11 DE DEZEMBRO DE 1962 1369
laborem matérias-primas que a colónia onde se vão instalar não produza».
Nada mais injusto e prejudicial. É fácil calcular o enorme prejuízo que esta disposição tem causado ao desenvolvimento industrial de Moçambique. A ida do processo à metrópole, com todas as consequentes demoras, tem causado a desistência de muitos pedidos para a instalação de indústrias que hoje poderiam ser belas realidades e muito contribuiriam para o progresso da vida económica da província.
Vejamos sumariamente os trâmites que segue, depois de deixar Moçambique, um pedido de instalação de indústria que pretenda laborar matérias-primas que a província não produza. O processo é remetido, em primeiro lugar, à Direcção-Geral de Economia do Ministério do Ultramar para efeitos de informação; em seguida, é enviado, para parecer, ao Conselho Ultramarino, e, finalmente, para despacho, ao Ministro do Ultramar.
Até aqui tudo correria normalmente se não surgissem, em certos casos, incidentes que podem provocar a demora na decisão a tomar. Sucede, por vezes, que os elementos constantes do processo não satisfazem à Direcção-Geral de Economia ou ao Conselho Ultramarino, o que redunda na devolução do mesmo a Moçambique. Há processos que, por aquele motivo, chegam a ser devolvidos à província duas vezes. Um processo pode, portanto, perder dois anos (e isto tem acontecido com frequência) antes que no mesmo recaia o despacho definitivo. Mas se o pedido envolver interesses relacionados com indústrias metropolitanas, então estes prazos podem contar-se por muitos anos, como aconteceu, por exemplo, com o pedido para a instalação da indústria de fósforos em Moçambique, que foi apresentado, pelo primeiro pretendente, em 1951, e sobre o qual só agora, no mês de Agosto último, decorridos onze anos, foi tomada uma decisão.
Foi verdadeiramente desanimador o que aconteceu, em variadas e complicadas andanças, aos dez pedidos para a instalação desta indústria que foram sucessivamente dando entrada na repartição competente. Por fim, o Ministério do Ultramar chegou mesmo a sugerir que sé considerasse a hipótese de os dez interessados se constituírem numa sociedade para a exploração da indústria. Mas o pior é que ao longo de tantos e demorados anos de triste expectativa, o entusiasmo de uns tinha esmorecido completamente e outros tinham até acabado por morrer!
Este é um dos aspectos desencorajadores a que ficam sujeitos os pedidos de instalação de indústrias no ultramar que pretendam laborar matérias-primas que as respectivas províncias não produzem.
Quantas indústrias Moçambique tem irremediavelmente perdido por causa da formalidade de as autorizações terem de ser concedidas pelo Ministro do Ultramar!
Tivesse, no caso apontado, a autorização dependido exclusivamente do governador-geral da província e há muito que teríamos em Moçambique uma indústria fosforeira, mau grado a concorrência que pudesse porventura fazer à indústria similar da metrópole, que, de resto, dispõe, na própria metrópole, de um bom mercado para a venda da sua produção.
Entretanto, a província continuou a importar fósforos, em grande parte de origem estrangeira, tendo as suas importações, nos últimos dez anos, atingido a cifra impressionante de 54 600 contos. Deste número, apenas couberam à metrópole 6713 contos.
Há que concluir, sem qualquer outro fim que não seja o de sermos lógicos, que a obrigatoriedade de os pedidos para a instalação de indústrias terem de vir à metrópole tem causado a Moçambique enormes prejuízos para o desenvolvimento da sua economia. Outro seria hoje o panorama da sua indústria se tal obrigatoriedade não constituísse uma disposição do referido Decreto n.º 26 509.
Outro exemplo sobre o qual podemos também fazer recair a nossa atenção foi o que se passou com a nova indústria de tintas de Moçambique, cuja fábrica iniciou, há poucos meses, a sua laboração próximo da cidade de Lourenço Marques.
Neste caso, a atitude tomada por uma fábrica de tintas da metrópole, no sentido de aniquilar a actividade da fábrica moçambicana, mostrou claramente e de forma insofismável a mentalidade exclusivista que ainda domina um grande sector da indústria metropolitana.
A fábrica de tintas de Lourenço Marques foi autorizada pelo governador-geral de Moçambique, porque se indicou, no pedido de instalação, que laboraria matérias-primas produzidas na própria província. Por este motivo, o respectivo processo não teve que ser enviado à metrópole para efeitos de autorização, por esta ser da competência atribuída ao mesmo governador-geral.
Sucedeu, porém, que, no início da sua laboração, precisou de importar algumas matérias-primas, por a província ainda as não produzir todas, embora possa vir a produzi-las, como sejam, por exemplo, o óleo de aleurites (planta que já cultiva), certos látex e corantes minerais.
Ora a referida fábrica de tintas da metrópole tem reclamado insistentemente contra a nova fábrica de Lourenço Marques, alegando que ela não labora matérias-primas produzidas na província e invocando o que a tal respeito dispõe o Decreto n.º 26 509. Serve-se da doutrina preceituada por aquele, na parte que visa a protecção da indústria metropolitana, para procurar aniquilar uma indústria honestamente estabelecida em terra que também é portuguesa e fundada por portugueses.
Essa boa gente de Moçambique, que acredita profundamente nas grandes possibilidades económicas da sua província e que na sua indústria tem investido o produto das suas economias, ganhas com o esforço honrado do seu trabalho, não deve ser tratada desta maneira injusta, sob pena de vir a perder toda a fé no trabalho de ocupação económica que está realizando numa parcela portuguesa que hoje representa uma das mais lídimas esperanças da Nação.
Antes de terminar a citação destes exemplos, quero ainda referir-me, em breves palavras, a um outro caso que me chocou profundamente. Os plantadores de sisal de Moçambique requereram, em Maio de 1960, licença para instalar naquela província uma cordoaria mecânica. Pois alguns fabricantes de cordas da metrópole, ao terem conhecimento deste facto, apresentaram imediatamente queixa à Fidurop (Interfederal Body of European Hard Fibre Spimiers), que é uma associação internacional dos cordoeiros europeus, com sede em Zurique, pedindo-lhe que protestasse contra a decisão tomada pelos ditos plantadores, mesmo que tivesse de recorrer à ameaça de que nenhum seu associado compraria, se persistissem na sua decisão, um único fardo de sisal de Moçambique!
Os cordoeiros nacionais cumpriram rigorosamente a ameaça que fizeram por intermédio da Fidurop, embora não exista ainda em Moçambique qualquer cordoaria. Com efeito, as exportações de sisal moçambicano para a metrópole, que tinham sido, em 1959, de 7319 t, caíram bruscamente para 2926 t em 1960 e 2538 t em 1961!
Parece-me que não é preciso fazer qualquer comentário ... A historia é, só por si, suficientemente elucidativa e mostra tristemente que, em matéria ultramarina, há portugueses que, em certas circunstâncias, se esquecem de que a resolução das nossas questiúnculas domésticas não deve ser entregue a organismos internacionais.