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14 DE FEVEREIRO DE 1973 4573

seu uso, na previsão - quase sempre certa - de que o facto não será conhecido e ficará impune.
Esta a razão por que, na legislação de alguns países, se condiciona o fabrico, a importação e a simples detenção de tais instrumentos, em termos de, nalguns casos, se proibirem essas actividades.
Pelos mesmos motivos, entende a comissão que tal matéria deverá ser também objecto de regulamentação entre nós, para que se possam atingir eficazmente as intenções da proposta.
Dada, porém, a pormenorização que tal regulamentação exige e até a natureza técnica da matéria, sugere-se o aditamento de uma base em que se cometa ao Governo essa tarefa.
III) Numa apreciação da especialidade, também a comissão concorda genericamente com a formulação das bases da proposta.
Todavia, no que se refere à definição dos diversos elementos que entram na descrição da ilicitude dos comportamentos que se quer proibir - problema que se põe sobretudo em relação às bases I e III - já se sucitam alguns reparos.
Recorde-se que no projecto que foi submetido à Câmara Corporativa formulou a base I nos seguintes termos: "É punido [...] aquele que, com o propósito de devassar a vida privada de outrem [...] utilize qualquer conversa particular."
A proposta, na esteira da Câmara, substituiu tal formulação por estoutra: "Será punido aquele que devassando a intimidade da vida privada de outrem, utilize [...] qualquer conversa particular."
Parecem formulações idênticas, mas, na realidade, numa perspectiva jurídico-criminal, têm conteúdo substancialmente diferenciado.
Os argumentos invocados pela Câmara Corporativa (n.° 18 do parecer), embora de ponderar, não serão de molde a invalidar outros que se podem produzir em favor da primitiva redacção do projecto e que a comissão julga mais relevantes.
Estes últimos projectam-se quer num plano de pura técnica jurídica, quer num plano dê política legislativa.
A vocação específica da Assembleia é, naturalmente, para acentuar os que se situam no segundo desses planos.
Por isso, só muito sumariamente, em linguagem despida de preocupações dogmático-jurídicas e na medida em que os resultados dessa apreciação se projectam no outro, é que aqui se aduzirão alguns argumentos em favor da solução que a comissão julga preferível e se situam no primeiro daqueles planos.
Desde logo, parece que a formulação aconselhada pela Câmara acarreta sérias dificuldades ao intérprete e, por consequência, ao julgador, na medida em que é possível, com a mesma lógica interpretativa, assumir três posições.
Numa primeira (e essa terá sido a da Câmara Corporativa) seria punida toda e qualquer actividade consistente na utilização, transmissão, etc., de qualquer conversa particular, independentemente de se verificar ou não efectiva devassa da intimidade privada.
Uma segunda interpretação seria a de que aquela actividade só seria punida se tal devassa (da intimidade da vida privada) se verificasse, independente do agente ter querido ou não esse resultado.
Possível é ainda uma terceira interpretação, segundo a qual o ilícito só ficaria preenchido quando, para além da verificação daquele resultado, o agente o representou e o quis.
E, para maior dificuldade, acresce que cada uma das referidas interpretações é susceptível de conduzir a situações concretas mais ou menos iníquas.
Assim:
Perante a primeira, poderiam ser elevados à categoria de ilícitos certos comportamentos que talvez nem censura moral possam merecer. Seja, por exemplo, a simples escuta por meios naturais de conversa particular sem conteúdo privado.
Pela segunda, ao contrário, poderiam ficar de fora, pelo menos com categoria de crime consumado, certos comportamentos altamente censuráveis. Seria o caso, por exemplo, de escuta intencional, com instrumentos, de conversa particular de que não resultasse um efectivo devassamento da vida privada.
Da terceira interpretação, por seu lado, poderia resultar que certos comportamentos, quando consumados, teriam a categoria de crime, mas já não seria punida como tentativa, segundo os princípios gerais, a execução começada e incompleta dos actos que os deviam produzir, apesar de a proposta prever á sua punição.
Exemplo deste caso seria o de escuta de conversa particular sem o propósito imediato de devassar a vida privada, mas em que o agente representou esse resultado, e se decidiu, apesar dele.
Do que se acaba de expor resulta que a formulação da base I, tal como foi propugnada pela Câmara Corporativa, daria aso a um incontrolável casuísmo das decisões, e isso bastaria para o legislador a dever arredar, em nome da segurança do direito.
Crê a comissão que uma fórmula idêntica à usada no projecto do Governo satisfaz, em maior grau, esse imperativo.
Por outro lado - e este será o segundo dos planos de valoração há pouco enunciados -, julga-se que as intenções que presidiram à elaboração do projecto, nesta matéria, são absolutamente pertinentes, pois tudo aconselha "prudência no âmbito da incriminação de ofensas a um bem jurídico de expressão positiva tão recente".
Na verdade, pese embora a existência de alguma literatura e uma acentuada tendência legislativa acerca da tutela da intimidade da vida privada, ainda se não passou de fase hesitante quando se pretende definir, numa perspectiva de conceitualização, os bens jurídicos postos em causa.
Não existem, assim, elaborados de forma definitiva pela doutrina ou pela jurisprudência, conceitos de que o legislador se possa, com segurança, apropriar.
Esta consideração e ainda a de que as experiências legislativas nesta matéria e no âmbito do direito criminal são recentes, se não até raras, aconselham a que se tomem as maiores cautelas na definição dos tipos legais de crimes.
De ter em conta são ainda as possíveis colisões do direito à intimidade da vida privada com outros direitos igualmente inerentes à pessoa humana.
Por último, há a considerar que, para além do círculo de comportamento em que se verifique o uso de instrumentos especialmente adequados à sua realização, outros comportamentos, desde sempre possíveis sem que pusessem em crise os bens jurídicos agora tutelados, passarão a ficar sob a alçada da lei penal.