1370 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57
É com tristeza que profiro estas palavras, pois a verdade é que não me move qualquer má vontade contra a laboriosa classe industrial da metrópole, pela qual tenho o maior apreço e respeito e em cujo seio conto até amigos dos mais dilectos. Mas atraiçoaria indignamente o espírito desta minha intervenção se não usasse aqui de toda a minha franqueza e não utilizasse a linguagem clara e verdadeira que anima os homens, como eu, sempre prontos a colaborarem no engrandecimento da Pátria.
Preceitua o artigo 4.º do já citado Decreto n.º 26 509 que «será recusada autorização para em determinada colónia se instalar ou reabrir qualquer estabelecimento industrial ... sempre que na metrópole ou nessa ou noutra colónia existam estabelecimentos industriais fabricando o mesmo produto que se propõe fabricar o estabelecimento cuja instalação ou reabertura se requer ...».
Este é um princípio de condicionamento que a boa lógica e a preocupação nacional do desenvolvimento rápido do ultramar português não poderão permitir que se mantenha com força de lei. impondo drasticamente que numa província ultramarina não possa instalar-se ou sequer reabrir «qualquer estabelecimento industrial» sempre que na metrópole ou noutra província ultramarina existam estabelecimentos que fabriquem os mesmos produtos.
O condicionamento industrial é prática aconselhável e até, em certos casos, indispensável, mas apenas quando esse condicionamento se refira exclusivamente ao território de uma única província ultramarina, isto é, não extensivo a todo o espaço português.
É defensável o condicionamento industrial dentro de uma província ultramarina (doutrina aliás fixada pelo referido artigo 4.º), pois não se compreenderia que, neste caso, as licenças para a abertura de novos estabelecimentos industriais fossem concedidas de forma desregrada e que, por exemplo, novas unidades fabris viessem concorrer com fábricas já existentes, de modo que nenhuma pudesse sobreviver e daí resultasse não a valorização económica que se deseja, mas a ruína e a falta de confiança em futuros empreendimentos.
A Nação só poderá ser realmente forte e próspera se forem prósperas e fortes todas as parcelas que a constituam. Mas será irremediavelmente fraca e pobre se também forem pobres e fracas essas mesmas parcelas. Embora os diversos territórios portugueses espalhados pelo Mundo se encontrem dispersos geograficamente, há uma verdade que não aceita contestação: é que todos esses territórios estão fortemente ligados pelo espírito da nacionalidade. São todos territórios portugueses, parcelas da mesma nação, mas nem todos eles têm os mesmos problemas económicos.
Estabelecer, portanto, um condicionamento industrial que abranja todo o espaço português, isto é, colocando no mesmo nível a metrópole, as ilhas adjacentes e as províncias ultramarinas, criará problemas graves de ordem económica, impedirá o desenvolvimento de certas parcelas do território nacional e enfraquecerá, consequentemente a Nação. Fará sangrar a ferida do descontentamento das populações das nossas províncias ultramarinas, pois fácil é compreender que um condicionamento dessa natureza se reflectirá prejudicialmente no desenvolvimento industrial dessas mesmas províncias.
Insisto, portanto, na doutrina que entendo ser justa: pode haver - e deve mesmo haver - condicionamento industrial dentro do espaço de uma única província ultramarina, para que ela possa desenvolver-se e desabrochar num aproveitamento total de todas as suas possibilidades económicas, sem que umas actividades atropelem as outras, mas não pode haver um condicionamento industrial, injusto e antieconómico, que impeça parcelas do território nacional de instalar determinadas indústrias, com todas as possibilidades de êxito e para abastecimento das suas próprias populações, só porque essas mesmas indústrias já se encontram instaladas noutras parcelas da Nação.
Constava em Moçambique, à data em que estas linhas foram escritas, que organismos da metrópole estavam a proceder ao estudo das bases em que deveria assentar um plano de condicionamento industrial de todo o espaço económico português.
Como de costume em circunstâncias semelhantes, o que é sempre de lamentar, não houve o cuidado de consultar sobre tão momentoso assunto as entidades oficiais da província, nem as suas associações económicas. Umas e outras teriam certamente dado contribuição de apreciar.
E chegaram-nos até rumores que nos encheram de preocupação: parece pretender-se insistir no princípio - errado e anacrónico - de se criar um condicionamento que impedirá a instalação no ultramar de indústrias que visem a produção de artigos que já sejam fabricados na metrópole.
Não quero acreditar que tal determinação seja possível e que o Governo Central consinta em promulgar medida que tanto ferirá a população de Moçambique e dos restantes territórios ultramarinos.
O problema precisa de ser encarado segundo um princípio que faculte o desenvolvimento industrial de Moçambique de acordo com a capacidade de consumo que o seu mercado interno for permitindo e ainda, em certos casos, das perspectivas oferecidas pelo próprio mercado de exportação. Outra política económica, que siga caminho diferente, não será certa, pois criará desgostos e, o que é pior ainda, impedirá a província de desenvolver-se, como é justo que aconteça e representa uma das suas mais legítimas aspirações.
Tem que se concluir, em face das circunstâncias verificadas, que o Decreto n.º 26 509 precisa de ser revogado e substituído por legislação da própria província que regule a instalação de novos estabelecimentos industriais.
Esta é uma das formas de descentralização administrativa que Moçambique pede ao Governo Central; que lhe seja concedido o direito de poder deliberar livremente sobre as indústrias que devem ser instaladas no seu território, sem que tenha de ser ouvido o Ministério do Ultramar ou outro qualquer organismo situado na metrópole. E faz este pedido consciente e certa do impulso que assim poderia ser dado ao crescimento e expansão da sua vida em todos os campos de actividade, nomeadamente no da sua ocupação demográfica, cuja necessidade é inútil encarecer.
O Decreto n.º 26 509 foi publicado há 27 anos. Pode facilmente calcular-se o prejuízo enorme que causou, em tão longo período, ao desenvolvimento industrial de Moçambique e, portanto, no desenvolvimento da sua economia, que outra seria hoje certamente se outra tivesse sido a visão acerca dos nossos problemas ultramarinos.
Esta é uma intervenção feita com intuitos construtivos.
Não seria meu desejo que se visse nas palavras que acabei de proferir outra intenção que não fosse o objectivo são e honesto de procurar o progresso e a prosperidade para uma das mais esperançosas parcelas da Nação Portuguesa, onde se fala a mesma língua que falam os nossos irmãos da metrópole, onde se acarinham as mesmas tradições que se cultivam do Minho ao Algarve e onde, devotada e orgulhosamente, nos debruçamos sobre as mesmas páginas da história que conta a epopeia do que era um pequeno povo de pouco mais de 1 milhão de intrépidos lutadores no tempo das Descobertas, mas que conseguiu