O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

908 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 219

O Orador: - Cai-se, como diz Bickel, no desporto-Moloque, caricatura da religião, culto furioso do corpo, em detrimento da inteligência e da alma, com todas as devastações morais e sociais que consigo arrasta. E, assim, o desporto, despojado de qualquer preocupação moral, libertado da salutar influencia da religião, longe de se tornar um poderoso meio de educação da juventude, longe de lhe infundir o sangue generoso de entusiasmo para o sacrifício e dedicação à família e à pátria, torna-se um coveiro da civilização.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Em muitos países um nacionalismo exagerado torna ainda mais negro o quadro de misérias a que arrasta a deificação do desporto.
Como vão esquecidos os tempos heróicos da velha Hélada e o florescimento admirável do espírito desportivo da Idade Média!
É preciso recordar à juventude de hoje os ensinamentos de Platão:

Nos exercícios do corpo os jovens propor-se-ão, sobretudo, aumentar a sua força moral, de preferência a desenvolver o seu vigor físico.

É preciso que a mocidade tenha sempre presentes as admiráveis palavras de S. Paulo na sua carta aos romanos, as quais, como nos recorda Pio XII, tão claramente descrevem o drama quotidiano da vida do homem:

Vejo nos meus membros outra lei, que se opõe à lei da minha mente e me torna escravo da lei do pecado, que está nos meus membros.

Não há quem não conheça alguns episódios tristes passados no inundo do desporto por esse mundo fora e que Dubeck tão bem fotografou:

O desporto deixa de ser desporto; torna-se batalha, espectáculo, comércio.
O jogador deixa de ser jogador; torna-se acrobata, mercenário, qualquer coisa parecida com um gladiador hipócrita

Assim se explica o balanço catastrófico duma recente época de rugby nos Estados Unidos: 47 mortos e 1 200 enfermos para toda a vida.
Mais, como diz Bickel, o desporto tornou-se, por vozes, lacaio da política.
A propósito disso, conta-nos o seguinte episódio passado em França:

A multidão, tocada de crise aguda de chauvinismo, obriga, sob a ameaça do revólver, um oficial aviador da guerra, que fazia de árbitro, a revogar o seu juízo e a assinar que o clube local tinha ganho o desafio. Assina e depois comunica ao conselho da F. A. F., por telegrama, o escândalo de tal intervenção extra-oficial.
O clube em questão foi interdito, mas logo, apressadamente, amnistiado.
Como os membros do clube eram eleitores influentes, apareceu um Deputado a impulsionar a máquina política que realizou o milagre do «Abre-te Sésamo!».
O clube reincidiu noutro encontro desportivo e foi também amnistiado, pela segunda vez.

Não quero, já agora, deixar de contar mais um triste episódio, que muito me impressionou, como choca qualquer espírito que pela educação se interesse.
Trata-se de um simples comentário, saído da pena de Maurice Smith, no jornal The People, a propósito dos desafios entre portugueses e ingleses em Cardife e Liverpul:

O que não faria um clube inglês com o pensamento rápido e destreza de pés do interior direito português ?
Se eu fosse manager daria por ele, um dia qualquer, 20000 libras ou o seu equivalente em escudos.

Na terra do fair play, sobrevivência do desporto medieval, tão cheio de nobreza, haver quem pense assim, o escreva e o publique é profundamente desolador.
No meio deste sombrio quadro surge, é verdade, um ou outro traço de luz, que conforta e dá esperança em melhores dias.
Eu não esquecerei nunca, por exemplo, o espectáculo emocionante do desafio de futebol entre uma selecção portuguesa e uma equipa argentina, quando esta, em pleno campo, só recolhe por instantes e reza antes do começar a jogar.
E, quem gosta de acompanhar as actividades desportivas, não ignora aquele gesto cavalheiresco dum atleta francês nos jogos olímpicos de Amsterdão, em 1928, num cross country, tão bem descrito por Benoit-Joseph Bickel:

Nurmi, campeão finlandês, caiu numa ribeira, empurrado por um americano. Duquesne, atleta francês, que o seguia, ajudou-o a levantar-se, e os dois, a breve trecho, tomaram a dianteira, apresentando-se juntos à chegada.
Nurmi quis ceder o lugar a Duquesne, mas este recusou e chegou em segundo lugar.

Não é verdade que nos sentimos transportados aos tempos da cavalaria medieva ouvindo isto?
Estes oásis de luz mais fazem meditar na imensidade do deserto, em que só o materialismo impera, atingindo todas as camadas sociais, na embriaguez alucinante e avassaladora do desporto, transformado, como diz o padre Agostinho Veloso, em objecto de exploração argentaria ou motivo de paixões infra-racionais, em dissolvente da hierarquia dos valores humanos.
Por isso, todos os governos clarividentes, todos os homens responsáveis pela condução dos povos se esforçam, como não podia deixar de ser, por reduzir ou eliminar tão grande mal, que rebaixa o homem a um estado de humilhante escravidão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também por isso, estou certo, foi presente à Assembleia Nacional a proposta de lei n.º 237, embora deva dizer-se, em abono da verdade, que os inales da idolatria que referenciei estão muito longe, entre nós, de atingir a acuidade que noutras regiões se observa.
Tão importante iniciativa é digna dos maiores louvores, e mais uma vez o Governo se tornou credor da gratidão dos Portugueses ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -... que se orgulham de ver como em tantos passos da história a nossa pátria serviu de guia a outros povos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, nos outros países não se segue ainda o caminho que o diploma em discussão define, impondo uma orientação superior na educação física, que esperamos seja segura e firme, tendendo a