176 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 71
É aos nacionais que o Estado, fundado nos imperativos que os laços do sangue e a conveniência social autorizam a proclamar, exige a maior soma de sacrifícios em ordem ao bem comum. Uma simples consideração de justiça bastaria, portanto, para legitimar a posição especial que os vários, textos constitucionais continuam ;i garantir aos nacionais, se o próprio exercício dos direitos políticos não reclamasse uma série de predicados que, sem o vínculo da nacionalidade, difícil será reunir nos indivíduos.
2. Interesse prático do instituto na esfera das relações subordinadas ao direito privado. - Não se julgue, porém, que o interesse prático do instituto da nacionalidade permanece circunscrito ao domínio restrito doa direitos políticos ou dos direitos públicos que os vários sistemas exclusivamente conferem aos nacionais e, nalguns casos especiais, apenas aos nacionais de origem.
A nacionalidade tem ainda reflexos - e muito importantes - nas próprias relações do foro privado.
Basta recordar que o estado e a capacidade dos indivíduos, em lugar de serem determinados ao sabor das leis vigentes no território onde em cada momento se acham fixados, são por muitos sistemas jurídicos (a principiar pela legislação portuguesa) regalados de harmonia com a lei nacional. Entende-se assim que a condição jurídica das pessoas não deve variar consoante a latitude em que acidentalmente su encontrem, para ser constantemente determinada segundo os princípios fixados pelo Estado a que o cidadão pertence. É à lei nacional que compete, dentro desses sistemas, fixar os limites da capacidade civil - o estatuto pessoal - de cada indivíduo.
Este simples apontamento de legislação, pela constante, e profunda repercussão que as matérias do Estado e da capacidade civil têm no domínio das relações em que as pessoas são chamadas a intervir, bastaria para mostrar a importância prática que para cada indivíduo assume, no desenvolvimento do comércio privado, a determinação da nacionalidade dos pessoas com quem contrata.
E não fica, aliás, por aqui, o relevo do instituto no domínio do direito internacional privado. É que são vários os tipos de relações jurídicas cuja disciplina o direito internacional privado de alguns países remete para a lei nacional de ambas ou algumas das partes. E também nesses casos interessa conhecer previamente a nacionalidade dos interessados, como forma de determinar a disciplina de fundo concernente à relação.
3. Critérios determinativos da nacionalidade: sedo própria da sua fixação. - O alcance prático que a matéria da nacionalidade reveste assim, quer no sector do direito político, quer na esfera das relações subordinadas ao direito internacional privado, deixa fàcilmente entrever a importância que tem para a colectividade a fixação dos critérios que presidem à distinção entre nacionais e estrangeiros e, bem assim, a conveniência de completar e aperfeiçoar a deficiente regulamentação do Código Civil relativa à aquisição e perda da nacionalidade portuguesa.
Poderá, entretanto, ser objecto de alguma estranheza o facto de o instituto ser deslocado do Código Civil, que até agora tem definido os termos em que se adquire ou perde a nacionalidade portuguesa, depois de a matéria haver sido primeiramente regulada nos textos constitucionais de 1822, 1826 e 1838.
A verdade, porém, é que o tema da nacionalidade interessa fundamentalmente ao direito público, pela especial projecção que tem, tanto na constituição do Estado como na organização política da comunidade, a distinção entre nacionais e estrangeiros; e por isso su não justifica a sua inclusão num simples texto de direito privado, como é o Código Civil.
Tanto mais quanto é certo estar hoje bastante esbatida a ideia, muito viva no período áureo da codificação, de fazer do Código Civil o repositório dos princípios básicos de todo o ordenamento jurídico nacional.
É certo que também se não regressa à orientação seguida até à publicação da Carta Constitucional e que consistiu em dar assento à matéria no próprio texto da Constituição.
Essa localização justificar-se-ia, sem dúvida, em face dos efeitos da nacionalidade. Mas não são apenas os efeitos, são também os pressupostos da aquisição ou da perda da nacionalidade, que principalmente se pretende regular; e estes, muito embora interessem grandemente ao direito político, prendem-se, no geral, com elementos do direito privado, cuja minuciosa disciplina, nas conexões que tem com o tema da nacionalidade, não deve sobrecarregar o texto da Constituição nem convém subordinar, em vista das suas possíveis alterações, à rigidez própria dos diplomas de carácter constitucional.
Esta é a dupla razão pela qual, seguindo a orientação traçada por algumas legislações mais recentes, se destaca a matéria da aquisição e perda da nacionalidade para um diploma especial, ao qual só se não dá, como noutros países se fez, a designação de Código da Nacionalidade pela justa noção das proporções que as coisas revestem e pelo respeito que aos próprios vocábulos parece devido.
4. Princípios fundamentais relativos à fixação da nacionalidade: posição adoptada no projecto. - São variadíssimas, como todos sabem, as regras fixadas pelos vários países relativamente à fixação da nacionalidade; mas todas gravitam, no geral, em torno de dois critérios fundamentais.
O primeiro consiste em atribuir ao indivíduo, nasça onde nascer, a nacionalidade dos progenitores: é o critério chamado do ius sanguinis.
O segundo atribui ao indivíduo a nacionalidade do lugar do nascimento, nasça de quem nascer: é o critério do ius soli.
Na prática, porém, nenhum dos Estados civilizados adopta qualquer destes princípios em toda a sua rigidez.
Os vários sistemas estabelecidos traduzem antes uma combinação dos dois critérios, com preponderância, mais ou menos vincada, ora de um, ora de outro.
Como regra, pode dizer-se que se inclinam para o critério do ius sanguinis, na definição da nacionalidade, os países mais antigos, de forte densidade demográfica e de solo mais empobrecido, cujos recursos naturais não cobrem já convenientemente as necessidades da população. Adoptam, preferentemente, o princípio do ius soli os Estados novos, de reduzida população originária e com imensos recursos naturais ainda por explorar.
Os primeiros pretendem fundamentalmente manter vinculadas à mãe-pátria as suas fortes correntes migratórias, garantindo assim ao Estado «um potencial humano superior àquele que os seus recursos normalmente consentiriam» (cf. Dr. Taborda Ferreira, A Nacionalidade, pp. 81 e 82). Os restantes querem, acima de tudo, integrar nas novas nacionalidades as colónias de imigrantes que as necessidades da vida fixaram no seu território.
Afastando-se um pouco dessa linha geral de orientação, o Código Civil consagrava já um sistema de carácter misto, no qual se concedia alguma preferência ao critério do ius soli. Mas, com as fortes restrições que limitam esse critério, o sistema básico da lei civil