418 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 180
É assim, Sr. Presidente, que no relatório se fala, com toda a verdade, na crescente proletarização que se verifica sobretudo em certas zonas do Sul». E assim que também ali se referem os defeitos de estrutura agrária, que numas regiões se caracteriza pela fragmentação e dispersão excessivas da propriedade e noutras pela concentração, situações frequentemente agravadas pelos se temas de exploração agrícola», e se apontam estes factos como causa das baixas produções unitárias para a maior parte dos produtos agrícolas, a par da falta de assistência técnica, da baixa mecanização e portanto do insuficiente rendimento do trabalho na forma em que é utilizado.
Também no relatório, de resto ao sabor da legislação já existente relativa à colonização interna, é nitidamente marcada a preferência pelas «explorações agrícolas de tipo familiar», como mais perfeito sistema para colonização de incultos e para a passagem da cultura extensiva à, intensiva. Também ali é destacado o princípio cooperativista, o que acentua a preferência pela pequena e média propriedade.
Não serão numerosos, com efeito, os trechos em que é vincada a necessidade de reforma das estruturas sociais, mas não poderá negar-se que são os suficientes para se surpreender um largo propósito subjacente com que deve preencher-se o que se nos afigurar em branco nesta matéria. Hasta, às vezes, uma palavra para exprimir todo um mundo de ideias, como um torso mutilado chega para adivinhar a estátua em toda a sua beleza.
E eu não queria, Sr. Presidente, deixar de reflectir um pouco e pedir à Câmara que reflectisse também um instante numa palavra inserta no relatório que me aparece carregada de significação. Embora exprima um fenómeno angustiante, muito me alegrou encontrá-la pela primeira vez entre nós em documentos desta responsabilidade: refiro-me à palavra «proletarização», portanto, num sentido positivo, à necessidade de desproletarização, ao conceito de desproletarização.
Fundamentalmente, Sr. Presidente, na tragédia em que nos debatemos no Ocidente europeu, entre o ataque frontal do colectivismo, que avança alçado na bandeira do imperialismo eslavo, e o estertor de um estado de coisas social e económico e dum estado de espírito que, sobre restos de antigos privilégios e injustiças, construiu um mundo de iniquidade pela concentração do poder económico nas mãos de muito poucos e pela desumanização do trabalhador em simples mão-de-obra vendável, nesta tragédia que nos afronta, é precisamente no conceito de desproletarização que está a chave dos problemas máximos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A criação do proletário, do ser desgarrado a quem, punido não se reduziu à fome, se lho corrompeu a família, se esmagou a sensibilidade, retirando-lhe toda a dignidade de colaborador da empresa, se roubou Deus e se encheu a alma de fel, a criação desse tipo atroz na sua infelicidade é precisamente o ferrete de ignomínia do capitalismo plutocrático, tal como se praticou da banda de cá do Atlântico, na fábrica, como, em parte, na terra.
O proletário, Sr. Presidente, não o saberia eu definir como o encontro definido, com a luminosidade de sempre, no trecho que leio do Sr. Presidente do Conselho:
Desenraizado da terra. da. casa, da oficina, e sem o ponto de apoio da família, que se desagrega a olhos vistos nos tempos modernos, a sensação mais penosa do homem é a que lhe vem do desconhecimento e da precariedade da sua própria ocupação.
Ser proletário, para os tempos modernos, confirmando, em grande parte, o significado latino da palavra, é a degradação, o desumanizar-se a vida, o subverter-se a dignidade de filho de Deus e a liberdade espiritual do cidadão.
Pois é exactamente o ser proletário - quanto pôde essa aberração genial que teorizou o materialismo dialéctico e a quanto leva a miséria no seio das massas dementadas! - , pois é exactamente o ser proletário, o estar social e moralmente degradado, que nos aparece espantosa, monstruosamente arvorado em título de orgulho, em norma de vida nova, em concepção totalitária da vida e da sociedade, inscrito em bandeiras rubras, cantado em tom de guerra aos acordes de leis, Sr. Presidente, o fulcro da tragédia hodierna, o nó de víboras que asfixia o ocidental europeu dos nossos dias, enrolando-o em confusões e inquietações sem fim, sobretudo em países, como o nosso, que tanto se deixaram atrasar - a miséria feita aspiração, a vergonha feita honra, o ressentimento feito moral: afinal, quererem dizer sim com o não!
Desta maneira, para ambas as frentes, para cima o para baixo, contra direitas e contra esquerdas, contra a barbaridade comunista como contra o conservadorismo surdo e cego, o lema tem de ser sempre e só um: desproletarizar.
Como sempre, a voz da Igreja traz a lição oportuna. Escreveu o venerando bispo do Porto:
Nenhum problema estará resolvido, ou apenas se chegará à nociva solução socialista, enquanto não conseguirmos desproletarizar as massas.
Mas, Sr. Presidente, como há pouco dizia, não é com o simples aumento na distribuição de bens de consumo, com simples alterações nos salários, que se consegue a desproletarização.
A desproletarização só se obterá, a necessária transformação social só advirá, quando às nossas massas trabalhadoras dos campos e da oficina dermos por forma franca, corajosa, sem estar a calcular o que cada um de nós pode vir a perder materialmente, porque espiritualmente ganhamos com certeza, nós e os nossos filhos, ainda que lhes deixemos um pouco menos, sem ter receio de palavras, sejam elas as de reforma agrária, sejam elas as de reforma da empresa, quando lhes dermos, dizia, os meios para atingir objectivos que também peço licença para transcrever de um escrito do Sr. Presidente do Conselho:
... a segurança e dignidade do trabalho, o acesso à propriedade!, o acesso à educação e, por intermédio desta, ao exercício de todas as funções, e, finalmente, através da organização, a respectiva representação do Estado.
Julgo, assim, Sr. Presidente, que toda uma importantíssima elaboração legislativa, no domínio da política social, se torna necessária para que os grandes escopos que o Plano de Fomento propõe ao País, como também os propostos no recente Plano de Educação Popular, possam ser atingidos.
Honra, pois, ao Governo por, no relatório do Plano, em tão poucas palavras, revelar tanta insatisfação no domínio social, por mostrar que estão, afinal, intactos os grandes escopos da Revolução Nacional e por sugerir ideias e aspirações de justiça que algumas pessoas, neste país, ainda apelidam de demagogia!
Essas pessoas, que o nosso ilustre colega Sr. Coronel Durão há dias aqui apontou, também hão-de certamente achar demagógicas as afirmações do relatório que citei.