18 DE DEZEMBRO DE 1952 421
Não nos é dado, todavia, o encolher de ombros como de escravo vergado à antiga fatalidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Contra as memórias da idade clássica, sentimos no calor da fé, ou sentem outros no fulgor da razão, como Renan, que, no alto do Calvário acabou uma humanidade e outra nasceu com a nova capacidade da vontade humana, que o dobar dos séculos não embota, de regeneração e de reforma, de inconformismo e de idealização.
Para nós, Portugueses, vêm-nos vozes do alento do pretéritas experiências, de inquirições e sesmarias, que quiseram os reis e quis o povo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vem-nos a lição do nosso fecundo direito antigo quanto a sólidas formas de colonização ultramarina e interna, que, relativamente a esta, perdurou, nos textos e na vida, até ao Código Civil.
Destas lições antigas, do estudo da legislação vigente em países que - aplaudam -no todos ou só alguns - vão na guia do mundo actual, como o grande país norte-
-americano, e ainda, das virtualidades de paz social contidas no corporativismo, bem como do fomento das cooperativas, eu creio, Sr. Presidente, que não é demasiado árduo esforço o de desentranhar umas poucas de ideias claras com que levantar uma legislação regeneradora da justiça na exploração da terra.
Podem ou não chamar-lhe reforma agrária, mas ela é cada dia mais necessária e é postulada precisamente pela batalha da produtividade, que, finalmente, parece termos começado a travar com alma, a que o plano de fomento rural trará redobrada eficiência.
Não me sobra o tempo, Sr. Presidente, para tentar formular com a demora que seria indispensável para o fazer com proveito as que julgo deverem ser ideias-chave de uma reforma e para especificar soluções. Guardo-me para noutra oportunidade tratar esta matéria, que tanto me interessa.
Resigno-me por agora a tão-sòmente citar alguns pontos muito conhecidos, mas nunca demais repetidos: a necessidade de ser retomada a iniciativa do nosso ilustre colega Dr. Sá Carneiro contra a pulverização da propriedade no Norte; o combate, embora prudente, à excessiva concentração no Sul, seja por uma fiscalidade progressiva, seja pela aplicação obrigatória da perene justiça contida na enfiteuse; a protecção decidida, pelo crédito e pelo fomento do princípio cooperativista, à média e pequena propriedade, reservando-se para estas formas de propriedade, em marcada preferência, a aplicação desse esplêndido instrumento de progresso que tem sido a lei dos melhoramentos agrícolas;...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... o estudo das possibilidades de extensão à massa trabalhadora rural de uma sólida previdência, sendo de admitir que a exploração de alguns produtos agrícolas já pode suportar certos encargos para base de uma providência séria e que não são invencíveis os importantes obstáculos técnicos; a urgente necessidade, nunca assaz apregoada, de ser revisto o regime do arrendamento da propriedade rústica.
Neste domínio, Sr. Presidente, torna-se já espantosa a indiferença do legislador - ou a aparência de indiferença, que dá o mesmo resultado. É preciso que o Governo ou esta Câmara façam alguma coisa. Estamos ainda em plena vigência das normas ultra-individualistas do Código Civil, que vieram destruir uma interessantíssima tradição legislativa, assinalada por forma notável na Carta de Lei de 22 de Julho de 1846.
Estas normas do Código Civil, neste ponto, foram transcritas quase textualmente no Decreto n.º 5 411. Ora, por esse mundo fora, na generalidade, está em declínio crescente o princípio da autonomia da vontade na formação e durante a vida dos contratos, e na matéria em causa, para não falar de legislações mais antigas, a França, a Italia e a Espanha, já depois da última guerra, alteraram profundamente as suas leis, restringindo fortemente a vontade das partes, sobretudo quanto ao prazo dos contratos e quanto ao regime das benfeitorias.
Poderia, Sr. Presidente, se o tempo permitisse, ilustrar este ponto com dados da minha experiência profissional directa e referir estragos clamorosos que estão a causar as ultrapassadas normas individualistas que, na matéria, nos regem ainda em 1952, na «idade do social», como a apelidou há pouco um autor jesuíta.
No domínio industrial suponho, Sr. Presidente, para continuar a dizer nesta tribuna o que penso com a franqueza devida, que seria preciso rever a interpretação que foi feita do rumor de queixumes e reclamações levantado no sector patronal, com todo o poder de influência de que dispõe, para se concluir, estou certo, que em caso algum os encargos sociais ou o justo aumento de salários foram causa, sequer adjuvante, de prejuízos.
Teria também, em muitas actividades industriais, de se lançar com empenho a política de modernização na maquinaria e na organização, que permitiria, além de tudo o mais, elevar salários, ainda abaixo do mínimo pessoal, quando não do mínimo vital, em alguns casos. Seria preciso também, quanto ao sector sindical, pensar-se a sério na preparação de dirigentes, por exemplo, seguindo-se, no plano meramente pedagógico, a experiência trade-unionista inglesa.
Não me permite o tempo maiores considerações, mas não queria deixar de fazer um ligeiríssimo apontamento acerca da necessidade de no nosso país, a exemplo de todo o mundo civilizado, começarem a entrar na legislação ordinária, ao menos a título de ensaio, os resultados de toda essa elaboração doutrinária, já largamente aferida na prática, que se denomina «reforma da empresa».
Nós não tivemos, nem em extensão nem, de uma maneira geral, nos seus mais expressivos efeitos, o chamado capitalismo industrial - talvez por motivos semelhantes aos que, na Idade Média, impediram a instalação entre nós do verdadeiro feudalismo. Há bom e mau entre as causas do fenómeno.
Mas precisamente por a empresa capitalista não ter, entre nós, assumido as suas mais fortes expressões, como dissociadora dos factores da produção e responsável pela pavorosa redução à miséria moral e material de milhões e milhões de almas proletarizadas, é que parecia ser mais de feição entre nós, ao menos, o ensaio dos modernos conceitos de empresa comunitária.
Invoca-se muito a reduzida capacidade das nossas actividades para suportar os encargos da política social. Mas neste ponto, Sr. Presidente, é que o argumento parece vão.
Com efeito, a participação do operário nos lucros da empresa ou qualquer das formas de colaboração administrativa ou social (aspecto este, sem dúvida, de menor interesse no conjunto do conceito de reforma da empresa) não sobrecarregam a produção, antes, ao contrário, são motores da produtividade.
Não posso demorar-me em considerações, mas não queria deixar de frisar que, muito embora estas ideias ainda espantem algumas pessoas entre nós, elas são já de prática corrente em muitos países, especialmente