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7 DE MARÇO DE 1953 789

seguidamente vou ler de uma lição de Fernando da Fonseca:

Meus senhores: se no começo da minha lição prestei homenagem aos professores que me ensinaram, não quero terminá-la sem agradecer aos novos com quem aprendo.

É à sua colaboração que devo parte do que lhes acabo de expor. E é tão grande, que fujo de a citar, no receio de que nada fique para mim. Mas devo-lhes mais do que isso. Devo-lhes a mocidade que me emprestam e que outros mais tarde lhes pagarão, e que me leva a mim, médico prático desta cidade de Lisboa, a manter um certo interesse pelas coisas da Ciência e a todos nós, os do grupo que trabalha no mesmo serviço, a fazê-lo com um entusiasmo, uma dedicação, uma confiança e um espírito de camaradagem que me trazem ao pensamento esta outra ilusão agradável, que não quero desfazer, mas que quase me envergonho de confessar: que seria assim que se faria uma escola.

Nestas palavras se vê fielmente reproduzido o carácter do mestre, desse que soube formar discípulos, que os sabe apreciar e que se dispõe a partilhar com eles os louros de todos os êxitos.
Trata-se de um desses homens extraordinários que prontamente conquistam as simpatias dos alunos, que, sem dificuldade, os levam a trabalhar entusiasticamente, só com o desejo de aprender, de alargar cada vez mais a esfera dos seus conhecimentos.
Trata-se de um desses homens raros que conseguem conciliar a sua actividade investigadora com o ensino, mantendo sempre as suas prelecções num alto nível. Não é um professor que vive dos livros-textos - tantas vozes velhos de algumas décadas -, mão é o professor que só satisfaz a repetir a ciência dos outros, é, pelo contrário, o professor que, busca incansavelmente dilatar as fronteiras do saber.
É, em suma, o mestre que, rodeado dos seus discípulos, se entrega desinteressadamente, pela ciência e pela humanidade, à investigação científica.
Note-se que o seu centro de estudos funcionou sem qualquer estímulo de ordem material. O professor não dispunha de lugares de assistência, nem podia proporcionar qualquer remuneração. E, no entanto, os estudiosos apareceram sempre, chegando quase a disputar os lugares de trabalho desse famoso centro de estudos, no Hospital do Rego, de doenças infecto-contagiosas. Aí se formaram cientistas do mais alto valor.
Hoje, ao pensar nessa plêiade brilhante de médicos, conhecida não só em Portugal, mas no estrangeiro, que já deu quatro professores - Fraga de Azevedo, Manuel Pinto, Juvenal Esteves e Cambournac - e que inclui homens como Madeira Pinto, Marques da Gama, Andersen Leitão, Leopoldo Figueiredo, Castro Amaro, Francisco Branco, Norton Brandão, Soares Franco, Piedade Guerreiro, Oliveira Machado e tantos outros, sem esquecer, evidentemente, o nosso ilustre colega Pimenta Prezado, tenho a convicção de que muito poucos mestres em Portugal terão chegado a resultados tão notáveis na formação de uma escola científica.
Naturalmente, a sua obra é considerável. Muitos trabalhos saíram dessa forja d(c) investigação científica o levaram o nome de Portugal no estrangeiro, colocando-o a grande altura, em congressos internacionais, conferências e reuniões de vária índole científica. Os conhecimentos adquiridos foram utilizados na clínica, e por certo vastíssima e utilíssima foi a acção do grupo de Fernando da Fonseca no combate a numerosas enfermidades.
A lista dos trabalhos publicados é enorme! Nem me atrevo a mencioná-la, ainda que sumariamente. Lembrando apenas os trabalhos que me parecem mais notáveis - trabalhos que honrariam qualquer centro reputado de estudos do estrangeiro-, quero aludir ao estudo da febre Q, à identificação e isolamento do vírus da pneumonia atípica, à identificação dos agentes da febre recorrente em Portugal, ao estudo de certas infecções provocadas por rickettsias e à contribuição para o estudo das formas exo-eritrocíticas da malária.
O ilustre professor espanhol Marañon, admirador de Fernando da Fonseca, convidou-o a escrever a obra da sua colecção dedicada à Diabetis mellitus. Essa obra foi editada em 1933 e encontra-se esgotada. Igualmente esgotado está outro livro de Fernando da Fonseca, também editado em Espanha, sobre o tifo exantemático.
Isto dirá, sabendo-se como são avultadas as tiragens de livros de medicina no país vizinho, como o nome de Fernando da Fonseca é conhecido no mundo científico.
Pois este homem, com tal folha de serviços, foi afastado do professorado, Receou-se naturalmente que, sem meios de trabalho, ele deixasse os seus estudos, as suas investigações, que dissolvesse aquele magnífico grupo de colaboradores que tão laboriosa e inteligentemente criara, que enfim se entregasse exclusivamente à clínica, onde sempre brilhou a grande altura. E assim sucederia se o Prof. Francisco Gentil, ilustre director do Instituto de Oncologia, o famoso criador e organizador dessa bela instituição, não lhe tivesse concedido generosa hospitalidade, proporcionando-lhe os meios de trabalho indispensáveis.
Mas aí, apesar do ambiente carinhoso que encontrou, já não lhe é possível recrutar novos elementos para a investigação, para continuar as tradições do seu "grupo de colaboradores". O afastamento da cátedra inibe-o de contactar com os estudantes, de averiguar onde estão os valores das sucessivas gerações, onde só encontram os mais interessados pelos problemas da investigação científica relacionada com a medicina.
E tenho a convicção de que a grande obra do mestre foi formar tantos discípulos de tão elevada qualidade, conseguindo esta coisa notável: que todos sejam seus amidos. Ao pensar, nesses fiéis colaboradores, nas suas qualidades, na energia com que empreenderam as suas vidas profissionais, inspirando-se nos exemplos magníficos que constantemente dava o seu professor, sinto, na verdade, que a maior obra de, Fernando da Fonseca foi a escola que conseguiu criar.
Trata-se, pois, de um valor científico indiscutível. Mais: trata-se de um educador; trata-se de um impulsionador de investigadores; trata-se de uma dessas presenças capazes de levar o entusiasmo a todos, mesmo aos mais desanimados.
Além disso, com o seu carácter, a sua bondade, o seu amor à Ciência, a sua honradez, a sua paixão em difundir os conhecimentos adquiridos, a sua natural tendência gregária, de procurar o trabalho de equipe - virtude tão rara entre portugueses -, Fernando da Fonseca reunia todas as qualidades para conseguir esses êxitos, como mestre de uma escola científica.
Este professor é justamente um desses homens que convém manter nas Universidades, esses que as robustecem, que as levam ao seu verdadeiro caminho da educação, do ensino e da investigação. Houvesse mais exemplos destes e acabaria por perder-se o uso da sebenta, com todos os seus vícios, deixaria do verificar-se, como tão frequentemente sucedo, o resvalar da maioria dos professores para o verbalismo e para o emprego quase exclusivo da ciência alheia!
Houvesse nas Universidades muitos professores deste tipo é não assistiríamos ao espectáculo desolador do certos professores falarem de tudo, num à-vontade
desconcertante, com críticas despropositadas, umas vezes forjadas à pressa, som o rigor e a objectividade cientí-