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938 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98

bem elaborado e substancial parecer da nossa Comissão de Contas Públicas e lhe dou o meu voto.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: em todo o parecer se interpõe um prisma pessoal; e quem critica sujeita-se a ser criticado. Não admira, portanto, que o parecer do Sr. Deputado Araújo Correia sobre as Contas Gerais do Estado suscite, em anos seguidos, a par de opiniões concordantes, algumas contraditórias.
O que ninguém contesta é o valor do seu trabalho como elemento de consulta e a intenção construtiva que preside aos seus comentários. E é sobretudo este último aspecto que me parece conveniente salientar numa assembleia política.
Depreendi duma rápida leitura do parecer que o seu relator, além dum homem de números, é também um exímio cultor das letras.
E, apesar da sua formação matemática de engenheiro e de economista, são as letras, de facto, o seu violino de Ingres. É frequente surpreendê-lo em plena fuga literária - digo fuga na acepção de virtuosidade -, mas, por mais ousadas que por vezes se afigurem as suas ilações, transparece nelas um desejo ascensional de perfeição e há sempre uma ética que informa a génese das suas concepções. Essa ética pode traduzir-se no respeito pêlos princípios basilares em que a mossa Revolução se alicerça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Impressionaram-me, sobretudo, certas passagens, que não resisto à tentação de citar, como esta, por exemplo: «Atendeu-se -pergunta o relator - no sistema tributário em vigor ao desenvolvimento da matéria tributável resultante da concentração gradual dos instrumentos produtivos? Ou, por outras palavras, haverá justiça na repartição da carga tributária?
A imposição directa do imposto sobre o rendimento é de facto baixa e, se forem examinadas em pormenor as receitas provenientes dos direitos aduaneiros, reconhece-se que uma parte considerável recai sobre produtos de consumo geral, que afectam mais profundamente o conjunto dos rendimentos menores.
Os males políticos e sociais desta realidade podem ser muito grandes; e para eles se chama a atenção, visto que uma das preocupações dominantes de quem governa no momento actual deverá ser a criação de condições que não enegreçam as realidades políticas, económicas e sociais do futuros. (Deverá ser e é, pelo menos em Portugal, há um quarto de século).
São palavras dum pessimista - dir-se-á.
Eu creio, contudo, que isto não é pessimismo, isto é doutrina, é combate. Não são os clamores desvairados, inoperantes, de Cassandra, são os avisos dinâmicos e construtivos do prudente e esclarecido Ulisses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sobre o imposto complementar diz ainda o relator: «Parece ser necessário rever este importante problema no sistema tributário, de modo não só a aumentar as receitas como principalmente a introduzir uma regra que permita maior tributação dos rendimentos mais elevados e, porventura, alívio em alguns de menor volume. Aliás, a concentração de rendimentos, muito acentuada durante a guerra e talvez mais ainda depois dela, deveria ter desenvolvido muito mais do que na realidade aconteceu a importância do imposto complementar».
Tem de haver uma diferença -evidentemente-, uma diferença substancial, uma diferença que se veja, entre aqueles para quem o poder de compra é praticamente ilimitado e os mais desprovidos, que vivem sem reservas monetárias, na preocupação constante do dia de amanhã.

O Sr. Melo Machado: - Esses não pagam imposto complementar.

O Orador: - E os outros deviam pagar, mas com uma taxa muito mais progressiva.
Se V. Ex.a me ouvir até ao fim há-de concordar muitas vezes comigo.

O Sr. Melo Machado: - Eu concordo muitas vezes com V. Ex.a

O Orador: - No seu Mannequin d'0sier escreveu Anatole France: «L'argent est devenu honorable...». «Honorable»! Não encontro em português vocábulo mais ajustado. E Anatole prossegue no seu conceito incisivo: «Destruímos a nobreza do sangue para dar lugar, afinal, à nobreza do dinheiro, a mais opressiva, a mais insolente, a mais poderosa de todas».
O folclore espanhol trata numa soberba «humorada» esta mesma ideia:

Vuestro don, señor hidalgo,
Es el don del algodon
Que para tenor el do1
Necesita tener algo.

Este «algo» « precisamente o mais «honorable» de todos os dons, mas só para os que sabem usá-lo com beleza e galhardia! Esses, por mais ricos que sejam, merecem sempre a consideração Io Estado e a estima da Nação. Estou mesmo convencido de que uma fortuna dividida não pode exercer a acção social que seria possível à mesma fortuna concentrada nas mãos de um só possuidor. Isto ainda com a vantagem de facultar ao erário um aumento de receitas pela aplicação de impostos acentuadamente progressivos, como preconiza, e muito bem, o ilustre relator.
Não vejo, portanto, motivo para atacar as grandes fortunas. O seu possuidor pode chamar-se, por exemplo, Ricardo Espírito Santo e fazer da riqueza, em toda a sua vida gentilíssima, um instrumento do bem.
Pode chamar-se Rovisco Pais ou José Relvas e deixar o seu nome ligado, para além da morte, a uma fortuna inteiramente devotada ao bem comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Acerca deste último caso, que se refere a um legado de incalculável valor, porventura a dádiva mais opulenta que até hoje se ofereceu à Nação, foi publicada há poucos dias uma nobilíssima decisão que honra e dignifica os tribunais portugueses, pelo que muito me apraz saudar, do alto desta tribuna, o magistrado que a ditou, pelo seu desassombrado espírito de justiça e pela sua coragem moral.
Mas, reatando, não está na nessa ideologia o ataque sistemático às grandes fortunas, desde que elas compreendam e executem a sua alta missão filantrópica. O que abertamente condenamos é o procedimento indecoroso de certos nababos que vivem aferrolhando, acumulando e explorando, com um desprezo infinito pêlos dramas do seu semelhante.

Vozes: - Muito bem!