13 DE FEVEREIRO DE 1959 171
viúva D. Leonor, com a expressão a um tempo inteligente e triste, bondosa e firme, que devia ser a sua quando a pintaram a um canto do Panorama de Jerusalém ou na tábua da Chegada das Relíquias de Santa Auta á Igreja da Madre de Deus.
Entre a documentação iconográfica do sentimento que informou a criação das Misericórdias, que não eram apenas instituições de beneficência, mas confrarias preocupadas em realizar as catorze obras de misericórdia, avultam as representações numerosas, do mais diverso gosto artístico e da mais variada precedência, dessa devoção bem quinhentista que é a da Nossa Senhora das Misericórdias, a Virgem Madre de Deus, que sob o seu manto amplo e acolhedor protege os grandes e pequenos do Mundo e se encontra tanto nas pedras manuelinas do tímpano da Conceição Velha como na pintura envernizada dos estandartes das Misericórdias de Lisboa e de muitas outras terras do País.
A obra de benemerência, a obra de mecenatismo cultural (o quadro, o livro, a escultora!) de uma grande rainha, ficaram bem patentes nesta realização da Fundação Gulbenkian, que, um tanto à maneira da homenageada, se tem desentranhado em obras de bem-fazer e valiosas iniciativas, nos domínios da cultura, em Portugal e no estrangeiro. E só senti pena de que exposições como esta não pudessem de algum modo ser tornadas acessíveis a públicos mais numerosos que o da capital. Estou a pensar nos estudantes, não apenas das Universidades, mas também do ensino secundário, em lugares remotos da província, que não tem as oportunidades dos seus colegas lisboetas. Eis um aspecto a considerar no futuro.
Por agora, e seja como for, não regateemos os nossos louvores à benemérita Fundação Calouste Gulbenkian por mais esta mostra da sua já hoje impressionante actividade cultural.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: as minhas primeiras palavras são ainda de louvor para o Governo pelo reajustamento das condições de remuneração aos servidores do Estado.
Creio que esta Câmara, onde tantas vozes se ergueram na defesa de um aumento nos vencimentos e que em Dezembro aprovou o artigo 8.º da Lei de Meios para 1959, se congratula com a publicação do Decreto-Lei n.º 42 046 e restante legislação complementar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As providencias do Governo, efectuando a revisão na medida das disponibilidades orçamentais, merecem não só o vivo reconhecimento dos beneficiados, mas generalizado e caloroso aplauso público. Será, pois, justificado todo o realce político que se tenha pretendido extrair da nova situação, já que na sua base fortes razões morais e económicas a justificam.
Acentuou-se, por exemplo, que 80 por cento dos 60O 000 contos em que se traduzem os novos encargos do orçamento do Estado serão distribuídos por funcionários de modesto nível de vida. O «duplo drama dos que querem produzir e não encontram mercado e dos que querem consumir e não têm meios», a que só referiu oportunamente o Sr. Ministro da Economia, encontrou, nas medidas tomadas, um expediente que ajudará a atenuá-lo. Eis um motivo para que certos sectores da nossa produção se sintam indirectamente beneficiados, dada, pois, a orientação que boa parte dos referidos 600 000 contos tomará no circuito interno.
O País colheu, mais uma vez, a incontestável certeza de que as promessas do Prof. Oliveira Salazar se cumprem. Alegra-me constatar este facto, formulando votos para que aqueles a quem cumpre tirar do mesmo as necessárias ilações sejam fiéis à verdade.
É neste estado de confiança, Sr. Presidente, que aguardamos, com júbilo, as novas medidas sobre a assistência na doença e a construção de habitações para os servidores públicos.
Sr. Presidente: a temática da função pública reveste-se de uma extensão e complexidade de que o problema das remunerações é simples parcela.
Esta realidade, acentuada no relatório da proposta da Lei do Meios para 1959, faz apelo a soluções de conjunto, onde se equacionam todos os dados do problema.
Acontece serem escassos em Portugal os elementos que permitam estudos pormenorizados sobre a Administração. Este facto tem dificultado a tarefa dos reformadores, ao mesmo tempo que contraria um desenvolvimento eficaz das organizações.
Questões primárias, como a dos efectivos (na sua evolução quantitativa, repartição por classes ou relações entre o número de servidores e a população global) ou a das remunerações (na comparação do desenvolvimento dos seus índices com os do custo de vida, na percentagem das despesas administrativas face ao rendimento nacional, na dissecação do binómio salário-produtividade e no escalonamento relativo das várias classes), nem sempre se apresentarão fáceis aos nossos estudiosos. Temas de natureza sociológica, como o de desenvolvimento biológico da burocracia (com suas forças internas e externas), o da origem social dos funcionários, o do seu comportamento demográfico, o das suas tendências políticas ou até o dos seus hábitos (linguagem, vestuário, alimentação, relações pessoais, etc.), não têm sido entre nós objecto de pesquisas. Assuntos de interesse mais imediato, como o do combate à burocracia, com as possíveis opções entre a justiça ou a simplicidade, a equidade ou a eficácia, a unidade ou a fragmentação, reclamam urgentemente as melhores atenções.
Ora a indiscutível importância deste desdobrar da Administração sobre si própria impõe a criação de centros de estudo especializados no nosso país.
A projecção desta orientação revelar-se-ia, aliás, noutro aspecto que se me afigura essencial: o da formação e selecção dos servidores públicos.
Entramos assim no domínio das escolas especiais de administração. «O sistema que tende a transformar a função pública num vasto serviço social de recuperação - escreveu Sauvy (in La Bureaucratie) - é, na realidade, extremamente oneroso». Mais do que isso, afigura-se-me indispensável evitar a multiplicação de funcionários que, através de uma protecção generosa, chegam ao desempenho de lugares onde apenas os seduz a remuneração.
A formação directa de pessoal através das escolas especiais de administração constitui ainda expediente para melhoria de um aspecto nada despiciendo: o da técnica da eficácia administrativa.
Nem se diga que seríamos pioneiros em qualquer destas matérias. Pelos caminhos mais diversos e relativamente aos mais variados sectores, outros países têm feito o que não deixaria de nos convir.
Exemplifico com realizações de que beneficia a própria administração local: a cátedra de História de Paris, iniciada em 1903 por Mareei Poëte, originou na Sorbona o Instituto de Urbanismo. A criação, em 1907, do Instituto da Cidade de Nova Iorque iniciou um movimento de institutos de estudos municipais, logo estendido a todos os estados da União Americana.