23 DE MARÇO DE 1967 1637
O Orador: - O imposto de mais-valias e a travagem da construção urbana na península de Setúbal - Quando, em princípios de 1965, o Plano Director da Região de Lisboa foi apresentado, em anteplano, aos representantes das câmaras municipais por ele abrangidas, tive o ensejo de chamar a atenção para a necessidade de dotar os municípios com receitas novas que lhes permitissem fazer face aos encargos do desenvolvimento urbanístico previsto.
Acabava então de ser publicado o Código do Imposto das Mais-Valias, que passou a tributar os lucros resultantes das transacções de terrenos para utilização urbana, onerando-os com uma taxa de 20 por cento. Por isso sugeri, e vi depois aceite e transmitido às instâncias superiores, que essa receita, nas zonas do planeamento, passasse a ser repartida entre o Estado e as câmaras, já que eram estas, através da actuação dos seus serviços e do cumprimento dos planos locais, que iam criando toda a rede intermédia das infra-estruturas secundárias e dando o contributo decisivo para a valorização dos terrenos que se ia colectar.
Na minha primeira intervenção nesta Assembleia, novamente defendi este ponto de vista, sobre cuja justiça a ninguém se suscitaram dúvidas.
Tive, por isso, a grata satisfação de verificar que a orientação sugerida acabou por triunfar com a publicação do Decreto-Lei n.º 46 950, de 9 de Abril de 1966, que fixou em 60 por cento o imposto de mais-valias com a península de Setúbal, «revertendo em todos os casos 20 por cento para o Estado e 40 por cento para a câmara municipal do concelho em que se situar o prédio» (artigo 4.º, n.º 1). Tal diploma definiu como mais-valia a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerida a licença de construção ou a obra e o seu valor em conformidade com o respectivo destino económico em 10 de Maio de 1958, data em que foi anunciada a construção da ponte sobre o Tejo (artigo 3 º).
Não deixou, porém, de causar estranheza o facto de o novo regime de mais-valias ser restrito à margem sul do Tejo, dele ficando excluída toda a margem norte, igualmente abrangida no Plano Director e, por consequência, a braços com idêntica situação de facto.
A razão justificativa desta discriminação fiscal deduz-se do n.º 2 do relatório do Decreto-Lei n.º 46 950, em que se considera «área valorizada pela ponte» «todo o território a sul do Tejo» integrado no Plano Director da Região de Lisboa.
Ora, salva melhor e sempre mais douta opinião, há nesta afirmativa um paralogismo, pois o raciocínio é falso, embora feito, sem dúvida alguma, de boa fé.
Trata-se daquilo que em lógica material se classifica, entre os sofismas da indução, de sofisma do acidente, pois toma por essencial o que é apenas acidental
Com efeito, a valorização da margem sul não resulta em si mesma da existência da ponte, mas, sim, do facto de a ponte ter colocado a margem sul em comunicação rodoviária contínua com o pólo de desenvolvimento da região, que é a capital
A ponte, como infra-estrutura transportadora, representa apenas o nexo que veio aproximar a causa do seu efeito, facilitando um sistema de vasos comunicantes entre o núcleo de atracção e de irradiação de progresso - Lisboa - e o hinterland a desenvolver, que é a península de Setúbal, o Alentejo e o Algarve.
Se, em vez de Lisboa, tivéssemos na margem norte um deserto demográfico, a ponte em nada valorizaria Almada e o seu território adjacente.
E daqui um corolário prático se toda a zona da margem norte vive do influxo, sob a influência imediata e sem descontinuidade geográfica do pólo de atracção e de desenvolvimento regional que é Lisboa, não existe razão válida para excluir esse território tributário de um regime fiscal que tem por base e escopo dotar as câmaras com meios idóneos, suficientes e uniformes na sua disciplina jurídica, com vista ao desempenho de idênticas tarefas de urbanização definidas num mesmo plano director.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esta a primeira crítica que dirigimos a um diploma cujas vantagens e justa fundamentação só nos merecem encómios.
Mas há outros aspectos da nova regulamentação do regime das mais-valias instituído pela Lei n.º 2030, e agora adaptado pelo Decreto-Lei n.º 46 950, de 9 de Abril de 1966, à península de Setúbal, que criaram gravíssimos obstáculo na sua aplicação, a cargo das comissões nomeadas para procederem à determinação da colecta a liquidar aos proprietários de terrenos.
Não vou alongar-me numa exegese da lei nova, porventura indispensável, mas que terá noutra circunstância a sua melhor oportunidade Referirei alguns casos concretos apenas para ilustrar o que afirmo.
E mais não vale a pena dizer, pois creio ser intenção do legislador corrigir, em oportuno diploma, os erros que a prática demonstrou nocivos.
Assim, a mais-valia imposta a um terreno de milhares de metros quadrados destinado a fábrica é idêntica à de nutro em que num reduzido lote se vai implantar um prédio de vários andares. O facto de não se atender ao destino da construção e à capacidade de utilização do solo acarreta, como é evidente, a fuga das iniciativas industriais para fora das zonas destinadas à indústria na península de Setúbal. Manter-se tal entendimento é fazer ruir pela base a política de descentralização industrial e, com ela, o planeamento urbanístico realizado.
E, como se excluiu a margem norte e todo o resto do País deste regime de mais-valia, deduz-se que hoje paga menos imposto, ou nem sequer o paga, o industrial que monta a sua fábrica às portas de Lisboa, em Benavente ou Vendas Novas, do que aquele que vai erguê-la junto à cidade de Setúbal, que o Plano procura potenciar devidamente como pólo autónomo e cidade-satélite em relação à capital.
Outro caso: Qualquer Misericórdia ou outra instituição de assistência, qualquer organismo de previdência ou instituto de utilidade pública, desde que em terreno seu aumente um simples andar ou cresça a área coberta, está sujeito ao pagamento das mais-valias da ponte sobre o Tejo.
Assim, a Casa do Povo de Canha, situada na estrema do distrito de Setúbal com o de Évora, requereu licença para, mediante projecto, aumentar as suas instalações com um posto clínico e outros serviços. Pois para uma área coberta de 158 m2 foi-lhe fixada a importância de 7 110$ de mais-valia a pagar ao Estado e à Câmara, nos termos da nova lei. Quer dizer, por cada metro quadrado de construção, a Casa do Povo, se se conformar com o laudo dos peritos do Estado e da Câmara, terá de pagar um imposto de 45$ de mais-valia, quando é certo que dentro da dita povoação rural o terreno não custa mais de 10$ a 20$ por metro quadrado. E que valorização próxima ou remota trouxe a Ponte Sal azar à longínqua freguesia de Canha, cuja ligação mais directa com Lisboa é feita pela estrada nacional n.º 10, através da ponte de Vila Franca?
A insegurança e o alarme causados por esta medida legislativa - fundamentalmente certa nos seus objecti-