178 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 71
Segundo o regime fixado no Código Civil, a mulher estrangeira que casasse com cidadão português adquiriu a nacionalidade portuguesa (artigo 18.º, n.º 6.º), tal como perdia a nacionalidade anterior a mulher portuguesa que casasse com estrangeiro, salvo se, pelo facto do casamento, não adquirisse a nacionalidade do marido (artigo 22.º, n.º 4.º).
É uma orientação fortemente influenciada pela ideia da unidade nacional dos cônjuges, a qual tem, na verdade, vantagens de vária ordem, como a de os cônjuges estarem subordinados à mesma lei pessoal (nos sistemas jurídicos em que o estatuto pessoal é o da lei nacional) e de assim se eliminar uma fonte possível de graves conflitos de leis.
O presente diploma inclina-se, porém, para uma solução menos rígida do que a anterior.
Sem desconhecer as vantagens que oferece a unidade nacional dos cônjuges, o novo articulado adopta um regime bastante maleável, que, favorecendo embora a realização daquele objectivo, não deixa de tomar também na devida conta o legítimo e compreensível desejo que a mulher casada pode ter de continuar adstrita ao vínculo que a prendia à mãe-pátria.
Assim é que a mulher estrangeira que casa com cidadão português adquire, em princípio, a nacionalidade portuguesa; é-lhe, porém, lícito renunciar a essa aquisição desde que prove não perder, pelo simples facto do casamento com português, a nacionalidade que anteriormente possuía.
Da mesma sorte se reconhece a mulher portuguesa que casa com estrangeiro a faculdade de manter a nacionalidade originária, não só no caso de não adquirir, pelo facto do casamento, a nacionalidade do marido (excepção já prevista na legislação anterior), como ainda na hipótese de querer conservar a nacionalidade portuguesa.
Estas soluções padecem, sem dúvida, do ponderoso inconveniente de criarem nalguns casos uma dualidade de leis pessoais dentro da sociedade conjugal. Mas têm, em compensação, a vantagem de respeitar a vontade individual, num domínio que transcende os interesses da própria família.
E acrescenta-se, de resto, que a possível dualidade de leis pessoais dentro da mesma sociedade familiar já encontra precedente dentro do próprio Código Civil, na hipótese de a mulher portuguesa ser casada com português que entretanto se naturalizasse como cidadão de país estrangeiro.
7. Continuação. - Sendo nulo ou anulável o casamento com base no qual a mulher estrangeira adquiriu a nacionalidade portuguesa, a declaração de nulidade do matrimónio deveria, lògicamente, arrastar consigo a perda dessa cidadania: e essa é, de facto, a solução adoptada pela lei francesa em relação à estrangeira que casa com cidadão francês (artigo 42.º do Code de la Nacionalité).
A perda da nacionalidade adquirida com o casamento e o consequente tratamento como estrangeira pode representar, contudo, uma situação dura e injusta para a mulher, sobretudo se, tendo contraído o casamento de boa-fé, houver filhos do matrimónio que conservem a nacionalidade ou ela se houver integrado já, de facto, na comunidade portuguesa.
À falta de um índice que melhor exprima esta possível integração na colectividade nacional a que pertencia o marido, a proposta elegeu para o efeito a conservação do domicílio em Portugal, dando assim à interessada a faculdade de manter a cidadania portuguesa, não obstante a anulação do matrimónio, enquanto estiver domiciliada em território português.
8. Causas de perda da nacionalidade. - Também no capítulo de perda da nacionalidade se introduzem algumas modificações no direito vigente que importa assinalar.
Eliminam-se das causas de perda da nacionalidade algumas circunstâncias - v. g. a aceitação de condecoração de qualquer governo estrangeiro sem licença do Governo Português - que não têm, sobretudo com a intensificação das relações externas dos vários países nos dias de hoje, uma gravidade capaz de justificar a violência da sanção prevista no Código Civil.
Em contrapartida, procura-se garantir a aplicação efectiva dessa sanção para os casos que verdadeiramente justificam a perda da cidadania, como sejam aqueles em que o cidadão português aceita funções públicas de Estado estrangeiro ou presta serviço militar a uma potência estranha.
Advirta-se, entretanto, que a perda da nacionalidade com fundamento em semelhantes circunstâncias apenas se aplica, à luz do pensamento que a inspira, aos cidadãos que sejam somente portugueses, e não àqueles que, sendo portugueses, sejam simultâneamente considerados nacionais do Estado a quem prestam serviço militar ou a cujo funcionalismo público chegam a pertencer.
É certo que a inaplicabilidade da sanção aos cidadãos binacionais poderá dar lugar a situações chocantes, como aquela de poder um português-estrangeiro conservar a nacionalidade portuguesa depois de haver pegado em armas, como soldado do exército de outro Estado, contra as forças militares portuguesas. Mas é precisamente para colocar nas mãos do Governo a possibilidade legal de afastar situações desse género que a base XX concede ao Conselho de Ministros a faculdade de decretar a perda da nacionalidade portuguesa aos portugueses havidos também como nacionais de outro Estado que, do facto, se hajam comportado apenas como estrangeiros.
Na definição da causa principal de perda da nacionalidade adoptou-se, deliberamente, uma fórmula de sentido mais amplo do que a consagrada no direito em vigor.
Segundo o texto do Código Civil, perde a qualidade de cidadão português é que se naturaliza em país estrangeiro (artigo 22.º, n.º 1.º). A proposta alude antes ao que voluntàriamente adquira a nacionalidade estrangeira, para abranger, além da naturalização em país estrangeiro, outros casos em que o cidadão português voluntàriamente adquira ou readquira a cidadania estrangeira. Como exemplos típicos destoutros casos podem referir-se o da mulher estrangeira que, havendo adquirido pelo casamento com português a nacionalidade portuguesa, readquira mais tarde, após a dissolução do matrimónio e por efeito de declaração voluntária, a nacionalidade de origem e ainda o do estrangeiro, naturalizado português, que posteriormente readquira também, por meio de declaração de vontade adequada, a cidadania originária.
9. Considerações finais. - São numerosas as disposições que neste diploma se destinam a alterar ou a completar o direito vigente, nomeadamente em matéria da filiação e de efeitos da naturalização, e que ficam ainda por comentar. Muitas delas são, porém, disposições de menor relevo; outras correspondem a orientações já sustentadas pelos serviços competentes, como formas de integração necessária da legislação em vigor. Outras encontram a sua justificação no douto parecer da Câmara Corporativa, já ouvida sobre a matéria.
Das sugestões apresentadas pela Câmara ao apreciar o primitivo projecto de decreto-lei elaborado pelo Governo duas importa destacar. Uma é a necessidade