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792 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 213

O Orador: - Mas a alma ficou de pé e porventura mais viril, para tormento deles, por se sentirem inaptos para as coisas grandes da vida que voluntariamente escolheram e que serviam com paixão e por se verem desaproveitados para as pequenas coisas em que poderiam ser úteis mo meio militar que fossem compatíveis com as suas categorias. As suas mutilações lembrariam os gestos perigosos ou heróicos que as provocaram, dizendo aos novos como se escrevem os feitos gloriosos que a nossa história conta.
São estas as coisas que me vieram ao pensamento e que me senti obrigado a dizer, nesta oportunidade que se me ofereceu, no desejo de ser de qualquer maneira útil a quem tanto merece.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Subo a esta tribuna possuído de sérias dúvidas sobre a utilidade - não da utilidade moral, mas da utilidade prática - da minha intervenção. Valerá a pena? E se a realizo é, em especial, com o intuito de manifestar uma profunda simpatia e um elevado respeito por homens que se sacrificaram pelos ideais que eu também abraço e para deplorar a amarga desilusão de que eles foram vítimas, ao verem negada ou insuficientemente distribuída uma justiça a que tinham pleno direito.
Mas não só por esses ideais superiores eles se sacrificaram - e isso constitui exactamente o maior motivo de decepção -, mas porque estiveram sempre na brecha, combatendo pelas aspirações de ordem, de moralidade pública, de administração austera, de prestígio nacional e de engrandecimento pátrio.
O motivo das dúvidas quanto à utilidade das minhas palavras não se baseia numa falta de fé na razão que lhes assiste. Não; o motivo é outro.
Os governos modernos vão-se caracterizando por uma estranha aversão a reconhecer, não digo já os seus erros, mas até mesmo as imperfeições ou os equívocos em que incorrem.
Erros, não há pessoa isenta de os cometer, e, como diz a sabedoria popular, "Mais erra quem mais conta".
A possibilidade de o homem errar vai-se acentuando à medida que aumenta a complexidade dos empreendimentos a que se dedica. Que pode admirar, pois, serem os governantes mais sujeitos a errar do que os governados, se é máxima a complexidade das suas funções, se é inexcedível a diversidade dos objectivos a que se dirigem as suas resoluções?
Mas a noção falsa, que se tem pretendido criar, do prestígio do Poder liga a este prestígio uma necessidade de aparência de infalibilidade, de omnisciência, que não se conjuga, afinal, com as realidades da fragilidade humana, mesmo nos domínios do intelectual. Traduz-se, porém, na prática governativa de fugir a emendar a mão, mesmo quando se demonstra não ter sido justa, conveniente ou oportuna a decisão tomada.
Poderá esta atitude explicar-se por parte dos governos infelizes, que nada fizeram ou puderam fazer de benéfico para a comunidade, cujos destinos foram chamados a dirigir, porque esses, já que não podem proclamar benemerências, evitam, ao menos, que alguém possa lançar-lhes em rosto os deslizes confessados.
Mas ela depara-se inteiramente injustificada aos governos que, através de anos, conseguiram adquirir, muito justamente, direito à gratidão dos governados em muitos aspectos da sua actuação.
No fundo desta mentalidade tão difundida na época actual devemos reconhecer, sem dúvida, uma manifestação de orgulho político, uma revivescência de iluminismo à século XVIII, em que alguns súbditos acreditarão e em que outros fingirão acreditar, mas que a massa geral não poderá deixar de acolher comi profundo cepticismo.
Por mim, entendo que tal estado psicológico está longe de ser o mais conveniente para o prestígio da função governativa, porque o considero de resultados contraproducentes no campo político, tal como tudo o que seja desumanizante ou que vise a quase divinizar os homens.
Certas disposições do regulamento da Lei n.º 2 039 e certos aspectos da aplicação deste constituem erros evidentes, porque conduziram a uma alienação de simpatias, em consequência da profunda desilusão que provocaram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em princípio, uma amnistia é uma dádiva generosa de quem pode a favor dos que precisam. É uma palavra de esquecimento, que, ou se pronuncia de boa vontade e sem relutância nem reticências, ou terá efeitos contrários se exije condições e reparações, se dá aqui para tirar ali, porque acabará por melindrar, por agravar, par indignar.
E quando esta atitude é tomada mesmo assim, passado um período longo de petições, de ansiedade e de exposições, então a decisão forçada assume aspectos de fruto de um mons parturiens verdadeiramente decepcionante.
Tem corrido mundo o caso do massacre de Oradour, na Alsácia, ocorrido aquando da última guerra, e cujos autores franceses foram objecto de uma amnistia ad hoc, que veio emendar um veredicto judicial.
E isto tornou-se necessário, exactamente porque não houve o espírito de generosidade e de independência capaz de oportunamente fazer passar uma esponja sobre as fraquezas ou os actos como tais considerados, mesmo sobre alguns crimes cometidos sob o império de circunstâncias prementes e extraordinárias, tanto de ordem nacional como de ordem internacional.
O resultado foi o que todos conhecem e é também o de todas as soluções ambíguas, e incompletas, que acabam por não agradar a ninguém e até por indispor toda a gente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No caso português, ora em apreciação, o Governo podia ter sido generoso sem peias, até porque para isso tinha recebido mandato da representação nacional, e ele é a única entidade a não poder admitir, sem consequências, que a Assembleia Nacional não seja, de facto, a autêntica expressão da vontade da Nação.
A todas as razões de ordem, geral militando a favor da generosidade acrescia a circunstância, bastante para ponderar, de ela ir beneficiar muitos amigos, muitos dos que puseram o seu esforço, a sua dedicação, o seu entusiasmo ao serviço do 28 de Maio, quer nos dias perigosos da sua preparação, quer nos outros, não menos arriscados, da sua marcha incipiente, e que prosseguiram, sem qualquer garantia ou promessa, oferecendo-se a todas as horas pela manutenção da ordem, da paz interna, pela realização dos ideais nacionais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se tratava de distinguir entre portugueses e de dar a uns o que a outros se negava; antes se pretendia ver todos tratados pela mesma medida e que não ficasse a pesar no espírito de quem quer que