cortiças, as madeiras?
Corre entre nós um lugar comum que tem tanto de sugestivo como de infundado: produzir para poupar ouro. Que nós pensemos em produzir na metrópole e no ultramar aquilo que possamos obter mais barato do que nos fica no mercado internacional - está certo e é de sã economia. Mas produzir mais caro do que no estrangeiro, só para não importar - é loucura.
As grandes nações podem dar-se a esse luxo, por motivos especiais de ordem política ou estratégica. Os países pequenos têm de estruturar a sua economia para o tempo de paz; e para o caso de guerra têm de ter em conta o valor das suas alianças.
Nós, por exemplo, temos de dar como certo que em caso de guerra teremos o mar franco e abertos os mercados do Ocidente.
O que é preciso é ter navios e defesa para eles, ouro para pagar « pague e leve» e ter a boa vontade dos governos amigos, principalmente da nossa velha aliada, com quem sempre temos contado nas ocasiões difícies. O resto será o que Deus quiser, na certeza de que, para exportar teremos também de importar, quer queiramos, quer não.
Só nos resta a liberdade de escolha das mercadorias importadas. E, se não escolhermos o que há nos fica mais barato, teremos de importar mercadorias que poderíamos produzir a menos preço ou inutilidades que poderíamos dispensar.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Acresce que o mercado internacional é complexo, e nunca é fácil de prever como ele reagirá as alterações que nele se pretendem fazer. Há na histó-
Ria económica portuguesa um caso curioso, que merece ser lembrado. Desde os tempos da primeira dinastia que o comércio do vinho e do peixe andam intimamente ligados. Como é sabido, nos primórdios da nossa nacionalidade os pescadores portugueses iam pescar às costas da Inglaterra, e eram eles que em grande parte abasteciam de peixe o mercado inglês. O britânico desse tempo não era ainda navegador, mas era já industrial e fabricava óptimos tecidos com as lãs criadas na Irlanda.
O Português pescava e trocara o peixe por essas manufacturas, que eram famosas em toda a Europa. Desse comércio nasceram amizades e obséquios, a que o Português correspondia com presentes de parte do vinho que levava para seu consumo. De dádiva, o vinho passou, com o tempo, a contrapeso nas trocas do peixe por fazendas; e de contrapeso a mercadoria autónoma, logo que o paladar inglês se habituou a ele.
Mas tarde o Inglês fez-se também navegante e pescador e passou ele a ser nosso fornecedor de peixe seco - o bacalhau - e a levar por sua conta o nosso vinho.
Ainda nos fins do século XVII a barra de Viana dava entrada a muito bacalhau inglês - o célebre bacalhau de Viana, - , cuja nomeada chegou ao princípio deste século e ainda se não apagou de todo, e dava saída a muitos vinhos do Alto Minho, entre os quais sobressaía o afamado alvarinho de Monção.
Por essa altura deram-se três sucessos, de cuja conjunção resultou a descoberta e o sucesso do vinho do Porto. E foram: um, a destruição dos vinhedos do Minho, a começar pelos do Norte, por uma doença cuja identidade ainda hoje se ignora: outro, uma mudança rápida do paladar do público inglês, que passou a preferir os vinhos fortemente alcoolizados aos vinhos frescos e leves de baixa graduação; por fim, uma queda brusca no consumo de peixe salgado na Inglaterra.
A Reforma Protestante tinha abolido o jejum um século antes, mas o público inglês continuou por hábito a consumir muito peixe salgado, sobretudo na Quaresma.
Esse hábito, porém, cessou bruscamente nos fins do século XVII e é de crer que foi esta, mudança de regime alimentar que trouxe como consequência a mudança de gosto no sentido de dar preferência aos vinhos mais alcoólicos, por mais apropriados aos climas frios e húmidos.
O caso e que as grandes empresas bacalhoeiras inglesas entraram em crise, ao mesmo tempo que a cultura da vinha no Douro se acelerava, para dar satisfação ao mercado inglês, que já se não podia abastecer no Minho. E como o Inglês preferia os vinhos mais fortes, diz-se que o comércio começou a alcoolizá-los para lhes aumentar o preço. E como o Inglês queria