13 DE ABRIL DE 1957 669
ser maiores os investimentos sem sacrifícios proporcionais do consumo. Sim, mas a prazos largos, de muitos anos e não de poucos, e vistas as coisas para os níveis actuais, porquanto é sabido não serem, para o «seu nível», diferentes das nossas, nesta matéria, as preocupações de muitos povos europeus.
Quer isto dizer que, em cada momento, o investimento é sempre efectuado a expensas tio consumo e que qualquer aumento -independentemente do volume em que está a efectuar-se- obrigará a uma renúncia maior do consumo. Se este asserto é exacto para os países economicamente evoluídos, é igualmente verdadeiro para os insuficientemente desenvolvidos.
Tendo em conta, todavia, os níveis de consumo e poupança, nuns e noutros, claramente se entenderá que o incremento do investimento nos países de estrutura subdesenvolvida representará sempre um sacrifício relativamente maior do consumo, dado situar-se este a níveis muito baixos. Daqui a carestia da vida ou a inflação serem, muitas vezes, o resultado imediato de excessivas ou imprudentes forçagens do investimento, com inevitáveis reflexos noutros campos e domínios.
A este respeito escreveu Manuel Torres, ilustro economista do pais vizinho, ao prefaciar a edição espanhola da obra já clássica de Mandelbaun, o seguinte:
Quando falta a ajuda de capital estrangeiro -quer dizer, os recursos ou bens materiais importados-, a industrialização não pode realizar-se senão à custa do aforro produzido no interior do País. Esta é, porém, uma frase técnica que requer uma explanação, a fim de que se entenda completamente o seu alcance.
O aforro não é mais do que abstenção do consumo, de modo que, quando todos os recursos se encontram empregados, o aumento do aforro significa o desvio de uma parte dos recursos quo se destinam a satisfazer as necessidades imediatas para os empregar nu processo de industrialização.
Dai surge o primeiro problema importante, porque há que conjugar o nível do abastecimento com o afã de industrialização; apresenta-se, assim, um contraste irredutível entre o nível de vida, que ó naturalmente o nível de vida de quantos tom menos, e o avanço industrial.
Deste modo, um país com um deficiente nível alimentar não pode industrializar-se senão à custa da fome das massas, ou, o que é o mesmo, da carestia e da inflação, porque a industrialização limita a produção para o consumo.
O pior de tudo isto é que estas consequências evidentes encontram-se notavelmente mascaradas pelas manipulações monetárias e, por isso, é saudável olhar só o lado «real» do económico para evitar o erro que consiste em confundir a multiplicação do dinheiro com a multiplicação dos bens.
O nível de vida dos cidadãos não depende da renda monetária que possuem, mas das coisas que podem comprar com ela, e não podem comprar-se mais coisas do que as que se produzem ou se importam; quer dizer, as que existem no mercado.
A citação terá sido porventura longa, mas não parece de todo despropositada ...
Sei que se me pode objectar haverem sido propostos modelos, comprovados com exemplos de situações acontecidas, que consentem em fazer propender o investimento para o nível do aforro voluntário e por via de imposto e, ao mesmo tempo, em aumentar o consumo. Não ignoro o ponto de vista de Nurkse, nem desconheço as possibilidades que pode também oferecer uma redistribuição do rendimento. Mas isso nada tem que ver com a questão posta - aumentar simultaneamente o consumo e o investimento, que é como quem diz: o consumo e o aforro.
Da não resolução electiva desta questão redunda afinal a relativa ineficiência, para não dizer a improcedência, das soluções propostas para a real e positiva resolução dos objectivos fixados em curto período de tempo - durante a vigência dum plano de fomento!
E posto isto. analisemos as diferentes medidas preconizadas.
Merecem em principio concordância todas as medidas que visem a tornar menos rígida a nossa economia, em todos os campos e aspectos, e na o só no monetário. Sabido que o crescimento implica transformação de estruturas, compreende-se que a rigidez só poderá contribuir para dificultar a já do si nada fácil tarefa de desenvolvimento económico.
Por isso, a reforma do crédito preconizada pelo Sr. Deputado, que nesse particular acompanhou quanto se tem reclamado de há tempos a esta parte, com a finalidade de o tornar mais flexível, sem prejuízo da segurança e de o orientar para as actividades produtoras do bens, pareço não só conveniente, mas indispensável. Aliás, neste caso, já o Sr. Ministro das Finanças nos deu conta de que o problema se situa na primeira linha das preocupações do seu Ministério, tudo levando a crer que a reforma se não faça esperar.
No relatório da Lei de Meios para o exercício em curso deixaram-se algumas notas que esclarecem perfeitamente os objectivos que têm presidido ao estudo da reforma e ferem precisamente o âmago das questões.
Também uma reforma fiscal se impõe e suponho que a esse respeito não haverá divergências. Onde elas podem surgir é nos aspectos secundários a visar, pois quanto ao primário não me pároco que soja controverso dever ser o do desenvolvimento económico. Há neste capitulo algo a dizer, tanto mais que uma redistribuição dos rendimentos seria um método de aumentar, com efeito imediato, o consumo.
Mas há também outros objectivos a perseguir em matéria desta natureza, como sejam fins sociais, propiciar o investimento e combater as distorções na distribuição do rendimento nacional.
Dado que um dos propósitos centrais de uma reforma fiscal deverá ser o de contribuir para aumentar a propensão para investir, parece que todo e qualquer critério redistributivo estaria prejudicado. Só em certa medida assim acontece, porque, em grande parte, parece ser anacrónico o modelo histórico de formação do capital através da desigualdade acentuada da distribuição dos rendimentos, como observa Federico Caffe. Não se argumente com o facto de uma orientação deste tipo reduzir a propensão para investir, que, como se sabe, é fundão de muitas variáveis, entre as quais se conta o lucro, mas em que há muitas outras. Por outro lado, é conhecido ser a distribuição do rendimento muito menos igualitária nos países de economia subdesenvolvida do que nos de economia industrial madura.
Acresço a isto dever contar-se com um agravamento desta repartição, uma vez quo o crescimento económico, incidindo sobre bens-capital, deforma ainda mais a distribuição funcional da riqueza, tendendo a concentrá-la. Destes dois factos decorre a necessidade de a reforma fiscal procurar combater estas duas situações tão inconvenientes como anómalas.
Resta ainda considerar a vantagem, e mesmo a possibilidade, de operar uma intensa redistribuição, objectivo quo foi sedutor durante algum tempo, mas quo não ó tão fácil de alcançar como pode parecer e o comprova M relativo fracasso das experiências recentes nesta matéria.