19 DE MARÇO DE 1963 2123
parecem aproveitá-los com justiça. Tomando por base um critério de exagerada rigidez, a eliminação dos quadros activos é imposta a briosos profissionais, mesmo que tenham sido feridos em campanha e quando ainda poderiam manter-se no desempenho de funções que dispensassem total e perfeita constituição física.
Se estes indivíduos apresentarem boa saúde e tiverem os necessários conhecimentos técnicos, pode suceder que continuem aptos a cumprir certos cargos tão bem como os seus camaradas da mesma patente que não se encontram fisicamente diminuídos.
De resto, em face do êxito dos modernos métodos de readaptação, ninguém hoje afiança que a destreza e o desembaraço sejam sinónimos de uma compleição sem falhas, antes sim de treino apropriado e perseverante.
O Estado não deve desprezar o valioso capital humano constituído por profissionais já formados: deste modo, nem desperdiça intelectos que representam potencialidade para desenvolver conhecimentos especializados já adquiridos, nem afasta comprovadas vontades de servir numa carreira voluntariamente escolhida.
O princípio que vigora não resolve com equilíbrio e é, ao mesmo tempo, injusto e esbanjador: injusto, porque fere com desdém os que cumpriram, tantas vezes acima do dever; esbanjador, porque admite a contingência de afastar alguns militares de elevado mérito. Além disso, parece-me um princípio inoportuno e inadaptável ao estado de guerra que nos foi imposto.
Todos os profissionais que se sacrificaram no cumprimento dos seus deveres militares e se apresentam fisicamente diminuídos não devem ser retirados do activo desde que possam continuar a satisfazer em determinadas funções inerentes ao seu grau hierárquico; e, se puderem desempenhar certos cargos próprios de graus hierárquicos mais elevados, nem mesmo lhes deverá ser vedado o respectivo acesso.
E possível que tenham de ser dispensados de algumas condições normalmente exigidas e relativas à capacidade física; mas nos cursos ou estágios podem - como todos os outros - dar provas do seu valor intelectual e dos conhecimentos militares necessários para ascenderem aos postos superiores.
Como se verifica, não defendo a capa desprestigiante de uma velada tolerância; mas também me repugna, quando se possa evitar, essa não menos desprestigiante «expulsão» do serviço activo ou mudança compulsiva de quadro de actividade.
Sr. Presidente: vou agora produzir alguns reparos às normas legais que regulam a concessão e o valor das pensões de reforma extraordinária e das pensões de invalidez. Em meu entender, apresentam flagrantes anomalias.
Verificam-se certas diferenças, quanto a mim inadmissíveis, entre o pessoal militar permanente e o pessoal não permanente em efectividade de serviço nas tropas.
Ao contrário do que sucede para o pessoal permanente, não se prevê a atribuição de pensões aos milicianos que fiquem «inábeis» por causa «de moléstia, ferimento ou mutilação resultante da prática de algum acto humanitário ou de dedicação à causa pública», nem se prevê também quando a inabilidade resulte de «moléstia contraída no exercício das suas funções militares ou por motivo do seu desempenho».
No último caso, mesmo para o pessoal do quadro permanente, a reforma extraordinária só é possível após dez anos de serviço.
Dadas as características da luta em África, discordo do preceito que impõe esta premissa; assim como classifico de pouco razoável o critério excepcional aplicado aos milicianos, nos casos específicos que venho de citar.
Integrada no Decreto-Lei n.º 28 404, há uma regra em vigor exigindo como condição necessária para se concederem pensões a cabos e soldados a reconhecida «incapacidade de angariarem os meios de subsistência pelo seu trabalho».
Contudo, é frequente encontrar-se um mutilado com certas limitações na aptidão para trabalhar, muito embora não chegue a atingir uma incapacidade tal que o iniba de obter os proventos necessários à vida.
Em casos deste género deveriam ser atribuídas pensões correspondentes aos diferentes graus de invalidez, o que, aliás, constitui o princípio justo e admitido na lei para todos os restantes militares.
Julgo-me dispensado de outros comentários sobre o assunto. Quanto a mim, a norma que se aplica apenas aos cabos e soldados deve ser pura e simplesmente abolida.
Não tranquilizaria a minha consciência se terminasse esta exposição sem levantar o véu de um dos mais cruciantes de todos os problemas relativos a mutilados e inválidos de guerra: quero-me referir aos quantitativos das suas pensões.
De uma maneira geral, o quadro é sombrio: aqueles que seguiam a carreira militar e se viram afastados dela passaram a receber uma pensão praticamente estagnada, que lhes impõe, pelo menos, obrigatória paragem numa vida de esperanças; e os que atingiam a honrosa maioridade de cidadania, pelo cumprimento dos seus deveres nas forças armadas, sofreram as indesejáveis consequências da guerra sem que recolham magnânima recompensa além do orgulho de terem servido, de forma exemplar, a sua pátria.
Mas, entre todos, merecem especial atenção os soldados, em virtude de o valor das suas pensões ser incrivelmente baixo. A situação destes homens parece-me assustadora. Para a classificar podia ter usado outros adjectivos talvez mais próprios, mas que lhe dariam, porventura, o inoportuno realce das verdades escandalosas.
Está certo, Sr. Presidente, o princípio em que assentam os preceitos legais estabelecidos para o cálculo das pensões, já que ele se baseia - e bem - nos vencimentos dos pensionistas quando começaram a receber assistência.
O que torna a solução encontrada ridiculamente dramática pela fatalidade dos seus resultados é ter-se chegado um dia a aceitar que o simples pré de um soldado corresponde à efectiva compensação do serviço feito; e, além disso, considerar-se que o Estado pretendeu, deste modo, estabelecer um vencimento, tal como faz para todos os outros funcionários.
Esqueceram-se, assim, dois aspectos importantíssimos do problema.
O primeiro é que o pré não passa de uma simbólica quantia dada a quem cumpre um serviço obrigatório. Por isso não pressupõe aceitação prévia das condições de remuneração, quer tácita, quer expressa, por parte dos indivíduos que o recebem; e seria até burlesco afirmar-se que o quantitativo do pré atraiu ou reforçou a vontade deles para se apresentarem nas fileiras.
O segundo aspecto é que o pré não equivale, realmente, à efectiva compensação do serviço prestado. Com efeito, os soldados recebem todo um conjunto de facilidades, que é bom lembrar aqui: recebem alimentação, recebem alojamento,- recebem vestuário e calçado, recebem tratamento e recebem o pré. E ainda o próprio Estado admite que tudo isto não chega quando lhe acrescenta outros abonos complementares acumuláveis. E o caso da «ajuda de custo de embarque», do «vencimento complementar», da «subvenção de campanha» e da «subvenção de família» para homens mobilizados em serviço no ultramar.