2840 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 141
Governo que intensifique quanto possa a formação profissional agrária, a promoção agrária.
E felicitá-lo pelo que já vem realizando em tal matéria, ou mais se propõe.
Efectivamente haverá de reconhecer-se que é no homem, mesmo (ou sobretudo) em nosso irmão camponês, que mais importa investir se se quiser extrair toda a gama de possibilidades que apenas a educação, a instrução e a habilitação profissional podem proporcionar.
E isso será tanto mais válido quanto mais atrasado se afirme, e reconheça, o estádio sócio-cultural e profissional das nossas populações rurais. Quem o contesta?
Segundo dados provisórios — estimativa a 5 por cento — do último inquérito ás explorações agrícolas do continente, realizado em 1968, o número de explorações, e de algum modo empresários agrícolas, regula pelos 816 000.
Reconhecidas 816 000 empresas agrícolas no continente ... — quão difícil não será a promoção do desenvolvimento e a coordenação de actividades em termos de satisfação da procura e de bem-estar dos agricultores, em termos de política agrária . . . dando ao desbarato a existência e actividade de intermediários do sector, de múltiplos intervenientes no processo de recolha, armazenagem, conservação, transformação, distribuição e comercialização de produtos agrícolas e alimentares.
Quanto de circuitos para aí não vão, bem ou mal organizados, beneficiando da fraqueza, da debilidade económica, do atraso cultural e tecnológico e da inferiorização social dos nossos rurais agrários?
Que cada um responda em seu íntimo . . .
Nem todos aqueles 816 000 dirigentes de explorações agrícolas do continente exercerão exclusivamente o mister de «agricultor» e viverão assim dos réditos — escassos réditos por vezes.
Apenas cerca de 500 000 declararam ter ocupação sómente agrícola . . . mas quer esses, quer os demais, hajam reconhecido ou não a «arte de agricultar» como principal aetividade no contexto da sua vida e ocupações, o certo é que todos dirigirão, por si ou interpostas pessoas, 816 000 empresas agrárias. Ou tentam geri-las, administrá-las.
E que nos consta quanto ás habilitações escolares desses dirigentes de explorações agrícolas?
Sabem ler e escrever 450 000, donde se inferirá (excluídos também os que têm mais elevada escolaridade) que à data de 1968 cerca de 355 000 agricultores seriam analfabetos no continente.
Nem mais, nem menos: 355 000 empresários agrícolas analfabetos. Impressionante panorama de modernidade ou atraso das nossas estruturas agrárias mentais! Como os não desculpar?
Quem tenha a consciência limpa que lhes atire a primeira pedra . . . Pela minha parte não o farei.
Estranhar-se-á assim que apenas 192 000 explorações agrícolas hajam declarado ter ou manter contabilidade?
Ficam de fora 624 000 — mais de três em cada quatro explorações agrárias . . .
E mesmo daquelas, quantas serão as que preencherão apenas um «simples registo de despesas e receitas», porventura «por principais culturas» ou actividades (quando não tudo à mistura), e as que terão montado verdadeiramente «um sistema de contabilidade organizada» capaz de possibilitar conclusões em termos de gestão?
Fica a pergunta formulada no questionário de inquérito, teremos de continuar aguardando futuro e mais amplo apuramento para que responder se possa.
Como não compreender, pois, que 582 000 explorações agrícolas se hajam declarado voltadas fundamentalmente para o autoconsumo na casa familiar e apenas 234 000 (pouco mais de um quarto do total) declarem vender mais de metade da produção?
Não deverá assim constituir grave surpresa que as empresas agrárias tradicionais de Portugal encontrem dificuldades em reagir ás coordenadas das políticas económicas sectoriais, aos estímulos dos preços, ás leis de mercado — agravadas para mais com a inconstância dos anos agrícolas e a perecibilidade dos produtos, condicionando uma aleatória e instável oferta com todo o reflexo no nível de preços não garantidos nem fixados.
Mas mesmo quando as nossas explorações agrícolas quisessem e pudessem funcionar cm termos de economia de mercado, reagindo ás suas 'solicitações e aos seus estímulos, como comercializar vultosas produções se apenas 329 000 empresas agrárias têm acesso a veículos automóveis de carga e sómente 250 000 dessas durante todo o ano?
Como lhes poderá chegar a inovação dos novos factores de produção ou ideias e que estruturas mentais podem possibilitar a fecundidade do esforço da vulgarização ou extensão agrária, se tal é o substrato humano (e físico) da paisagem agrícola do nosso mundo rural?
Ingente esforço da educação se pede e ciclópicos trabalhos de ordenamento e reconversão agrária a imporem-se nesta idade de foguetões para a Lua e tão fracos acessos à instrução, à habilitação profissional agrária e à exploração da terra em Portugal.
Estranhar-se-á assim que apenas 26 000 explorações agrárias do conjunto das 816 000 (3,2 por cento do total) hajam declarado ter introduzido nos últimos cinco anos (cinco anos!) inovações expressas em termos de novas culturas ou novas técnicas de cultura, de criação de gado ou de aves?
Por este caminhar, em século e meio teremos atingido com alguma(s) inovação(ões) a totalidade das nossas explorações agrárias. A menos que se acelere o processo de modernização da agricultura ou se reduza o número daquelas.
Propõe-se o Governo intervir mais activamente no sentido de «inserir convenientemente o sector agrícola no processo de desenvolvimento económico nacional, quer eliminando ou reduzindo os factores que conduzem a uma actuação depressora daquele sector sobre a dinamização de toda a economia, quer criando condições para a fixação de populações agrícolas e expansão dos mercados, quer incentivando ou promovendo alterações estruturais e produções susceptíveis de, simultaneamente, contribuírem paira a luta anti-inflacionista e para a melhoria generalizada dos rendimentos provenientes da terra».
Em tal sentido, «entende o Governo ser necessário promover mais eficaz e rapidamente o processo de reestruturação fundiária e de melhoria da produtividade agrícola, prosseguindo uma melhor dimensão das explorações, a par do desenvolvimento da agricultura de grupo e o acesso à propriedade rústica de empresários jovens, profissionalmente aptos, capazes de utilizarem da melhor maneira a técnica e o equipamento modernos».
Para tal efeito, «a formação profissional de empresários e trabalhadores em técnicas de gestão e produção agrícolas deve ser considerada como etapa complementar e simultânea da reestruturação fundiária. Em futuro próximo, a dimensão das empresas, o seu grau de especialização, o domínio de avançadas tecnologias, o manejo da maquinaria aperfeiçoada e o controle de avultados capitais exigirá uma capacidade técnica e administrativa que só pode conseguir-se por meio de cuidada preparação profissional.
[. . .] O êxodo rural tem privado a agricultura dos seus elementos mais capazes. Daí a necessidade de intensificar,