O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

944 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 221

tempo, das suas potencialidades e da sua impotência prática.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Novo é o empreendimento tentado pelo conhecido e admirável P.e Américo e pelos seus amigos da Obra da Rua, novo e atraente como todas as suas iniciativas e exemplar da coragem e da tenacidade com que se faz mister trabalhar pelas casas pobres.
Eu nem sei se VV. Ex.ªs têm conhecimento da obra deste padre - meio poeta, um e meio homem de acção; mas há-de ser difícil, acho eu, ignorarem o que ele tem feito nas suas «aldeias de rapazes» em prol dos gaiatos das cidades.
Pois o P.e Américo, de tanto ver os sofrimentos dos pobres sem casas, lançou-se há dois anos a provê-los delas, e só pela força do amor de Deus e do próximo, e à custa de esmolas, já vai a bom caminho de as contar por centenas em todo o País.
Pormenor curioso: consegue preços da ordem da dúzia de contos para casas que em debuxo como em fotografia parecem perfeitamente decentes, com seu quarto, cozinha e anexos.
Notável e intrigante preço, pois a construção oficial não se lhe aproxima sequer.
Todavia, esta obra do «património dos pobres», se a refiro para completar o quadro das realizações nacionais dignas de menção, não me serve de exemplo; só de estímulo. Pertence aos domínios da caridade, onde se entra com respeito, uma prece nos lábios e o compadecimento porventura a trair-se em furtiva lágrima. Não são os nossos, são os das coisas de Deus; a nós cabe-nos o que é de César. Cabe-nos pesar e medir o que cada um traz em esforço útil à vida colectiva, e o que a sociedade deve pagar-lhe do tesouro comum em auxílios e alentos. Mas também nos cabe pesar e ver cada vez melhor este mal que alarma tantos e os incita a darem assim tão prontos trabalho e dinheiro para vestirem de casas os nus de casa!

O Sr. Melo Machado: - Há uma outra pessoa que tem obra idêntica e que é o Sr. Governador Civil de Lisboa.

O Orador: - Sabia que certas entidades tinham pequenas obras análogas, mas não tinha encontrado notícia de que o Sr. Governador Civil de Lisboa também se interessava pela construção de habitações.
Em suma - e esta conclusão é afinal unia redundância ao cabo do que expus de entrada e tenho vindo a repelir, mas a redundância convém-me, na falta de eloquência para firmar o conhecimento de VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados - em suma, a habitação dos trabalhadores determinou já amplas medidas e provocou brilhantes realizações, anãs os factos demonstram que tudo é ainda pouco.
A habitação rural é que aparece sempre como parente pobre. O decreto sobre casas económicas, já o disse, limitando logo de começo o seu gozo a funcionários e assalariados do Estado e das autarquias e a membros de sindicatos nacionais, feriu os trabalhadores agrícolas de uma incapacidade de princípio ao acesso à posse de habitação que, por boas e de ordem prática que fossem as suas razões, toma um valor de símbolo - de símbolo do muito que vemos falar a favor do campo ... e agir a favor da cidade.
Em matéria de habitações rurais noto, aliás, frequentemente o que se me afigura ser certa confusão. Parece muitas das vezes que no que se pensa a propósito é na habitação do empresário agrícola, do pequeno agricultor, na morada com os modestos anexos necessários a uma exploração também modesta - o celeirozito, a adega até, o estábulo, etc. - e nos problemas correlativos do casal autónomo, que vão desde os de sanidade aos de vedação e segurança. E assim se tende a relegar este aspecto da questão, porventura com ligeireza, para o quadro dos que são privativos da economia agrária.
Ora não é bem assim. Por muito que seja de lamentar, por muito que seja de combater, o facto é que cada vez mais o trabalhador rural se proletariza e cada vez mais a habitação que procura é tal qual a de qualquer outro braceiro. Pode apetecer um quintal para o feixe de lenha, uma capoeirazita, um telheiro para a burra, que é o seu transporte quando a tem; mas afinal nada disto confere à casa peculiaridade e resolve-se bem na relativa disponibilidade de terrenos dos aglomerados campesinos. E não a pode pagar cara, que os ganhos são pequenos e incertos. Mas é tudo.
E nos meios rurais não há só trabalhadores do campo a alojar. Mais ou menos afins deles em hábitos e gostos de vida, apesar de profissionalmente distintos, artífices e operários da pequena indústria também nas nossas vilas e aldeias requerem e não alcançam moradas do mesmo jeito.
Direi, pois, que o problema nacional da habitação rural, na sua maior generalidade, não é essencialmente distinto do da habitação urbana mais despretensiosa, e é para considerar com e como o desta.
E a sua urgência é igual. Da carência que há não faltam sinais. E os números falam por si sós: das famílias que o último censo nos diz não terem residência privativa, e que são ao todo 209272, muito cerca de metade - exactamente 104 606 - vive fora das duas cidades grandes e até dos seus distritos.
Aliás, a afluência às capitais, a incessante corrente dos que procuram nestas, e sobretudo em Lisboa, trabalho mais certo e mais bem pago, se puder ser contrariada, exigirá, para tanto, que voltem a oferecer-se nos pequenos povoados casas aceitáveis; e a industrialização dispersiva do Plano de Fomento há-de concorrer para esta exigência. Não acredito que se possa resolver u crise de relativo gigantismo das nossas cidades maiores devolvendo à procedência os foragidos das aldeias sem empregos e sem atractivos; mas para reduzir a sua corrente haverá que aumentar estes atractivos, e na construção de novas casas se encontrará um deles. Dois até: mais fontes de trabalho e melhores condições para viver.
Da nudez, do desconforto, do primitivismo, da insalubridade (que só compensa a longa permanência ao ar livre) da nossa casa rural tudo está dito. Se isto é consolo, que nos console a conclusão dos Profs. Lima Basto e Henrique de Barros no seu conhecido inquérito: «... Portugal não foge à regra do que se passa mais ou menos em toda a Europa».
De novo digo, porém, que na aflição do momento presente não deve pensar-se senão acessoriamente em melhorar o mau que existe; pensemos primeiro em construir o que totalmente falta.
E quanto às vilas e aldeias, que sofrem mais caladas as suas precisões, pensemos sempre que no atendê-las virá também o alívio dos grandes centros; virá essa «desurbanização» que a todo o custo importa iniciar.
Ora há uma modalidade frequentemente sugerida, mas ainda não favorecida de consagração oficial, que oferece possibilidades particularmente valiosas para os meios rurais: é a que já se chama por aí «autoconstrução» - da construção por diligência e mãos do candidato a morador.
É de todos os tempos, agora só mais custosa porque mais complicada pela civilização. Ainda hoje, porém, abundam os exemplos de jornaleiros, de operários que,