4018 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 162
figurar na nova orgânica, por força das mossas necessidades e também das nossas limitadas possibilidades e por imperativo das modernas características dos -serviços de saúde, como elemento preponderante do sistema. Os meios financeiros de que carece são menos vultosos que os da medicina curativa e, além disso, quanto mais investirmos na primeira menos teremos de gastar em hospitais e centros de reabilitação.
A extensão e o aperfeiçoamento funcional dessa medicina preventiva tem "como objectivo final, embora longínquo, a redução substancial dos meios terapêuticos e reeducativos, forçosamente caros. Os hospitais são serviços complementares que só se compreendem para suprir as deficiências da medicina preventiva.
No projecto de lei de estatuto da saúde foi dada preferência às actividades preventivas e às recuperadoras sobre as meramente curativas e, na base II da lei respectiva, a Assembleia Nacional votou expressamente que "na organização e prestação dos serviços de saúde e assistência conceder-se-á preferência à acção preventiva".
A medicina preventiva visa particularmente a saúde e tem por medida de aplicação o grupo (família), enquanto a curativa visa a pessoa e tem por medida de aplicação o homem.
A medicina preventiva é uma técnica da maior actualidade, permitindo-nos que vivamos não só a possibilidade de evitar a difusão das doenças, mas até a de fazer a sua erradicação.
Seria grave erro orientar as coisas de tal modo que & medicina preventiva e as instituições que a hão-de promover ficassem tolhidas pela orgânica e pelas prementes preocupações de qualquer direcção-geral que tivesse de haver-se com os delicados problemas da medicina curativa.
Todos sabemos como estes são, actualmente, delicados e graves e como, durante muitos anos, se hão-de manter essas características, já que o nosso plano de construções hospitalares parece ter andado completamente divorciado do fundamental na vida de um hospital, do mais importante, do que, em tais instituições, respeita à recuperação da saúde dos assistidos, da organização dos quadros do seu pessoal, daquele que havia de assegurar o funcionamento ao mesmo, de montar a sua vida, e de cujo divórcio resultou, em grande parte, o precário rendimento de tantos deles; já porque a solução do problema do seu funcionamento se não antolha fácil nem rápido; já porque ao Estado não pertence senão uma escassíssima parte dos hospitais onde a Direcção-Geral pode ter livre ingerência, e porque o grosso dessas instituições está afecto às Misericórdias, onde os Srs. Provedores e os (Srs. Mesários, infelizmente, nem sempre são facilmente permeáveis à acção efectiva que a Direcção-Geral poderia procurar ter na orientação, coordenação e fiscalização das suas actividades.
O actual Ministro, em discurso recente, analisou, com louvável coragem e admirável clareza, a situação delicadíssima dos nossos hospitais.
Ficou ali lapidarmente sintetizado o que muitos sabem e que consta de relatórios, de inquéritos e de artigos e queixas dos jornais - o sudário da nossa situação hospitalar.
Essas tristes realidades hão-de ser por "largos e dilatados anos" o quebra-cabeças da respectiva Direcção-Geral.
Elas hão-de dominar constantemente os seus responsáveis, por maior que seja a categoria do seu chefe, por mais numerosos que sejam os "técnicos" que ali trabalhem e por mais variados que sejam os gabinetes de estudo de que ela disponha. Por tudo o que se disse e por muito do que se não disse e, sobretudo, pela própria orgânica de uma direcção-geral e pela maneira como tem de conduzir os seus actos administrativos, é fácil ver que se os actuais institutos, em boa hora criados e a cargo de quem estão sectores definidos da medicina preventiva, fossem incluídos ou ficassem incrustados numa direcção-geral que tivesse a seu cargo os vastíssimos e delicadíssimos problemas da assistência hospitalar, agravariam substancialmente o labor desta e, a breve trecho, e naturalmente, os problemas de medicina preventiva seriam retardados na sua realização e minimizados no seu valor, com real prejuízo da Nação.
Se assim acontecesse, veríamos dentro em pouco anulado um notável trabalho já realizado e manietados, ancilosados, reduzidos na sua capacidade, na sua mobilidade e na rapidez da sua acção aqueles institutos, já que a direcção-geral terá a natural tendência para atribuir o primado das suas preocupações à medicina curativa, considerando os hospitais essenciais e básicos, quando são complementares do sistema.
Gomo ainda há dias disse um técnico responsável, figura marcante do quadro dos funcionários de saúde pública, "nas condições em que funcionam, os hospitais absorverão tudo o que lhes derem sem satisfazerem de forma normal as necessidades de conjunto".
E o relatório do ilustre provedor da Santa Casa da Misericórdia de Évora, recentemente publicado, examinando com notável clareza as reais dificuldades presentes, o agravamento progressivo das suas dívidas, a insuficiência técnica "para recolha de elementos de diagnóstico e tratamento" dos doentes que lhe são enviados dos hospitais sub-regionais e que é obrigado a enviar para os Hospitais Civis de Lisboa, é o espelho do quadro que domina muitos outros. Entre todos os factos ali registados, um me preocupa seriamente: o preço da consulta externa ultrapassa em muito o custo da diária de internamento! Ou a consulta externa é de uma grande liberalidade nos meios de diagnóstico e de terapêutica ou, então, são excessivamente restringidos nos internados esses elementos e a respectiva subsistência.
Com hospitais com tais dificuldades de meios e de condições técnicas e com as restrições normais do seu funcionamento, o que há-de fazer a respectiva Direcção-Geral, durante muitos anos, senão viver intensa, constante e exclusivamente estes problemas?
O sistema hospitalar não funciona bem e para que ele possa vir a funcionar bem, isto é, em que "tudo se deverá passar como se todos eles (os hospitais) constituíssem um único hospital, cujos elementos integrantes se encontrassem colocados em pontos determinados do território" - para me servir dos termos da própria proposta governamental -, há que esperar muitos anos, reformar muitas coisas e não distrair a Direcção-Geral respectiva destes importantíssimos problemas.
Foi exactamente para libertar a medicina preventiva de certas peias burocráticas, para lhe dar possibilidades de rapidez de execução, para permitir que ela fosse rapidamente até à periferia, que foram criados os institutos. Toda a orgânica que viesse a comprometer-lhes estas características havia de redundar em sério e grave prejuízo para a medicina preventiva. Como disse o Ministro Martins de Carvalho, no relatório do projecto de estatuto da saúde e assistência, eles "correspondem a grandes problemas sanitários, com autonomia suficiente e exigindo técnica própria e cuidada de direcção - é o caso da mortalidade infantil, da luta contra a tuberculose e da saúde mental".
Na luta antituberculosa, o rastreio tuberculínico e radio-fotográfico, as brigadas de vacinação, os dispensários e os tuberculostáticos valem muito mais do que os sanatórios, que só existirão enquanto houver insuficiência dos outros elementos.