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28 DE JANEIRO DE 1953 535

O Orador: - Mas V. Ex.ª sabe que há quem queira ser cego...
Chamo, por isso, a atenção da Assembleia para o artigo 60.º da proposta do Governo e para a base LXIV do parecer da Câmara Corporativa, que dizem, com pequenas diferenças de redacção, que constituem encargo da metrópole em relação ao ultramar as despesas consideradas de soberania, incluindo as de defesa, nacional, da Residência de S. João Baptista de Ajuda, de delimitação de fronteiras, do Padroado do Oriente e outras.
Não acho bem. A soberania reside na Nação, diz o artigo 71.º da Constituição Política; e, portanto, todos os direitos e encargos que, explícita ou implicitamente, correspondam à soberania competem à Nação em conjunto. A soberania nacional não reside num território em relação aos outros, ou na metrópole em relação ao ultramar. A divisão, convencional e precária, do território nacional em metrópole e ultramar não corresponde a uma dualidade política. É ainda a Constituição que estabelece que as províncias ultramarinas são solidárias entre si e com a metrópole, e que esta solidariedade abrange especialmente a obrigação de contribuir por forma adequada para assegurar a integridade e defesa de toda a Nação e os fins da política nacional definidos no interesse comum pelos órgãos da soberania.
Custar-me-ia, por isso, que num diploma emanado da Assembleia Nacional, onde todas as parcelas territoriais da Nação estão representadas em pé de igualdade, figurasse uma expressão que de qualquer forma diminuísse uma delas, ou um grupo delas, em relação às outras, sobretudo em assunto de tanto melindre como é a soberania nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: foi em épocas separadas que as potências coloniais da Europa Ocidental chegaram ao contacto com povos de civilizações diferentes e, em muitos casos, de civilizações atrasadas, e cada uma delas procurou resolver os problemas de administração ultramarina por processos seus e segundo as suas tradições, sem averiguar se o mesmo problema fora já atacado e resolvido por outra via noutro local.
No período fluido e difícil que se seguiu à guerra de 1939-1945, além dos ajustamentos internos impostos pelos acontecimentos, algumas nações europeias com territórios no ultramar sentiram a necessidade de rever as suas relações com estes territórios, necessidade imposta por motivos de carácter social e económico e também pela atitude crítica, de outros países e dos organismos internacionais perante o problema dos territórios não autónomos. Daqui resultou, nomeadamente em Inglaterra, um movimento de estudo e comparação dos métodos e processos de administração ultramarina.
Em fins de 1946 cinco colonialistas expuseram na Universidade de Londres, em conferências públicas, as características fundamentais da política colonial dos respectivos países, que eram a França, a Holanda, a Bélgica, Portugal e a Inglaterra. As cinco conferências foram publicadas pelo Instituto Real de Assuntos Internacionais, em volume prefaciado por Lord Astor, que, ao apresentar o conferente português. Dr. José de Almada, diz que ele descreveu «o império colonial mais fortemente centralizado do mundo moderno».
Importa pouco discutir a justeza da afirmação, à qual, de resto, já respondera treze anos antes o então Ministro das Colónias Dr. Armindo Monteiro, no discurso proferido na sessão inaugural da Conferência dos Governadores Coloniais, ao afirmar que esta Conferência marcava, na ordem externa a primeira realização de uma política de solidariedade que se propunha fazer considerar em comum, para serem dirigidos segundo um pensamento superior único, os interesses, as necessidades e as ambições dos milhões de portugueses espalhados pelos territórios do ultramar. Mas adiante, no mesmo discurso, disse:

A unidade da Nação exige unidade de pensamento directivo, quer dizer: unidade de acção governativa. Como poderíamos dizer que existia, unidade da Pátria onde cada parcela da Nação pudesse construir um ideal próprio e realizá-lo por seus meios exclusivos? Quem saberia falar de unidade nacional onde cada município, província ou colónia pudesse esquecer-se da comunidade a que pertence, para dar largas ao seu egoísmo e prosseguir tão-sòmente os seus interesses?

O mesmo Ministro, em discurso anterior, resumira em duas as grandes críticas à administração colonial portuguesa de então, cabendo dentro delas todos os vícios administrativos apontados pelos estranhos: falta de unidade de pensamento e falta de unidade de acção, em consequência de instabilidade governativa e da má ligação entre o Governo Central e as administrações locais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A instabilidade governativa, que felizmente desapareceu da administração pública portuguesa, é, por sua vez, consequência de um mal maior, que é a desorientação dos espíritos e a desunião entre os homens, cujas consequências podem ser gravíssimas.
O império dos Cruzados não sucumbiu, no século XIII, devido unicamente à superioridade dos Muçulmanos: foi vítima da anarquia que reinava na Cristandade.
O império português da Asia não desapareceu, no século XVII, unicamente porque Portugal era uma cabeça política, insuficiente para corpo tão vasto: foi vítima de dissenções internas na metrópole, do abaixamento geral de moralidade que delas resultou e de guerras na Europa que permitiram à finança- internacional recolher os seus despojos.
O império espanhol da América não se desmembrou, lio século XIX, unicamente porque a Espanha deixava de ser o que era: foi vítima da ideologia, revolucionária e das guerras civis que desvastaram a Península.
O almirante francês Auphan, depois de passar em revista, num livro «s recentes vicissitudes da história dos impérios coloniais do Ocidente, conclui dizendo:

Não é no ultramar que um império se perde: é na metrópole, como consequência de invasões que a desligam do ultramar, de guerras que conduzem a guerras civis ou de ideias que gangrenam as suas instituições.

Aos exemplos, antigos e recentes, apontados por ele poderei acrescentar o caso, bem nosso conhecido da desmembramento do Reino Unido de Portugal e Brasil, consequência da invasão da metrópole, da guerra civil surda que se seguiu à ocupação estrangeira e das ideias que conduziram à revolução de 1820.
A estabilidade governativa da administração ultramarina, no plano local tem coimo condição necessária, a eficiência do pessoal e dos serviços à disposição dos governos provinciais.
Para assegurar a eficiência do pessoal administrativo dos territórios do ultramar, conto - contamos todos - com a Escola Superior Colonial, fundada em boa hora pelo Ministro da Marinha e Ultramar Dr. Moreira Júnior e sucessivamente reformada, ampliada e me-