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26 DE NOVEMBRO DE 1966 758(35)

No direito francês, entende-se que o proprietário de uma terra com caça não é responsável em relação aos vizinhos pelos danos causados à sua colheita pela caça que a habita, a não ser que uma culpa se prove contra ele. Com efeito "os vizinhos são obrigados a suportar um certo quantum de prejuízos, que se aprecia segundo os usos, nas regiões com mais ou menos caça, e também segundo a proximidade dos bosques.

Todo o ultrapassar ou aumentar do prejuízo implica responsabilidade do proprietário se introduziu caça nas suas terras, na medida em que não. prova que o aumento não provém desta introdução: aumentou pelo seu facto voluntário os inconvenientes resultantes normalmente da vizinhança.

Relativamente ao prejuízo anormal causado pela caça que não introduziu, o proprietário responde por ele se não fez o que podia para impedir o número excessivo e a multiplicação dos animais.

Deve não só caçar, mandar caçar ou deixar caçar, mesmo com batidas ou com furão, mas, se necessário, mandar destruir tocas ou mesmo brenhas, tais como campos de juncos, que constituam um retiro ou um refúgio para a caça, a não ser que prefira fechar a sua propriedade de maneira a reter a caça" (101).

O Código Civil espanhol dispõe que o proprietário de uma herdade de caça responde pelos danos causados por este nos prédios vizinhos, se não fez o necessário para evitar a sua multiplicação ou se dificultou a acção dos donos desses prédios para a perseguir.

E entre nós?

Nem o Código Civil nem o Código da Caça em vigor contêm regras sobre a responsabilidade civil pelos danos da caça. Somente o artigo 55.º do Regulamento do Serviço da Polícia Florestal (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954) prescreve:

Os proprietários dos terrenos sujeitos ao regime florestal em que seja estabelecida a reserva de caça e pesca terão de indemnizar os agricultores confinantes pelos prejuízos que a caça existente nos referidos terrenos causar às suas culturas, quando assim seja por estes exigido e for comprovado.

O projecto definitivo do novo Código Civil não contempla a matéria, tendo sido propósito deliberado remeter a sua disciplina para a lei especial sobre a caça (103).

Importa, pois, tomar posição.

O instituto da caça é dominado entre nós pelo princípio da liberdade de caçar, podendo assim os caçadores exercer a caça em todos os terrenos não exceptuados por lei.

E este direito de livre exercício da caça constitui um meio de defesa geral contra os danos que um excessivo aumento de densidade das espécies cinegéticas certamente acabaria por produzir nas culturas e plantações.

Desta forma, o perigo de danos causados pela caça será, de um modo geral, um perigo que se pode considerar normal.

E, não constituindo a caça, em geral, um benefício exclusivo do proprietário, mas da generalidade dos caçadores e, assim, da colectividade, não se justificaria fazer recair sobre aquele a obrigação de evitar os referidos danos.

Mas as coisas mudam já de feição quanto aos terrenos com direito de caça reservado (reservas particulares ou coutadas de caça), visto que neste caso se criou um benefício exclusivo ou privilégio a favor do titular da reserva. Por isso, a vantagem que daí resulta já justifica que o beneficiário deva suportar, como compensação, o encargo dos danos que a situação causar.

Tanto mais que tal vantagem impedirá que o exercício do direito de caça pela generalidade dos caçadores funcione como meio natural de prevenção contra os danos resultantes da excessiva abundância das espécies, vedando inclusivamente esse meio de defesa aos proprietários vizinhos.

Daí que a restrição do direito de caça implique para estes proprietários um risco superior ao inerente à simples existência de caça, ligado à diminuição das possibilidades de defesa dos mesmos, assim se criando um aumento de perigo de danos.

Esse agravamento de risco aparece ainda mais acentuado nas chamadas reservas zoológicas, zonas de protecção e postos de criação artificial de caça, já que nos respectivos, terrenos é particularmente favorecida a multiplicação dos animais bravios (101).

Em resumo: o agravamento nos casos apontados do risco normal inerente à simples existência de caça, com a criação, de situações perigosas e a compensação das vantagens que resultam da restrição ou proibição do exercício da caça e da correspondente diminuição das possibilidades de defesa dos proprietários vizinhos, parecem suficientes para basear uma responsabilidade objectiva ou pelo risco, a qual, aliás, se afigura presente na redacção do transcrito artigo 55.º do Regulamento do Serviço da Polícia Florestal (107).-

73. De harmonia com o exposto, propõe-se que as bases sobre a matéria da responsabilidade civil fiquem assim redigidas:

BASE LI

A responsabilidade civil por danos causados no exercido da caça, é fixada nos termos gerais, salvo no que respeita aos danos causados por armas de fogo, aos quais se aplicam as disposições respeitantes à responsabilidade objectiva ou pelo risco.

BASE LII

1. Os que explorem ou possuam reservas de caça, reservas zoológicas, nonas de protecção e postos de criação artificial são obrigados a indemnizar os danos que a caça neles existente causar nos terrenos, vizinhos.

(104) Prof. Vaz Serra, Responsabilidade Civil, separata do Boletim do Ministério da Justiça n.ºs 86-93, pp. 162 e seguintes, onde se faz referência à orientação de alguns sistemas jurídicos estrangeiros quanto a esta matéria.

(105) Prevê-se no projecto a responsabilidade, que é objectiva, dos danos causados pelos animais, como atrás se referiu, mas trata-se de animais apropriados pelo homem, com exclusão dos animais bravios em estado de liberdade natural (Prof. Vaz Serra, ob. cit., pp. 123, 126, 1/74 e 180).

(1O6) Coisa semelhante (semelhante, pelo menos, ao que sucede nas reservas de caça) é o que se passa com os terrenos pertencentes ou directamente explorados por entidades oficiais ou comunidades religiosas, nos quais não seja permitido caçar sem autorização dessas entidades ou comunidades.

(107) Em princípio, a responsabilidade deverá caber aos exploradores das actividades, como interessados que são na exploração que origina os danos.

Atendendo, todavia, à possibilidade de estes mudarem e de ser então inviável ou muito difícil determinar qual deveria ser responsabilizado, até por não se saber qual tenha contribuído para o dano, entende-se conveniente responsabilizar o proprietário, sem prejuízo do direito de regresso contra os exploradores.