DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 203 678
Ouso pensar que assim se pode resumir o objecto do aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa.
Se não tivesse tido outros méritos (e teve-os e muitos), o aviso prévio serviria, pelo menos, paira demonstrar à saciedade o baixo nível de vida em que nos acotovelamos em Portugal, e que, por isso mesmo, todos podem verificar.
Sem contestar, portanto, a verdade deste postulado, parece-me legítimo sujeitar a avaliação estatística a certas correcções inspiradas nas realidades da vida, que mais exacta ideia dão das verdadeiras dimensões do nosso bem-estar, de resto já por outros Srs. Deputados largamente apontadas.
As diferenças de clima e de cultura e o alto grau do auto-abastecimento que caracteriza o povo português podem em certa medida atenuar as diferenças que os índices estatísticos apontam, aproximando o nível médio de satisfações humanas do Português do nível médio de satisfações humanas daqueles estrangeiros que invejamos, ao que parece, podendo, porventura, afirmar-se que o povo português não é muito menos feliz ou muito mais infeliz do que essa gente lá de fora ..., e é, afinal, da felicidade humana que se trata em tudo isto.
Quando entramos no mundo impalpável da felicidade não temos maneira de fixar matematicamente dimensões, temos de contentar-nos, ao aquilatar o grau de felicidade, de felicidade relativa, com a nossa própria sensibilidade na observação directa do fenómeno.
Medir a felicidade pelo número de unidades de bens destruídos pelo indivíduo nos seus consumos é restringir a análise a uma das partes do complexo todo que constitui a felicidade humana.
Não devemos esquecer-nos de que estamos muito longe daquele grau de integração perfeita que, nivelando os povos e os indivíduos, torna legítimos os confrontos, e, mesmo assim, ficariam por ponderar as desigualdades que a diferença dos climas e a diversidade das vontades determinam.
Feitas estas reservas, acompanho o Deputado Daniel Barbosa na generalidade das suas conclusões quanto à imperiosa necessidade de melhorar o nível de vida material da população portuguesa.
O aviso prévio, pela vastidão dos problemas que agita e das soluções que sugere, constitui um verdadeiro programa de política económica.
Difícil se torna discuti-lo em consideração da simples experiência passada e do condicionalismo em que se desenvolveu a política e a planificação económica portuguesa nos últimos tempos.
Forçoso é considerar agora o novo condicionalismo criado pelos grandes espaços, onde ou com quem teremos de viver no futuro em apertado contacto.
Até certa altura planeou-se em função do limitado espaço metropolitano; depois, do mais vasto espaço luso-ultramarino. Agora que o aceleramento da integração e do crescimento económico do espaço nacional se impõe como um imperativo a que não poderemos já fugir, a política e o planeamento terão que formular-se em consideração do novo condicionalismo criado pela nossa posição dentro da comunidade luso-brasileira e o grau do nosso parentesco com o grande espaço europeu.
Por isso, as considerações que vou fazer sobre os problemas políticos quê o aviso prévio veio agitar e suo preocupação de todos terão em conta aquelas dominadoras realidades.
Os baixos consumos parecem ser a grande preocupação do autor do aviso prévio, pelo significado que têm na política do bem-estar e pelas suas funestas repercussões sobre o nosso crescimento económico.
Não creio, como ele, que o problema dos baixos consumos possa resolver-se com medidas isoladas ou unilaterais. O que está mal não é isto ou aquilo, o que está em causa é toda a estrutura económica.
Reconhecemos agora que o grau de artificialismo a que conduziu a economia portuguesa um século de desvios da ordem natural em obediência a políticas eivadas de romantismo nacionalista, quantas vezes instigadas por interesses ocultos, nos colocou perante uma situação insustentável ao transpormos o limiar da grande Europa.
Ignorámos sistematicamente o fenómeno da formação dos grandes espaços, ida formação continental, e agimos como se tivéssemos a soberania incontestada do nosso pequenino espaço económico.
Como os outros, percorremos toda a escala dos nacionalismos de um século que foi fecundo em variedades desta espécie.
E agora que a Europa tem de escolher entre o ser e o não ser, entre o princípio de uma economia sã s dinâmica ou a perdição, nós vemo-nos colocados diante de um dilema cruciante: transformar a fundo a nossa política económica ou elevarmos mais ainda as muralhas em que nos sepultamos.
Num século de lirismo económico fizemos da economia patriotismo e o celeiro de Portugal transformou-se numa figura de retórica.
E, no entanto, parece bem claro o caminho a seguir.
A população, a sua excessiva acumulação na metrópole, é, agora e sempre, o nosso grande problema.
Os excedentes populacionais têm pesado sobre a economia portuguesa desde tempos remotos da nossa história e estão à base da nossa expansão no Mundo. Determinaram-na e condicionam-na.
Sem um reajustamento quantitativo e qualitativo da população às necessidades da transformação racional da nossa economia, tudo o que fizermos será letra morta.
Se nos racionalizarmos ao nível do progresso tecnológico pouparemos mais mão-de-obra do que aquela que poderá ser reabsorvida na metrópole em novas actividades.
Será sobretudo na agricultura e no comércio que a racionalização e a mecanização maiores excedentes produzirão, precisamente os dois sectores da actividade nacional em que as possibilidades de reabsorção são mais limitadas. Com efeito, a agricultura e o comércio, no invés da indústria, não podem desdobrar-se indefinidamente em .novos produtos e serviços.
Que rumo dar, pois, aos excedentes populacionais? Como as coisas estão, a nossa política económica, dominada pela ideia de encontrar ocupação na metrópole para toda a nossa gente, tem tido que lançar mão de soluções que nem sempre são economicamente defensáveis e acabam por criar mais problemas do que os que foram chamadas a resolver. Nem conseguimos dar emprego permanente a todos os portugueses, nem elevar sensivelmente o nível de vida da generalidade da população. Realizámos, sim, certa redistribuição do rendimento nacional. Resta saber se não terá sido em grande parte à custa de determinados sectores populacionais, que nem sempre são os que têm mais para dar.
No reajustamento da população às necessidades de uma economia racionalizada em função do progresso técnico e do condicionalismo criado pelo aceleramento da integração europeia reside a condição basilar dessa mesma racionalização económica e do avanço tecnológico, sem os quais se não alcança o objectivo que parece dominar a generalidade dos propósitos: «melhor viver e maior solidez e estabilidade na estrutura