788 DIÁRIO DAS SESSÕES N.9 213
debate que se irava pouco mais posso trazer que a minha boa vontade, além, evidentemente, da ânsia de prestar a melhor e a mais leal colaboração para bem do PaíS.
Sr. Presidente, vou falar em especial do caso referente aos professores. Decerto, ao considerar a sua posição, aludirei mais particularmente aos professores-investigadores. Esta última condição explicará, talvez, paru muitos que me conhecem mal, a posição que tomo na defesa.
Quero referir-me, na verdade, aos professores que se dedicam integralmente às suas cátedras, que fazem das suas vidas, no ensino e no estudo, autêntico apostolado, a esses que devotadamente se entregam à educação dos alunos, que vivem para a Universidade e para os seus trabalhos universitários, a esses, enfim, que são capazes de mostrar lá fora, por força do seu labor e da sua dedicação, o que é o Portugal científico.
Lembro-me, Sr. Presidente, que há quase quarenta anos uma voz se levantou no Parlamento para defender um professor que fora demitido - que fora injustamente demitido - pela demagogia que então imperava!
Esse professor era D. Luís de Castro, conde de Nova Goa.
Ele era um distinto professor do Instituto Superior de Agronomia, um dos seus mais ilustres ornamentos, o entusiasta animador dos estudos de economia rural em Portugal.
Esse homem, superiormente inteligente e culto, ensinava naquele Instituto economia política.
Diziam os seus estudantes, que profundamente o admiravam, que ele dava, na cátedra, a impressão de sei a personificação da objectividade científica. Sabia examinar as questões com absoluta imparcialidade, sempre com respeito pelas opiniões dos outros, educando os estudantes no sentido de jamais se precipitarem nos seus juízos, de atenderem sempre as razões alheias. Nunca, em suas aulas, se ouviu uma palavra agressiva para o regime. Nunca, no ensino, se mostrou adversário das instituições republicanas. Apesar disso, esse homem foi demitido porque publicara um inofensivo artigo, com comentários que desagradaram a quem mandava.
D. Luís de Castro teve com essa demissão um profundíssimo desgosto. Ao ver-se afastado da sua cátedra, do meio dos seus queridos alunos, com quem intimamente convivia, impossibilitado, assim, de prosseguir os seus valiosos trabalhos e a grande obra de educação a que ligava toda a sua vida, D. Luís de Castro sofreu cruelmente.
Afortunadamente, uma voz vigorosa levantou-se no Parlamento de então e defendeu-o. Nessa época o Parlamento não era propriamente esta Assembleia tranquila. Os tempos eram difíceis. A tirania demagógica fazia-se sentir. Muitas tinham sido as perseguições a professores, como continuaram a ser, sempre com a maior injustiça, parecendo ter o objectivo de liquidar os valores que surgiam.
Nesse tempo, o Parlamento poderia ter sufocado a voz do homem que aparecera a defender o professor demitido, por razões políticas, D. Luís de Castro. Mas não o conseguiu. Apesar de tudo essa voz soube fazer-se ouvir. A defesa foi coroada de total sucesso. E D. Luís de Castro, conde de Nova Goa, pôde regressar à sua cátedra, ao seio da sua escola, ao convívio dos seus discípulos, desses que tanto o amavam e admiravam.
Ora, esse homem, que falou no Parlamento para defender D. Luís de Castro, cuja voz vibrou com aquela sonoridade retumbante que reclamam as causas justas, esse homem era um Sousa da Câmara, meu pai.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não me levareis a mal, Srs. Deputados, que eu lhe siga as pisadas, que procure copiar os seus exemplos honrados, que busque inspirar as minhas atitudes nas suas, que pretenda mostrar-lhe agora, quando já passou os oitenta anos, que a força da sua lição não foi esquecida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados: bem sei que este sentimentalismo filial nada tem que ver com a atmosfera desta Casa. Mas ele explicará talvez completamente o meu gesto na defesa que vou procurar fazer. E sei bem que ele será incomparavelmente mais simples do que o outro que logrou o reingresso desse notável professor. O ambiente é, graças a Deus, completamente diverso. Não estamos envolvidos em paixões políticas, não nos digladiamos; poderei falar sossegadamente sem receio de que me abafem a voz com interrupções desagradáveis.
Sr. Presidente: eu desejaria falar dos professores afastados do serviço, que admiro, que considero grandes valores para a Universidade, para a ciência que cultivam e para a educação da juventude; que reputo tão patriotas como qualquer de nós, havendo demonstrado em muitos actos das suas vidas, terem despendido os melhores e mais devotados esforços para engrandecer Portugal.
Desejaria, Sr. Presidente, que nas minhas palavras houvesse um elogio para todos os professores que souberam pôr a Pátria acima de tudo, que se dedicaram ao ensino e à investigação, que se entregaram entusiasticamente ao trabalho, nos seus laboratórios e cátedras, nas bibliotecas e arquivos, nas oficinas e campos, sempre na ânsia do elevar a Ciência, e o País.
Mas, na impossibilidade de falar de todos esses, vou tomar um, como figura representativa, um nome conhecido de todos, como um grande clínico, grande professor e grande investigador.
Creio que, ao pensar nessa personalidade, me refiro à, figura prestigiosa que foi aqui apresentada, com tanta eloquência, pelo nosso ilustre colega Deputado Pimenta Prezado no seu discurso memorável de 16 de Dezembro passado.
Ainda se não pôs em devido relevo o valor dessa intervenção do nosso colega Pimenta Prezado, discurso cheio de nobreza e dignidade, pronunciado em linguagem singela e franca - com essa simplicidade e franqueza que são apanágio de um bom alentejano!
Quando aquele nosso distinto colega se referiu a um professor que tinha o poder de atrair discípulos entusiastas, caracterizando-o como um cientista de elevada categoria, tecendo-lhe os mais rasgados elogios, afirmando ser ele um homem de faculdades raras na chamada de vocações, que conseguira formar à sua volta um grupo de médicos estudiosos e dedicadíssimos, formando uma verdadeira equipe, que já produzira uma obra científica enorme, eu compreendi que se tratava do Prof. Fernando da Fonseca.
Apoiados.
Sr. Presidente: espero que V. Ex.ª me perdoe o fazer aqui o elogio deste professor universitário. Mas, muitas vezes, a citação dum caso concreto, dum exemplo bem conhecido, esclarece melhor a situação que muitas considerações de ordem geral.
Este professor simboliza, a meus olhos, o genuíno professor universitário. Defendendo-o a ele, julgo que defendo todos os que, duma maneira ou doutra, tenham trabalhado pelo engrandecimento universitário.
Diz-se que nas lições se retraía sempre o carácter do professor que as dá. Pois ouçam VV. Ex.ªs o trecho que