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20 DE MARÇO DE 1953 941

O Orador: - O certo é que as faltas dos outros não justificam que não pretendamos resolver as nossas. As casas são de urgência.

O Sr. Melo e Castro: - Eu desejaria só dizer a V. Ex.ª que na enumeração de localidades onde o problema habitacional é mais grave falta a cidade de Setúbal, onde realmente esse problema é de grande e dolorosa acuidade, apesar de, desde 1946, haverem sido construídas cerca de 1 000 casas, considerando o conjunto de casas económicas, casas para pobres e casas para pescadores.

O Orador: - Num destes trechos que citei há referência a Almada, que é do distrito de Setúbal; mas esse trecho, que apenas refere exemplos ao acaso, de modo nenhum, decerto, terá tido a intenção de fazer enumeração exaustiva. Aliás, o distrito de Setúbal é, segundo as estatísticas, o terceiro com número de famílias com alojamento deficiente.

Vozes: - Mas há mais ...

O Sr. Carlos Borges: - O grande mal é do urbanismo.

O Orador: - Mas diga-me V. Ex.ª: todas as pessoas que de fora vieram para Lisboa devem ser recambiadas?

O Sr. Melo e Castro: - Uma das principais causas do urbanismo é não haver no campo boas condições de vida.

O Sr. Carlos Borges: - Não estou inteiramente de acordo. As condições de vida dos pobres do campo são talvez melhores do que as dos da cidade.

O Orador:

... As casas são a urgência; diria, até, o desespero. Conhecemos casos onde os pais saem fora a realizar o acto conjugal. Conhecemos casos de menores que concebem dos seus. Temos visto amontoados de animais e gente em amontoados de tábuas e de caniço. E mais e mais e mais.

Que angústia sê não contém nesta repetição final!
Note V. Ex.ª, Sr. Presidente, que tive o cuidado de escolher citações referentes apenas a famílias que parecem ser de trabalhadores. Dos casos de pura indigência nestas e noutras fontes encontram-se exemplos bem piores; mas esses não me interessam agora: não encaro nada disto como um problema de simples assistência.
Cá como lá, colhe o comentário fresco de semanas de um urbanista francês: unia situação tal, socialmente é explosiva; em termos de simples caridade é insuportável!
Como o Sr. Dr. Mário de Figueiredo vê ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas está bem!

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Seria interessante que nesse problema da habitação pudéssemos dar às outras nações o exemplo de uma solução completa como em tantas outras questões somos apontados como exemplo a seguir. Em todo o caso é difícil atingir esse ideal.

O Sr. Manuel Lourinho: - Todas as grandes realizações começam por ser ideias.

O Orador: - São só em Lisboa, além das verdadeiras casas sobrepovoadas, perto de 10 000 barracas clandestinas, de latas e caixotes velhos, e as furnas da serra de Monsanto, etc., são as 600 "ilhas" do Porto; são .... mas que sei eu, que se pode saber se ninguém traz tudo isto contado?
Um dos resultados de toda esta carência, e dos mais sérios, é, conforme as boas regras da economia clássica, o encarecimento das rendas das insuficientes casas que aparecem disponíveis e cuja carestia remete as populações para as barracas ignóbeis ou para as aglomerações imorais e anti-higiénicas; nas que lutam para resistir, como pesará a renda e desequilibrará a economia doméstica!
Os especialistas, não sei se trabalhando às vessas sobre exemplos que acharam bastantes, concluíram há muito ser de até um sexto dos rendimentos da família modesta a proporção razoável e aceitável da renda a pedir-lhe. Além disto, todos concordam, sacrifica-se demais o restante: alimentação, vestuário, saúde, as distracções legítimas. E a todos isto parece um máximo, não faltando quem argumente que será excessiva a renda de uma casa pobre se levar mais de um décimo dos ganhos.
Ora a carestia actual das casas oferecidas conduz a rendas além destas proporções, obrigando as famílias operárias a privações que importa poupar-lhes.
Se é certo que a iniciativa da construção das casas de renda económica e a novidade das de renda limitada, uma e outra altamente louváveis, reduziu em Lisboa a crise e os preços nas casas da classe média, ou das camadas mais desafogadas da classe média, na capital ainda as classes pobres, e no restante do País toda a gente, se procura casa só a encontra em condições de preço frequentemente esmagadoras.
Há dois meses foi-me presente este exemplo, que nada me indica ser excepção. Certo carpinteiro veio para Lisboa em busca de trabalho, que lhe faltava na terra, e encontrou-o a contento próprio e do patrão, pois é bom artífice. Ganha 45$ por dia, cerca de 1.100$ por mês. Tem mulher e um filho. Depois de longamente procurar, e já esclarecido pelos camaradas sobre o que poderia esperar, o que alcançou foi um quarto - um quarto só, para a família com o seu filho ... - num dos subúrbios, a vinte minutos do transporte mais próximo.
Pois por este quarto, pelo quarto só, sem retrete, sem cozinha, de que se serve em comum com os outros locatários, teve de resignar-se a pagar 240$ de renda, 22 por cento do seu salário. Mas o homem tem uma velha parente entrevada, que sustenta porque o criou, e não pode mante-la na terra; quis, pois, trazê-la para junto de si, para um segundo quarto, porque já não caberiam todos no mesmo. Arranjava-se, mas eram mais 220$. E aqui temos 460$ por mês, 40 por cento dum bom salário, exigidos poi dois simples quartos já fora de portas, com mera serventia de cozinha e instalações sanitárias.
Ante isto, teremos de fazer como se diz dos arúspices da velha Roma, quando falarmos de protecção à família?
Peço vénia para recorrer às mesmas testemunhas de há pouco, porque o que nos dizem do preço das moradas pobres é tão actual como o que disseram da qualidade delas:
... Ela estava num catre a tiritar e a gemer. Isto era num dos "hotéis" daqueles sítios. São 84 milréizinhos que nós ambos pagamos!
... Um quarto onde habito m pai, mãe e nove filhos. Pagamos 170$ por mês.
... O quarto onde ele está custa uma renda fabulosa. É incrível o que nós ouvimos da boca dos ocupantes nestas regiões! Há rendas pagas ao dia, muitas à semana, poucas ao mês. Vãos de escada,