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940 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 221

extensão e enorme acuidade, guardadas as devidas proporções, não se apresenta, todavia, pior do que os de diversos países. Terei de pintá-lo com alguns tons sombrios, para o figurar como vejo? Não! Como o vê quem o conhece. Mas, na relação dos costumes e dos modos de viver, esses não são para nos envergonharmos perante outros povos, onde se sabe de iguais tristezas. São, sim, para nos animarmos como os melhores à intensificação dos esforços para lhes pôr termo!
Uma avaliação precisa e objectiva do conjunto das nossas necessidades habitacionais, sobretudo com referência às classes populares, apresenta-se difícil ou menino impossível de fazer com rigor. Não faltam inquéritos nestes últimos vinte anos, da iniciativa de serviços públicos e até de particulares dedicados à questão; não faltam, é certo, mas todos são limitados no âmbito social ou topográfico, e alguns visaram aspectos, em especial de sanidade, que só acessória ou parcialmente esclarecem sobre as deficiências fundamentais.
Com o último recenseamento geral da população averiguou-se das condições de habitação das famílias: este é ao mesmo tempo o estudo mais recente e mais amplo, porque abrange todo o País, mias, na concisão do que deu a público, deixa muitas questões em aberto, e à frente de todas a da qualidade das moradas.
Mas informa-nos ao menos dos factos numéricos da carência absoluta, registando que, de pouco mais de 2 milhões de famílias (ao certo 2 047 398), havia à sua data 2 592 sem habitação, 10 596 vivendo em construções provisórias - está-se mesmo a ver que tais! -, 2 833 em prédios ou partes de prédios não destinados o habitação e 193 231 ocupando apenas parte de um fogo.
Este, realmente, o número mais significativo, considerando que para os inquiridores "fogo" era o local apropriado à habitação de uma só família. Se quase 200 mil ocupavam apenas partes de fogos, partes do que seria próprio para cada uma, eis a conta crua e seca das que não alcançavam viverem a coberto de intromissões de parentes ou de estranhos em casas suas somente.
Que cada um de VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, ponha o caso em si e por si o julgue, e pense se, posto em iguais circunstâncias, não gostaria também que lhe valessem!
Somadas todas estas parcelas, encontramos que, qualidade à parte - e nunca é de mais insistir na importância desta -, uma em cada dez famílias portuguesas não tem casa que o nome sequer pareça merecer, ou que goze na privança que lhe é mesmo essencial.
E a proporção sobe para duas em cada dez famílias na cidade do Porto, mais de três em cada dez na cidade de Lisboa.
Como não haveria de ser assim?
Vejamos Lisboa para exemplo, e exemplo o mais flagrante. Sabe-se que não cresce por si; morrem dentro da nossa capital, em regra, mais pessoas do que nascem; o que a enche é o afluxo dos provincianos. Este rio corrente de imigrantes será a razão da sua falta de habitações; mas não parece fácil estancá-lo, e então há que alojá-los.
Por estranho que pareça nestes tempos de anuários, relatórios e estatísticas não é fácil averiguar o que se construiu em Lisboa em termos de residências familiares, de focos; só encontrei elementos coerentes para o período de 1944 a 1950. São sete anos em que o número de casamentos, portanto de constituição de novas famílias, andou à roda da média de 7 000 por ano: foram exactamente 48 709 no septénio, 48 709 novos casais à procura de lares.
Que se construiu entretanto? Quantos fogos lhes ofereceram os prédios concluídos e livres para habitar? Pouco mais de 12 mil - 12 643 apenas -, a quarta parte do número de famílias que se constituíram. E na grande maioria para gente remediada e rica; nada menos de 9 521 fogos são os que se coutam em prédios de construção particular, e, como só 2 717 eram em prédios de renda limitada, segue-se que mais de metade do total geral da construção se fez em prédios de renda livre, que demais sabemos até onde têm ido na liberdade, especialmente nesse período...
Não surpreende já o que se vê e o que se sabe.
Lisboa apresenta naturalmente ao mesmo tempo a situação mais aguda e o problema de maior vulto; mas pelo resto do País o mal é geral. Para ver suplicar de lágrimas na voz e joelhos no chão o arrendamento (sem questão de preço) de uma velha casa adquirida para demolir não precisei de sair da pequena vila ribatejana onde vivo; e sei que a certo questionário se respondeu, de todos os concelhos de Portugal, à excepção de só um feliz, acusando dificuldades locais de habitação para as classes trabalhadoras.
Destas faltas resultam tristes condições de vida para milhares e milhares de famílias.
Da proporção das que em certas áreas de Lisboa ou do Porto vivem em casas sem condições sanitárias mínimas, sem a graça de uma réstea de sol no Verão como no Inverno, sem janelas que lhes arejem os quartos, das que são hóspedes ou sublocatárias de outras (mais de metade num grupo de bastantes milhares há pouco estudado em Lisboa, por exemplo), não vou dar conta rigorosa a VV. Ex.ªs. Isto anda por aí publicado e acessível aos estudiosos e seria tão longo como pesado de referir.
Prefiro, se V. Ex.ª mo permite, ler trechos de respigo recente e que espero possam dar à Assembleia a mesma comovedora impressão que me deixaram; são testemunhos de sacerdotes que nos merecem o duplo respeito da sua condição e do espírito de caridade em que mostram viver abrasados. Rogo mesmo que seja consentida a sua integral transcrição no Diário desta sessão, de tal modo os tenho por simbólicos do que quero fazer sentir a V. Ex.ª e à Assembleia. Coisas destas, para as acreditar é preciso tê-las visto ou ouvir de quem as viu. Ouçamo-las; são casos de Lisboa, do Porto, talvez de Coimbra, de outros pontos ainda:

... A família vive num portal. No pavimento dormem os pais e uma velhinha. E as crianças onde dormem? Onde dormem as crianças? A miséria é criadora. O pai de família suspende do tecto um estrado de cinco tábuas e à noite arruma ali os cinco filhos ...
... Vãos de escadas. Lojas. Portais, Gateiras. Em tudo se vive por falta de vivendas.
... E quem nos não quiser dar crédito que venha connosco ao Barreiro, a Almada, a Alcântara, à Cascalheira, às Comendadeiras, ao Casal Ventoso, etc., etc., e aí verá, com seus próprios olhos, gente de todos os cantos de Portugal a viver, não já como os habitantes da selva, mas abaixo ainda dos animais!
... Na sua costumada rusga, P.e F ... encontrou a viver dentro de um quarto uma data de gente. Ele fala em catorze pessoas, de entre as quais uma criança de catorze anos em vésperas de ser mãe!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Quero apenas mostrar que o fenómeno não é só nosso. Ouvi precisamente a um padre que num país extraordinário, numa região de minas, vivem catorze mineiros num quarto. O caso é geral.