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11 DE DEZEMBRO DE 1962 1367

E triste dizê-lo, mas vê-se claramente que a intenção não era a de proteger as indústrias que pudessem vir a instalar-se no ultramar; era a defesa da indústria metropolitana, pois não pode duvidar-se que a maior preocupação do legislador era a de definir as indústrias que convinha que se instalassem nas colónias, precisamente aquelas que não viessem porventura concorrer com a indústria da metrópole.
Foi lamentavelmente estreita esta maneira de encarar problema de tanta importância, impedindo-se o ultramar português de criar e desenvolver uma indústria que tão útil poderia ter sido à Nação. Útil sobretudo na ocupação demográfica dos nossos vastos territórios ultramarinos, que facilmente poderiam ter assim absorvido os 337 906 emigrantes portugueses que, no decénio de 1951 a 1960, deixaram a metrópole e as ilhas adjacentes para se fixarem no estrangeiro.
Vem de longa data o receio da metrópole de que lhe faltem mercados onde possa colocar o excedente da sua produção industrial, pelo que sempre tem procurado a colocação desses excedentes ao abrigo de proteccionismos aduaneiros e outros nos mercados do nosso ultramar. Mas a verdade é que a metrópole conta, e pode contar, com o seu próprio mercado continental e insular, com mais de 9 000 000 de consumidores, cuja capacidade de aquisição aumenta gradualmente à medida que as suas condições económicas melhoram. E um mercado em nada inferior em capacidade de absorção, desde que o nível económico da sua população seja melhorado, aos mercados de que dispõem muitos outros países da Europa muito mais industrializados, como sejam, por exemplo, a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a Suíça, a Holanda, a Bélgica, etc., e que não possuem territórios ultramarinos.
Moçambique, quando muito, terá de fazer prosperar e desenvolver a sua indústria contando apenas com o mercado que lhe oferecem os seus 6 600 000 habitantes, grande parte dos quais ainda com pequena capacidade de aquisição, mas, mesmo assim, não alimenta receios quanto ao êxito que espera das suas iniciativas industriais.
O industrial metropolitano tem oposto resistência, muitas vezes, ao desenvolvimento da indústria no ultramar. Veja-se o que disse a este respeito o engenheiro A. B. Ramalho Correia no seu trabalho intitulado A instalação de indústrias em Moçambique alimentará as relações económicas com a metrópole, cujas palavras oportunas a seguir transcrevo:
O industrial metropolitano, em geral, tem-se oposto à industrialização de Moçambique, mesmo reduzida como tem sido.
Justificar-se-á a afirmativa com alguns exemplos. Em 1948 as autorizações dadas a uma província ultramarina para a instalação das indústrias de extracção de óleos e sabões foram objecto de exposição dos mais importantes industriais metropolitanos, argumentando-se que, com elas, se:
a) Consubstancia a negação dos princípios da solidariedade e coordenação enunciados no artigo 5.º do Acto Colonial;
b) Traduz um ataque aos interesses nacionais, que a lei expressamente procura salvaguardar e defender.
E escreveu ainda o mesmo autor um pouco mais adiante no seu referido trabalho:
Em 1952, para protecção da indústria moçambicana foi condicionada a importação de camisas, só a permitindo a quem provasse ter-lhe adquirido um mínimo de 20 por cento do valor das camisas, do mesmo tecido, a importar. Suspendeu-se também a importação de fatos (camisa e calção) ou fardamentos para trabalhadores indígenas.
Pois bem, esta medida, que favorecia até a tecelagem metropolitana, natural abastecedora da indústria da província, foi objecto de exposição da Associação Industrial Portuense, que a transcreveu no seu órgão (n.º 394, Outubro de 1952), e onde se dizia que se consideravam as restrições como «lesivas dos legítimos interesses da indústria e do comércio da Nação».
Estas palavras foram escritas por alguém que tem ocupado e ocupa posições de muito relevo na vida de Moçambique e que conhece profundamente os problemas relacionados com a sua indústria.
Veja-se ainda, a propósito da transcrição que acabei de fazer, o que disse recentemente a mesma Associação Industrial Portuense ao dar o seu parecer «sobre o projecto de diploma versando a livre circulação de mercadorias e o sistema de pagamentos inter-regionais no espaço português».
Respigo desse parecer, em primeiro lugar, o seguinte parágrafo:
No que toca aos aspectos da dimensão, também aqui se sublinham os receios de importantes sectores industriais, já preocupados com a desproporção da capacidade de produção para o consumo, em face da viabilidade da concorrência das indústrias instaladas ou a instalar no ultramar (têxteis e calçado, por exemplo).
No que respeita à indústria têxtil, reservo os comentários a fazer para uma próxima oportunidade, em que tratarei do assunto com maior largueza, já que não quero tornar esta intervenção mais extensa. Mas não posso deixar de referir-me à indústria de calçado, cujas possibilidades de desenvolvimento em Moçambique são das mais promissoras.
A província possui toda a matéria-prima para o abastecimento desta indústria e um mercado de consumo em potência, no qual podem descansar as nossas melhores esperanças. E das indústrias cuja evolução, desde a matéria-prima na sua origem até ao momento em que o calcado sai das mãos do operário, apresenta um dos aspectos mais interessantes. Moçambique possui os bovinos que fornecem as peles, possui a indústria de salga das mesmas peles (assinalemos aqui, entre parêntesis, que Moçambique é, de todo o ultramar português, a região que tem apresentado na metrópole os couros secos e salgados de melhor qualidade), possui uma indústria de curtumes em franco desenvolvimento técnico, com fábricas apetrechadas ou em via de se apetrecharem com as mais modernas máquinas que existem para aquela indústria, fabricando produtos cuja qualidade não receará, em breve, à concorrência com o que de melhor se fabrica no estrangeiro, e possui ainda, além de dezenas de pequenas oficinas de fabrico manual, três fábricas, em Lourenço Marques, com organização técnica e equipamento fabril capazes de desenvolverem uma grande indústria de calcado.
Não receio o epíteto de optimista ao dizer que as indústrias de curtumes e de calçado em Moçambique poderão, no futuro, reflectir-se poderosamente na sua vida económica.
Vejamos, a título de curiosidade e por se tratar de um país vizinho de Moçambique, o que se passa com as indústrias de curtumes e de calçado da República da África do Sul.