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538 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 128

decente para repouso, onde pudessem com dignidade cumprir n sua missão.
Bem necessário se torna que assim seja, pois a higiene física precisa estar em correlação com a higiene moral, e esses antros miseráveis que se estendem pela cidade não passam de focos imundos, onde a morte, na sua faina destruidora, rouba inúmeras vidas e a miséria moral, na confusão estabelecida pela sua promiscuidade, dá causa a crimes morais repelentes e monstruosos.
Do alto desta tribuna, por onde têm passado os maiores valores da Nação, o problema das «ilhas» do Porto, e não só das «ilhas», mas de outros bairros tão infectos e imundos como elas, tem sido posto à consciência da Nação, como obra necessária de recuperação física e moral que a dignidade humana impõe se realize. Tudo está dito acerca desta herança que o passado nos legou e que é forçoso arrasar, procurando substituir esses miseráveis casebres por bairros cheios de luz, de sol e de alegria.
Ninguém melhor do que os médicos, na sua vida quotidiana de auscultar as misérias de que a humanidade enferma, pode documentar o efeito tormentoso, degenerativo da condição física e degenerativo dos sentimentos humanos, pela perda da noção verdadeira de moral, que tais habitações exercem no indivíduo.
Nesses casebres sem luz, sem sol, nem água para as mais prementes necessidades de limpeza, tudo amontoado, corpos e almas, as doenças contagiosas, especialmente a tuberculose, seguida por outras, como tifóides, doenças venéreas, febres eruptivas, coqueluche e tantas mais, fazem a sua transmissão de forma assustadora. E a mortalidade nos bairros em condições de higiene sofrível é, indubitavelmente, mais baixa, mais diminuiu, verificando-se especialmente o facto na tuberculose.
Acerca das questões intimamente ligadas com a higiene e a profilaxia das doenças o assunto é tão vasto e tão complexo que longo e fastidioso seria para a Assembleia o embrenharmo-nos neste labirinto. De tudo quanto tenho afirmado resulta que o problema habitacional se desdobra por sua natureza em problemas de extraordinária gravidade e alcance: o problema moral; um problema económico de que resultam graves inconvenientes para a formação da família; um problema de higiene pelo sem-número de doenças que origina e agrava. Enfim, um problema social de todos os dias e de todos os momentos.
Sr. Presidente: foi a industrialização do Porto, com o êxodo das populações rurais para aquela cidade, no intuito de trabalharem nas muitas fábricas que no fim do século passado e no início deste se montaram naquele burgo, que deu origem à construção das «ilhas».
A população, aumentando de dia para dia, obrigou à construção desses casebres, onde, numa superfície de 6 m2, famílias proletárias vivem numa promiscuidade assustadora, numa mistura confusa.
Na cidade do Porto existiam, em 1909, 1200 «ilhas», com 12 000 casebres. Bento Carqueja, notável professor e economista, afirmava, a p. 79 do seu livro O Futuro do Portugal, que quase metade d n população do Porto vivia em «ilhas», computando as caixas em 11 000, habitadas por 120 000 indivíduos. Em 1934 as «ilhas» eram em número de 1301, abrangendo mais de 14 67 habitações.
O Prof. Almeida Garrett, o falecido médico higienista, meu querido e saudoso amigo, Dr. António Firmo Azeredo Antas, que também se ouviu nesta casa, e a quem rendo a homenagem da maior saudade, e o Dr. Manuel Firmo ou terroso, também médico muito ilustre, todos delegados de Saúde do Porto, supunham haver aproximadamente 60 000 pessoas vivendo em péssimas condições de salubridade, como consta dos relatórios publicados em 1934.
Num inquérito realizado em 1939 e ordenado pelo Prof. Mendes Correia, então presidente da Câmara Municipal do Porto, verificava-se existirem 1152«ilhas», com 13 000 casas e 40 259 habitantes.
Por um inquérito feito em 1940 o total das «ilhas» existentes era de 1153, com 13 594 habitações, havendo além destas vários bairros com casas de rés-do-chão e dois andares onde a vida é ainda mais insuportável que nas próprias «ilhas». O problema tem-se agravado e surgem bairros feitos com latas e madeiras podres, como Xangai, o da escarpa da serra do Pilar e outros, que são vergonha de uma cidade e de uma civilização.
Repare-se no que nos diz, referente à sua situação na cidade v ao número das suas habitações, o seguinte quadro:

Campanhã, 108 «ilhas», com 1162 casas;
Cedofeita, 236 «ilhas», com 2 588 casas;
Foz, 14 «ilhas», com 112 casas;
Lordelo, 28 «ilhas», com 325 casas;
Massarelos, 32 «ilhas», com 703 casas;
Miragaia, 17 «ilhas», com 236 casas;
Nevogilde, 1 «ilha», com 11 casas;
Paranhos, 132 «ilhas», com 1228 casa»;
Itamalde, 33 «ilhas», com 229 casas;
S. Nicolau, 3 «ilhas», com 36 casas;
Santo Ildefonso, 148 «ilhas», com 1900 casas;
Sé, 45 «ilhas», com 1029 casas;
Vitória, 4 «ilhas», com 26 casas.

Total: 1153 «ilhas», com 13 594 casas.

Os números apresentados falam por si. Não há palavras que possam diminuir essa eloquência, ou que posam ocultar a sua gravidade. Estou absolutamente convencido de que mais de um quarto da população vive em péssimas condições de salubridade, sendo imperativo de consciência, social e moral, resolver esse problema.
Como fazê-lo? Pela construção de um número de casas nunca inferior a 15 000, pois o problema agrava-se de dia para dia, visto que o êxodo rural continua fazendo-se para a cidade. E ainda para agravamento da situação tem concorrido a abertura de novos arruamentos, o que tem originado o desaparecimento de muitas artérias bastante povoadas, cento que a Câmara tem alojado, dentro das suas possibilidades, nos novos bairros construídos desde 1940 até agora.
Assim, já em 1939 se construiu o bloro do Duque de Saldanha, com 115 habitações sem qualquer comparticipação do Estado. Depois, em 1954, o Bairro de S. João de Deus, Rebordões, na sua 1.ª fase, com 144 habitações, também sem comparticipação.
Em 1950, Bairro de S. Vicente de Paulo, Corujeira, 1.ª fase, 148 habitações.
Em 1951 juntou-se-lhe um bloco com 18 habitações.
Em 1952, Bairro de S. Vicente de Paulo, 2.ª fase, com 12 habitações.
Em 1953, Bairro da Rainha D. Leonor, 1.ª fase, com 150 habitações.
Em 1954, Bairro da Bainha D. Leonor, 2.ª fase, com 100 habitações.
Em 1954, Bairro de S. Vicente de Paulo. 3.ª fase, com 20 habitações.
Em 1954, nas Condominhas, um bairro de 23 habitações. E, presentemente, em construção, 64 habitações em Pereiro, em blocos; e no Bairro de S. João de Deus, 2.ª fase, 102 habitações, o que perfaz um total de 210 habitações, que, num período curto, poderão ser utilizadas.