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20 DE MARÇO DE 1953 945

uma vez alcançado o talho de terra, se metem a construir a sua casa. Eventualmente ajudados por vizinhos, que lhes cedem madeiras, fretes, tijolos ou pedra, pouco a pouco fazendo, por si, mais ou menos toscamente, o que sabem ou podem, pagando a camaradas e fornecedores consoante vão amealhando com quê, obra grossa agora, rebocos depois, janelas mais tarde, em dois, três, quatro anos, com muita canseira e a grande vontade que para isto parece ser ,da própria natureza humana, acabam por ter as suas casas, e não raro bem graciosas e limpas.
Não é fácil conceber melhor aplicação do tempo que os modernos horários deixam livre, e que da Primavera ao Outono ainda somam cinco ou seis centenas de horas de luz solar, depois de despegar da oficina. Se com o antigo regime de sol a sol, aproveitando só os dias de folga, muito trabalhador fez a casa por si próprio, quantos mais não poderão imitá-los, tendo maiores vagares?
Com umas ajudas a tempo, crédito e facilidades para compras de terrenos e materiais, muitos poderiam decerto ser. E se os interessados se organizassem em grupos de diversas profissões, constituindo estaleiros de construção, amparados, técnica e financeiramente, quem sabe se lima obra tão brilhante como a das casas económicas, e ainda mais vasta, não poderia tornar-se realidade?
Esta tese acaba de ser defendida, com minúcia e brilho, por um engenheiro experiente, o Sr. Horácio de Moura, em livro que intitulou Um Estudo Social e saiu de prelos conimbricenses há apenas dois meses, com o patrocínio de altas autoridades eclesiásticas e o abono de interessantes resultados que se estão conseguindo em França, também sob a inspiração da Igreja.
Louvo-me na sua argumentação e dispenso-me de a repetir, concordando com o fundo dela e aceitando-a no essencial, que para mini é a bondade da ideia de ajudar cada um a erguer casa. O Sr. Engenheiro Moura defende que isto se faça por cooperação de operários preferivelmente de profissões diversas, trabalhando em horas livres ou entregando em dinheiro que preferissem ganhar noutro sítio o valor desse tempo. Será ou não viável o sistema, consoante circunstâncias diferentes de lugar para lugar, entre as primeiras das quais colocarei a existência de animadores e coordenadores eficazes; porém, não basta a falência parcial, que se verificou num ensaio deste género tentado perto de Gaia há uns vinte e cinco anos, para o desacreditar. Pelo contrário, em França parece ganhar cada vez maior aceitação.
Mas eu ponho a ideia com mais largueza, e pelo que já tenho visto considero, pelo menos, tão merecedoras de encorajamento e ajuda as iniciativas de indivíduos isolados como as empresas em grupos.
Quanto à ajuda financeira, creio que ainda o mais seguro e conveniente será pedi-la ao Estado, sob a forma de créditos baratos e a prazo longo, como se instituíram já para os melhoramentos agrícolas.
A criação de um fundo de melhoramento da habitação popular, destinado a financiar os empreendimentos de autoconstrutores, parece-me oportuna e necessária, por capaz de atingir grandes resultados onde são extremamente desejáveis.
O nosso ilustre colega Sr. Dr. Manuel Lourinho propôs na passada legislatura, quando se discutiu a lei sobre questões conexas com o problema da habitação, disposições permitindo o auxílio do Estado para a construção de casas de habitação própria e empréstimos para a construção, reconstrução ou melhoria da casa rural. Não obtiveram apoio; todavia, devo confessar a VV. Ex.ªs que da leitura dos números do Diário dessas sessões não me ficou a impressão de não o merecerem; não me convenceram os argumentos que se lhes opuseram, e foram mais de forma que de substância. Agora, que o crédito privado anda como anda, auxiliar os indivíduos de economia fraca mas de ânimo forte a construírem, e até a melhorarem, as suas próprias casas será, Sr. Presidente, um modo eficaz e salutar de concorrer para o remédio das nossas misérias habitacionais; e, sendo mais adequado aos meios rurais - porque aí a construção pode ser mais singela e as cooperações se facilitam -, é de tentar lá quanto antes.
Estimulando a solidariedade, dando aplicação útil a horas de ócio, assegurando o máximo de poupanças por força do empenho mesmo dos construtores, esta modalidade acredita-se pelo seu múltiplo interesse político, social, moral e económico.
Seja ela defendida de excessos de burocracia e papéis e posta acima das preocupações da fachada e da solução óptima e do só novo, que quem a puser em. prática estou que não se arrependerá.
Creio, Sr. Presidente, que tudo a aconselha e que o País a compreenderá e aceitará, como tem compreendido e aceitado avidamente todos os movimentos do Poder Central ao encontro da sua sede de progressos.
Este o desejo de muitos, esta a minha primeira sugestão: que o Estado conceda créditos e facilidades - conselhos técnicos, vantagens fiscais, auxílios para aquisições de terrenos - aos pobres que queiram e sejam capazes de construir ou melhorar as suas próprias casas, dando-as em penhor dos reembolsos. Os corpos administrativos, em especial as juntas de freguesia, porventura também as Casas do Povo, poderiam ser os garantes destes devedores, com as adequadas seguranças.
Um critério limitador encontrar-se-ia facilmente na exigência de cooperação manual directa dos beneficiários; outro, porventura mais justo e concreto, o do nível de rendimentos não superior ao daqueles para quem o Estado já constrói as casas económicas ou promove as de renda económica. Quanto às estritas proporções, deixemo-las para os regulamentos.
O fomento da autoconstrução oferecerá, creio-o convictamente e em boas companhias, caminho novo e seguro para a solução do novo problema de alojar depressa os que clamam por casas; mas não pode esperar-se que resolva tudo o que falta resolver.
Pelo contrário, o carácter inicial de experiência do sistema, a mais que provável limitação dos fundos que o Governo possa dispor-se a atribuir-lhe de entrada, o próprio facto de se dirigir a indivíduos necessariamente de escolha, a sua melhor adaptação a meios de tipo rural e a certas classes profissionais hão-de fazê-lo demorar a ganhar balanço: o mesmo seu propugnador que citei não ambiciona para o primeiro lustro de trabalhos mais de 2 500 fogos construídos, embora vise um total de 150 000. Será alavanca poderosa para a melhoria da habitação campesina, mas com seu tempo.
Ora a situação não se compadece com demoras. Para lhe fazer frente, séria como é e cada vez mais, o alvo a estabelecer não pode ser inferior a 50 000 habitações nos próximos dez anos, e será o mínimo admissível. Considerem V. Ex.ªs que o déficit só em Lisboa era em Dezembro de 1950 de 30 000 moradas; que nas condições actuais da construção aumenta, em talvez, umas 1 500 por ano; considerem o Porto; considerem o resto do País; considerem as privações, os perigos morais e sociais que procurei esboçar, e digam-me se acham a estimativa exagerada! Todos os estudiosos do problema com muitas razões a elevariam; e eu fixo-me em 50 000 fogos - apenas metade do déficit nacional de há dois anos! - só porque receio as dificuldades financeiras de ir além.