4068 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 163
de trabalho em comum, actividades polivalentes, gosto de vida em comum, etc.) parecem animar o recurso a tal expediente.
Há, de resto, uma dupla tarefa a realizar paralelamente: a escolarização das populações e a promoção da mulher.
Mas o sucesso deste desenvolvimento completa-se com o recurso ao Marketing Board. Urna solução deste tipo poderia resolver os difíceis problemas da comercialização, permitindo ainda uma diversificação de culturas pela intensificação, por exemplo, do rícino, do gergelim ou da purgueira.
O desenvolvimento do mundo agrícola da Guiné conjuga-se assim com o recurso a ordenamentos que repousariam no desenvolvimento comunitário nas sociedades pré-cooperativas e cooperativas e no Marketing Board, da mesma forma que a industrialização pressupõe a utilização de sociedades de economia mista. Qual industrialização? Penso que, sem grandes dificuldades, poder-se-ão desenvolver na província indústrias oleaginosas (amendoim, gergelim, produtos da palmeira do azeite, purgueira, rícino), indústrias alimentares (arroz, caju, frutas, mandioca, milho, refrigerantes), cerâmica, madeiras e derivados, álcool, borracha, curtumes, gelo, sabão, reparações navais, etc.
No sector das indústrias extractivas merecem todo o aplauso os esforços que se fizerem para o aproveitamento das bauxites e para nova concessão de pesquisas petrolíferas. As rendas das concessões petrolíferas interessam desde logo aos recursos financeiros da província.
S. Tomé e Príncipe distingue-se das outras províncias portuguesas por características bem peculiares.
A análise da estrutura populacional é desde logo um testemunho desta afirmação.
O comportamento dos diferentes grupos sociológicos - brancos, forros e crioulos, tongas, angolares e serviçais emigrados - perante o trabalho e a alta percentagem de imigrados não é estranho ao processo económico das ilhas.
Calcula-se que nas roças de S. Tomé trabalhem actualmente mais de 15 000 imigrados e apenas 3500 naturais, dos quais 3000 serão tongos. Os forros e os crioulos só ocasionalmente darão o seu contributo a esta agricultura, nas épocas de maior trabalho e à tarefa. O número destes será superior a 32 000, estimando-se ainda que mais de 40 por cento não têm ocupação definida. Quanto aos angolares, dedicam-se principalmente à pesca (1550 pessoas) e têm constituído um grupo fechado ao contacto com os outros.
O aproveitamento do factor produtivo humano não constitui assim tarefa fácil.
O I e II Planos de Fomento foram em S. Tomé e Príncipe principalmente planos de obras públicas. Assim, dos 173 000 contos do II Plano 26 por cento destinavam-se a estradas e 21 por cento a melhoramentos locais.
Este- deferimento na reprodutividade nem sequer foi compensado pelo investimento privado na agricultura, o qual não deve ter atingido em média 10 000 contos por ano.
Na realidade, também o factor produtivo terra não nos permite uma perspectiva optimista: S. Tomé e Príncipe é um caso típico de concentração.
A área ocupada pelos não europeus é reduzida e têm uma relativa dimensão muitas das explorações que pertencem a europeus (cf. Alfredo de Sousa, S. Tomé - Um Caso de Concentração).
De uma amostra de 90 propriedades, obtida entre as 127 pequenas, médias e grandes roças existentes, obtiveram-se as seguintes conclusões: 57 empresas tinham uma dimensão média entre 42 ha e 212 ha, enquanto a do grupo das 23 maiores oscilava entre 1685 ha e 7151 ha. Neste grupo havia uma com mais de 10 000 ha e duas com uma área superior a 8000 ha.
Se tivermos em conta as dimensões das ilhas, a extensão destas propriedades ganha maior relevo.
Acresce que dos 1500 europeus residentes na província a maioria são funcionários públicos, empregados de roças ou doutros serviços, mas não são proprietários. "Do que se pôde apurar pelos relatórios das sociedades, Diário do Governo e outras fontes, os proprietários são menos de 100 famílias residentes, sobretudo, em Lisboa" (Alfredo de Sousa, trabalho citado).
Esta concentração verifica-se ainda nas produções. As 90 roças da amostragem referida produzem 90 por cento dos cinco principais produtos (cacau, copra, coconote, óleo de palma e café).
Mas estará a terra de S. Tomé ao menos convenientemente aproveitada?
Da área total média da referida amostra (1025,7 ha) apenas 63,2 por cento era ocupada (650,6 ha). Mais: "Os agrónomos conhecedores do meio calculam que cerca de metade do terreno ocupado está inculto e presumem que da parte cultivada menos de 50 por cento está aproveitada convenientemente. Quer dizer: metade abandonada, um quarto pouco cultivado e outro quarto com culturas sofríveis ou boas". Acrescente-se que o grau de aproveitamento da área ocupada diminui com a dimensão da propriedade, sendo igualmente inversa a relação entre a dimensão das roças e a produtividade por hectare.
Tudo isto sugere a necessidade de uma profunda reestruturação no sector agrário da província.
O Decreto n.º 36 888, tentando obviar a falta de mão-de-obra que se fazia sentir em 1948, considerou a possibilidade de fixação de imigrantes e conversão de nativos em trabalhadores por conta própria, através da concessão de terrenos, sementes, alfaias e outras facilidades.
Tal medida não conheceu, contudo, profunda consagração prática. Impõe-se, de resto, uma adaptação da legislação ao condicionalismo actual. Partindo das roças do Estado (nomeadamente Vitória e Entre-os-Rios), realizar-se-ia uma sistemática tarefa de reocupação agrária instalando as populações. O Decreto n.º 36 888 prevê a concessão voluntária de terrenos em regime de aforamento, de aluguer a largo prazo, de venda e de doação. Dada a impossibilidade de obter terrenos por estes processos, admite-se (artigo 28.º) o recurso à expropriação.
No projecto de Plano Intercalar considera-se nos três próximos anos a instalação de 300 famílias, com um dispêndio de 21 000 contos. Não se pode dizer uma solução imediata, mas, dada a natureza da experiência e a estrutura psicológica da própria população autóctone, não se estranhará que se comece modestamente. O que se tornará indispensável é prosseguir com largueza e persistência, de forma a resolver os problemas sociais de S. Tomé e a fazer um melhor aproveitamento das suas potencialidades agrícolas.
Se esta é a grande inovação no que se projecta fazer, convém ainda ter presente a necessidade de uma revisão do actual sistema fiscal da província (o imposto sobre a propriedade predial rústica tem sido cobrado sobre as exportações e não sobre a área efectiva ou o rendimento presumível!), a criação de crédito agrícola, a generalização da assistência técnica à agricultura, a intensificação do ensino, enfim, o recurso ao movimento comunitário, com apoio à autoconstrução de habitações e à valorização do sector das pescas.