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4708 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 233

Assim como na maioria das doenças, as causas da toxicomania incluem factores endógenos, próprios do indivíduo afectado (v. g., susceptibilidade hereditária), e exógenos, que buscam a sua origem no meio ambiente, podendo ainda classificar-se cada tipo de factor consoante o seu impacto ocorra essencialmente antes do aparecimento da enfermidade ou apenas subsidiariamente após um período mais demorado: no primeiro caso, dir-se-á precipitante e, no último, predisponente. Na tuberculose, por exemplo, a propensão hereditária paira os bacilos de Koch representa a causa interna predisponente e o abaixamento temporário da resistência geral a causa interna precipitante.
As causas externas compatíveis incluiriam, de um lado, as péssimas condições habitacionais e, do outro, a exposição a grande quantidade de bacilos. Por consequência, não ganha sentido falarmos na causa da tuberculose. A sujeição a grande dose de organismos virulentos constitui um factor causal necessário, mas raramente se alcandora à posição de causa suficiente perante a ausência de particular susceptibilidade hereditária à doença, de deprimente padrão de vida e de transitórias quedas na resistência geral à enfermidade.
A circunstância de, em certo caso, um factor obscurecer outros, dando a impressão de que se trata de causalidade exclusiva, não garante nem que o mesmo factor eliminará o funcionamento de outros, nem tão-pouco que lhe caberá igual proeminência em casos futuros.
O mais que se poderá afirmar é que, se algum factor se salienta especialmente, outros se mostram menos imprescindíveis ao aparecimento da doença. O que se mencionou estende-se, por analogia, à toxicomania. A disponibilidade de narcóticos, o convívio com os viciados e vendedores ou, em relação a médicos e outros profissionais, o directo acesso à droga aparecem como factor externo precipitante.
Qualquer que seja a sensibilidade do indivíduo, há manifesta conexão entre o vício e o ensejo de se acercar com regularidade dos narcóticos. Daí que o grau de toxicomania aumente no seio das classes médica e associadas e naqueles bairros onde abunda a droga. Todavia, os factores externos não informam só por si quanto respeita à incidência e distribuição da doença.
Para tanto, basta atentarmos em que num bairro exposto a estupefacientes e habitado por uma massa condescendente apenas uma percentagem se intoxica, constituindo os adolescentes do sexo masculino a maioria do grupo afectado. Por outro lado, há viciados provenientes de outras classes, onde é mínimo o contacto com a droga e forte a desaprovação comunitária do hábito.
Paira compreendermos estes factos, teremos de encarar o elemento endógeno da susceptibilidade diferencial.
A mais séria - e conjecturalmente menos esperançosa - espécie desta enfermidade ataca os indivíduos que não atingiram o estádio de uma personalidade adulta, ou seja, que não conseguiram desenvolver os longos esforços motivacionais característicos de adultos normalmente maduros na nossa sociedade. Passivos, dependentes, irresponsáveis, falhos de perseverança e ansiosos por alcançar uma imediata e prazenteira auto-satisfação, revelam-se indiferentes ao casamento,
a empregos socialmente úteis, à valorização profissional, à independência financeira e ao esforço colectivo.
A euforia oferecida pelos narcóticos representa para eles um eficaz valor de ajustamento, na medida em que lhes proporciona um prazer imediato e fácil e mitiga a sua aptidão de autocrítica, permitindo que se sintam supremamente contentes com a sua subdesenvolvida e inadequada adaptação aos problemas da vida. Desta forma, e dado que poucos mecanismos ajustadores parecem possuir um poder tão competitivo como as drogas no aliciamento de pessoas dotadas com este tipo de personalidade estrutural, a enfermidade tende a eternizar-se.
Abstraindo das propensões hereditárias, como a passividade, auto-indulgência e necessidade intensa de auto-alegria, as principais fontes de imaturidade motivacional, factor interno predisponente, são determidas espécies de insatisfatórias afinidades entre pais e filhos. O exame das relações que os viciados, em criança ou quando adolescentes, mantiveram com os progenitores, conclui quase invariavelmente por:

1) Uma exagerada protecção paternal, que escuda o filho de qualquer experiência pessoal e do risco de insucesso, impedindo-o de se realizar e de agir com independência;
2) Um excessivo domínio, que não reclama do descendente um comportamento responsável, convencendo-o de que é um privilegiado, cujas necessidades serão sempre satisfeitas por terceiros;
3) Uma autoridade despótica, que exige que o menor realize objectivos demasiadamente sublimes, levando-o a uma completa sabotagem dos ideais de uma maturidade adulta logo que se encontre em condições de se subtrair ao domínio dos ascendentes.
Outro tipo, a toxicomania reactiva, cresceu espectacularmente após a última conflagração mundial. Trata-se de um fenómeno transitório próprio da adolescência, que possui personalidades essencialmente normais, reside nos bairros onde há droga e consome, aos fins de semana, quantidades insuficientes para o desenvolvimento da dependência física. As drogas actuam como meio de manifestação de rebeldia contra as normas convencionais, bem como de atitudes agressivas "associadas com a camaradagem numa camada menos afortunada e por vezes etnicamente marcada numa população urbana. Estes factores internos precipitantes completam-se com certos factores externos, como a imediata disponibilidade de drogas, elevada tolerância comunitária pelo vício e pressões coercivas de companheiros. À semelhança da delinquência juvenil, este tipo reactivo decresce gradualmente com a aproximação da idade adulta, em que se afirmam os interesses usuais pela família e profissão.
Detenhamo-nos ligeiramente sobre o toxicómano típico, o adolescente e o médico, cada um com as suas peculiares motivações de razões para o consumo.
A maioria dos toxicómanos típicos recorre a drogas mais suaves antes de ascender à heroína. Assim:

1) Um viciado potencial inicia-se com uma droga perigosa, isto é, uma droga que não se pode tomar sem prescrição médica, transita, porventura, para a marijuana e fixa-se finalmente na heroína;