18 DE DEZEMBRO DE 1952 425
doutrina, que agora se desenvolve em novas formas, de restringir às empresas privadas a faculdade de livre e oportuna escolha dos seus investimentos, dificultando ou impedindo o exercício da própria iniciativa, geralmente orientada no sentido das actividades produtoras.
Toma maior amplitude esta doutrina na proposta que estamos discutindo quando nela se dispõe que é atribuição do Conselho Económico «promover a melhor utilização das reservas das sociedades em ordem ao mesmo fim».
Este preceito permitirá ao Governo forçar as sociedades a fixarem total ou parcialmente as suas reservas nos empreendimentos incluídos no Plano, estranhos, na maior parte dos casos, às actividades das próprias empresas e, portanto, ao seu objectivo social.
Criando, assim, um clima em que a iniciativa privada, não pode viver, o que poderemos esperar dela?
Referindo-me agora propriamente à província ultramarina, que represento, que é S. Tomé e Príncipe, não posso deixar de notar com a Câmara Corporativa que ao problema da mão-de-obra é, sem dúvida, o de mais acuidade de S. Tomé». Assim é, com efeito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este problema tem preocupado os agricultores e os governos desde há mais de cinquenta anos. Várias têm sido as soluções preconizadas e os métodos empregados para o resolver, mas tem-se caído invariavelmente no sistema de recrutamento fora da província, com contratos de trabalho de duração variável, agora bienais, rigorosamente fiscalizados pelo Estado na sua elaboração e funcionamento.
Devo dizer que o recrutamento de trabalhadores em países estrangeiros ou em locais distantes das regiões onde vão servir é sistema empregado em toda a parte, desde a União Soviética até aos países livres da América do Sul, nas minas de carvão da Inglaterra, nas minas de ouro do Rand ou nas florestas da França, e que esses contratos não prevêem, a maior parte das vezes, que o contratado seja acompanhado da sua família, dando-se em muitos casos preferência aos solteiros.
Sr. Presidente: todos sabem que se contratam trabalhadores brancos na Europa para irem servir durante um, dois ou mais anos nos campos do Brasil e que lá mesmo se fazem tais contratos com trabalhadores nativos muitas vezes provindo de regiões ainda mais afastadas dos locais do trabalho do que a distância do continente africano às ilhas de S. Tomé e Príncipe.
A vida dos trabalhadores nas roças não desmerece da vida nas fazendas. Em S. Tomé atingimos o mais alto nível nas condições de vida do trabalhador indígena em plantações do nosso ultramar.
Para se ajuizar do interesse e cuidado dos proprietários europeus pela assistência ao seu pessoal africano em caso de doença ou acidente citarei o exemplo, que não é único, de uma plantação com cerca de 1 000 trabalhadores manter um hospital modelar com 130 leitos. Onde existem na metrópole ou em muitos outros países da Europa, com altos níveis de civilização, 13 camas por 100 habitantes?
As necessidades de mão-de-obra em S. Tomé andam actualmente por 30 000 trabalhadores de campo. A população nativa pode fornecer 5000. Carece, portanto, de 25 000 de fora. Numa rotação de dois anos seriam necessários anualmente 12 500 e numa rotação de três anos 8000.
Divididos por igual entre as três províncias onde habitualmente se recrutam, a cada uma caberia uma quota anual de 3000 ou 4000 trabalhadores, conforme os contratos fossem trienais ou bienais, mas este pequeno êxodo só se daria durante dois ou três anos, porque depois as repatriações corresponderiam às novas emigrações, não havendo, por consequência, qualquer drenagem.
Isto é precisamente o que está sucedendo agora. Tratra-se apenas da substituição de pessoas: os que partem pelos que regressam.
É conveniente frisar bem que o contributo humano das nossas diversas províncias africanas, com uma população total superior a 10 milhões de habitantes, para a agricultura de S. Tomé se reduziu em setenta anos a poucas dezenas de milhares de trabalhadores.
Pequeno sacrifício foi este quando posto em confronto com a função civilizadora de S. Tomé, pois recebeu na sua maior parte homens em estado selvagem e restituiu às outras províncias trabalhadores adestrados nas fainas do campo; recebeu homens sem valor económico e devolveu-lhos transformados em valiosos elementos de trabalho.
S. Tomé é para o indígena uma escola prática de culturas tropicais e de disciplina no trabalho.
Na proposta considera-se, no entanto, «como mais aconselhável» para resolver o problema da mão-de-obra a fixação de famílias.
Esta solução põe um novo problema: o do sustento das famílias dos eventuais trabalhadores.
Supondo que os 25 000 trabalhadores de fora - homens feitos, é claro - estariam todos casados, como presentemente se exige para a fixação, e teriam, em média, dois filhos sem idade de trabalhar, a população actual seria acrescida de uns 75 000 habitantes (5 000 novos trabalhadores a introduzir e as 75 000 mulheres e filhos dos 25 000, menos as mulheres e filhos dos actualmente casados), passando para 135 000.
A população teria assim mais do que dobrado em poucos anos se a fixação se fizesse rapidamente. Se, porém, não se fizer rapidamente, não se vê como possa dispensar-se o recrutamento de trabalhadores de outras províncias durante muito tempo ainda.
Portanto, se se for para a solução do povoamento integral, põe-se, como disse antes, o problema do sustento do excedente populacional, que, por sua vez e a seu tempo, novos e graves problemas viria criar quando as futuras gerações, sucessivamente mais populosas, se acumulassem naquele reduzido território.
S. Tomé e Príncipe, além dos frutos tropicais, não produz senão pequena parcela dos produtos de alimentação de que carece, aprovisionando-se, sobretudo, no exterior. A capitação de produtos alimentares importados anda por 840$ (em 1950), enquanto na terra da fome, em Cabo Verde, não atinge 150$, em Angola 80$, em Moçambique 47$ e na própria metrópole 230$.
Para aprovisionar a nova população em alimentos e outros artigos essenciais à vida ou teríamos de empenhar a parte livre das exportações, o saldo da balança comercial - e chegaria esse saldo -, ou teríamos de modificar a feição agrícola das ilhas, substituindo as actuais culturas, por produtos alimentares, anulando assim o objectivo do seu povoamento.
O povoamento, em vez de fornecer mão-de-obra para a produção de géneros ricos de exportação, diluir-se-ia na produção em larga escala de géneros pobres de consumo local, transformando-se a feição das roças e arruinando-se a sua economia.
Teríamos retirado de ocupações porventura mais- lucrativas noutras regiões uma massa trabalhadora que afinal nem sequer iria contribuir para conservar a riqueza existente em S. Tomé.
Teríamos, simplesmente, sobrepovoado S. Tomé, acumulando ali 140 habitantes por quilómetro quadrado, densidade inseparável da miséria numa região exclusivamente agrícola no Equador.