15 DE DEZEMBRO DE 1971 2947
fuga às peias burocráticas normais para renovação acelerada daqueles serviços.. Quer dizer, testemunha-se o enferrujamento das máquinas administrativas normais há tanto tempo reconhecidamente destruidoras da capacidade de inovação e progresso, quando não dos melhores ideais e entusiasmo de muitos directores de serviço e de outros médicos, que seria muito útil ao País saber poupar e estimular.
Mais o regime de instalação vai, limitar-se a alguns hospitais, o que, para além de diversas implicações que poderão merecer comentário ulterior, pode acentuar diferenças e disparidades mais ou menos chocantes, desde já existentes.
Há vários meses que se encontram suspensas obras de incontestável prioridade num dos hospitais centrais mais carenciados — os Hospitais da Universidade de Coimbra —, por uma mesquinha questão de instalação eléctrica, cuja solução parece estar pendente entre duas repartições centrais.
Há pelo menos quatro anos que ouço falar nessas obras e há quase dois anos que jazem num dos corredores dos Hospitais da Universidade de Coimbra várias centenas de contos de material de que os doentes necessitam desesperadamente e cuja instalação depende apenas do espaço que aquelas remodelações deixariam livre no corpo central. E de mais de 300 contos amuais, para além do custo, o prejuízo resultante da não utilização desse equipamento sem falar dos incalculáveis prejuízos humanos.
Numa prova irrefutável de isenção, o director desses serviços canalizou todos os seus esforços para dotar os Hospitais da Universidade de Coimbra com meios terapêuticos actualizados nesse sector e então ainda inexistentes, pôs à disposição dos doentes do hospital equipamento mais modesto, comprado com ais suas economias, e que tem salvo muitas vidas. Recusou oportunidades de desenvolvimento de tais meios em casas de saúde particulares, prescindindo assim de vantagens económicas de que poderia beneficiar com seus colaboradores. Apesar dessas demonstrações ide significado inequívoco, que, para além disso, têm sido a origem das suas principais preocupações hospitalares e mal-estar na casa onde trabalha, a situação é a que se descreveu, ainda que superficialmente.
As negligências administrativas, à incapacidade da máquina burocrática para compreender ou atender com justiça às reais prioridades, pelas superiores, razões da saúde dos doentes, pelas necessidades prioritárias do progresso científico e da educação médica, se deve neste País todo um cortejo de graves faltas contra a dignidade e a saúde dos doentes, faltas mais obscuras ou obscurecidas aos olhos dos leigos, mais nem por isso menos graveis e decerto mais extensas do que ais reais ou irreais imputáveis aos médicos, que não é minha intenção desculpar.
Recentemente, um director de serviços manifestava, na comissão médica dos Hospitais da Universidade de Coimbra, surpresa pelais excelentes instalações e quadro de pessoal que um colega havia conseguido. Pessoa culta e muito experiente, desconhecia que um serviço poderia passar caladamente a regime de instalação e assim galgar anos em relação a outros. E não existiam no caso nem méritos que superassem os de quem dirige outros departamentos nem anos de serviços prestados que justificassem tal excepção. Mas, mais importante, não se poderiam invocar razões médicas válidas de prioridade.
Onde está a planificação? Onde estão os critérios de prioridade que estabeleçam um pouco de justiça, e de autêntica ordem hospitalar?
Sr. Presidente: Entre o delineamento teórico de uma política e a sua execução prática vai toda a distância que separa a criação mental de um artista da sua capacidade pana executá-la. A política da saúde, traçada nos gabinetes e posta em execução por um grupo burocrático-administrativo com leve mistura técnica, grupo de dimensões aflitivamente crescentes, dizia eu, a política da saúde é muito discutível e lamento que o trabalho que já tem sido feito não tenha merecido as atenções desta Assembleia. Mas, se são discutíveis as grandes linhas mestras da organização da saúde, não creio que o sejam os muitos desacertos na sua execução.
Nas questões de saúde (e nelas os hospitais têm um lugar que os erros de uma política actual mostrarão qual deve ser no futuro), essas questões, dizia, serão objecto de dois avisos prévios. Neles, que julgo virão depressa, como convém, direi o que por agora se pode adiar. Mas que toda uma política de saúde tenha escapado à discussão de uma Assembleia Nacional deve ser motivo de séria meditação.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Jorge Correia: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acontecimentos próximos largamente debatidos nesta Casa, a que não faltou uma nota informativa do Ministério da Saúde e Assistência, trouxeram ao domínio público alguns aspectos da vida médica nacional, até aqui reservada aos bastidores, que me levaram também a tecer sobre eles algumas considerações, incidindo particularmente sobre a orientação que, a meu ver, o Governo pretende imprimir à medicina portuguesa.
Ninguém poderá levar a mal ou admirar-se que nós, os médicos, mesmo pouco qualificadas que sejamos, quando está em causa a saúde da Nação e o futuro dos próprios médicos, queiramos, à luz de um conhecimento feito de experiência, dizer também uma palavra, que não será sempre concordante, mas que terá, sem dúvida, o cunho da sinceridade e o mérito de não significar demagogia.
Pertenço a uma geração que talhou pelas suas próprias mãos a situação que melhor ou pior desfruta, e não entendo que nas fechem as janelas donde hoje espreitamos o sol, a pretexto de uma carreira que não hostilizamos ou da extensão da assistência a todos os portugueses, que francamente e há muito preconizamos.
Não há contradição nos propósitos, há, isso sim, um largo fosso entre duas concepções diferentes quanto à maneira de resolver o problema.
A afirmação de que se manterá a possibilidade do exercício da clínica particular é capciosa, pois quando por toda a parte o Estado a puser ao alcance de todos gratuita mente eu pergunto quem a procurará para pagar?
Já aqui dei o grito de alarme o ano passado a este propósito e volto hoje a fazê-lo, por estar plenamente convencido de que a prosseguir a política da saúde enunciada e, embora se não diga, por ser contra a ética do Regime, caminha-se já sem disfarce para a socialização da medi cita a.
Tenho para mim que é grave erro, pois piara além do perigo de contágio que constituirá um processo socialista no seio de uma sociedade com características diametralmente opostas, ter-se-á criado de facto uma série de problemas, potencialmente muitos outros e com eles o descontentamento de uma, classe, sem que em contrapartida a população de uma maneira geral beneficie alguma coisa com isso.
Em presença, de uma situação dessas, todos teriam então o direito de se interrogarem sobre qual seria a vítima a seguir!