14 DE DEZEMBRO DE 1966 849
industriais procuraram naturalmente fontes de crédito suplementares que se saldavam pela aquisição de matérias-primas pagáveis a prazos mais longos e igualmente prazos dilatados para o pagamento das novas instalações. Ora a situação só resultou numa primeira arrancada, porque, uma vez vencidos os compromissos com essas tais novas fontes de crédito, esses industriais teriam então de multiplicar o recurso à mesma banca, mas esta, não contando, como toda a gente sabe, com aumento de depósitos na proporção das novas necessidades assim criadas, não podia, e não pode, acompanhar tais iniciativas.
É evidente que os bancos só podem emprestar aquilo que têm, e mesmo assim parece-nos justo referir que no ano corrente, e relativamente a igual período do ano passado, já emprestaram mais à volta de 130 por cento, segundo informações que me foram prestadas.
Quer isto dizer que os industriais não podem contar com o necessário apoio da banca comercial nessa fase de reapetrechamento, dado que tais despesas não se saldam, no circuito económico, por depósitos que permitam acompanhá-los, sobrevindo naturalmente um desfasamento entre as necessidades industriais e os recursos bancários. E daí a crise a que estamos assistindo, a qual, nunca é de mais repetir, ameaça tomar aspectos verdadeiramente insanáveis. O Governo tem que imediatamente debruçar-se sobre o problema, porque amanhã será tarde; nunca é de mais repeti-lo.
Parece-me, pois, urgente, e muito urgente, que os responsáveis olhem a sério para uma isenta, segura e eficaz política de concessão de crédito a longo prazo, como primeira solução, e, como segunda solução, que se estimule o aumento dos capitais das grandes empresas, permitindo-se, nesse aumento, o acesso do grande público na subscrição de títulos, já que isso representa, em termos sociais, uma efectiva promessa de difusão de riqueza e de desagravamento de certos abismos e injustiças.
A crise é da indústria; mas os seus efeitos recaem sobre todos nós. A Nação é um todo económico.
Referi eu há pouco as circunstâncias em que os bancos comerciais tinham de administrar o crédito a conceder. Este fenómeno parece estar a ser mal interpretado, pois em toda a parte se fala de uma restrição do crédito, e as pessoas menos avisadas confundem os dados do problema e baralham aqui os sintomas aparentes com as causas reais. Na verdade, mais bem informado, não se me afigura que exista uma restrição de crédito, pois os bancos são os primeiros a não terem interesse nessa política de compressão, uma vez que se expandem primacialmente à custa do crédito. O que acontece é que os depósitos na banca comercial, embora subindo todos os anos, não acompanharam, como já disse, a proporção das necessidades do crédito, e mesmo o aumento verificado deu-se à custa de uma onerosa política de captação do depositante, com retribuições elevadas para os fins a que se destina esse dinheiro e que, portanto, vêm limitar consideràvelmente o seu recurso. Verifica-se, pois, e apesar de tudo, que os detentores de dinheiro fogem de o entregar às instituições de crédito, e estas não podem assim fazê-lo circular no comércio e na indústria, como sectores, por excelência, do desenvolvimento da economia portuguesa.
Ora, que motivos terão esses possuidores de dinheiro para assim procederem?
Em primeiro lugar, todos sabemos, e já tive oportunidade de o referir largamente nesta Assembleia, que se transferem capitais para instituições e fundos de investimento fora do País, onde o juro obtido é mais elevado do que o praticado na nossa praça. Em segundo lugar, os capitais portugueses, grandes e pequenos, acodem aos empréstimos externos lançados pelas grandes companhias portuguesas ou mesmo pela Administração. E ninguém deve estranhar, neste último caso, que assim aconteça, uma vez que isso traz aos subscritores dos títulos largas vantagens imediatas: juros que andam pelos 7 por cento; ausência de risco de câmbio, pois que o investimento é feito em divisa externa; não incidência sobre o juro assim obtido de quaisquer contribuições!
Ora, perante este quadro, eu pergunto: Onde iremos parar? Quais as perspectivas que se nos oferecem?
Deste género de investimento faz-se uma propaganda criteriosa e inteligente, como se não bastasse já a própria sedução das suas vantagens. Depois disso, quem são os «beneméritos» que hão-de renunciar a tais lucros pelo seu ardor patriótico? E, mesmo que fossem tomados em conta esses motivos patrióticos, a travarem a mão dos detentores do dinheiro, porque haveriam eles de vacilar, se é o próprio Estado quem os convida com os seus empréstimos externos em condições incomparàvelmente mais rendosas e cómodas do que as existentes cá dentro?
O problema, é tão grave que os próprios industrais se sentem tentados a liquidar as suas empresas ou a reduzir os seus investimentos para canalizarem os saldos assim encontrados nessa descoberta de juros elevados, de capital seguramente investido e livres dê quaisquer encargos. Daqui até à estagnação e ao esmorecimento desses homens de negócio, que são o sangue arterial da vida económica do País, irá um passo muito estreito.
Meus senhores: Este problema implica directamente as mais sagradas energias da Nação. É tempo de se olhar para ele com a melhor compreensão e coragem e não se tentar mascará-lo de frases pomposas e promessas inexequíveis e vãs. Se nós queremos progredir, a primeira condição é começar por não retroceder.
Sejamos realistas: há muito já que se impõem medidas eficazes que dificultem o acesso dos capitais portugueses aos empréstimos externos; que esses empréstimos não sejam anunciados, ao menos, com trombetas, já que tanto se interfere na informação; e que se possibilite o aumento da taxa de juro em Portugal para que os capitais se fixem no País e não procurem fontes mais remuneradoras, mas que ao País não interessam nem dizem respeito.
Então não será verdade que em irada a parte se corrige o desinteresse dos investidores justamente aumentando as taxas de juro para que eles acorram tom seus capitais? Pois, entre nós, dá-se o contrário: estreita-se a remuneração do capital e depois anuncia-se, ou deixa-se anunciar, que lá fora se paga melhor, em menores condições, criando-se imediatamente um derrame para o estrangeiro daqueles capitais que faltam então no comércio e na indústria e cuja falta começa a tomar aspectos de estagnação e de asfixia.
Sei perfeitamente que as dificuldades experimentadas pelas actividades económicas nacionais na obtenção de fundos para investimento se não resolvem acenas com uma política mais liberal de concessão de crédito por parte das instituições creditícias oficiais. Requerem-se - como já disse - novas instituições, novos instrumentos de mobilização de poupanças e novos processos de canalização destas para o financiamento do investimento produtivo.
No presente momento, porém, a Caixa Geral de Depósitos poderia contribuir para atenuar as dificuldades existentes, dado que a elevação do limite do depósito máximo à vista que pode beneficiar da taxa de 2 por cento, levada a efeito em Agosto do ano passado, permitiu a esta instituição elevar sensìvelmente o volume dos seus depósitos, elevando também a sua margem de liquidez, ao contrário