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4840 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 240

proporções gigantescas e que vem afligindo muitas nações - especialmente os países mais prósperos do hemisfério norte -, que, simultaneamente com uma alta densidade populacional e um elevado poder de compra, não dispõem de áreas que lhes permitam um livre desenvolvimento da sua pecuária.
Só nos países do Mercado Comum essa carência atinge 500 000 t anuais.
A falta tende a agravar-se na proporção em que aumentam as populações e na medida em que estas, por virem atingindo maiores níveis de vida, adicionam ao maior mercado proveniente da evolução demográfica um contingente também crescente de consumidores, sem que a produção progrida o suficiente para poder acompanhar esse galopante aumento de consumo.
Entre nós, a dificuldade de se manter um abastecimento regular de carne de vaca aos habitantes das nossas diversas parcelas, não sendo senão um reflexo dessa tendência mundial, constitui um dos problemas de mais acuidade da economia nacional, especialmente no que diz respeito ao mercado mais evoluído da metrópole, que não consegue abastecer-se a si própria.
De tal ordem é essa insuficiência que só no último ano, excluindo outros produtos de origem animal, despendeu ela do seu tesouro a exorbitante quantia de um milhão de contos em importações de carne, e ainda mais outro milhão na sustentação dos seus preços, para que estes se mantivessem acessíveis ao público.
Embora o problema se revista de aspectos graves, não deixa, no entanto, de ser fascinante, pois contém um desafio frontal à nossa capacidade de realização: se por um lado temos carências que se avolumam e ameaçam tornar-se crónicas, por outro lado possuímos no ultramar um potencial para uma pecuária não só capaz de satisfazer as mais pesadas exigências do nosso mercado, como ainda com possibilidade de uma considerável exportação para o estrangeiro.
Acresce ainda que esta hipótese adquire ali um interesse desusado, pois que em áreas de tão contrastantes rendimentos entre populações urbanizadas e rurais a pecuária é uma actividade quase ideal para uma mais equilibrada distribuição de riqueza e para uma melhor promoção sócio-económica das gentes menos favorecidas.
Situados no hemisfério sul como os grandes produtores-exportadores que são a Argentina, o Brasil, o Uruguai e a Austrália, os Estados de Moçambique e Angola dispõem de extensas áreas com baixa ocupação humana e generosamente dotadas pela Natureza de características que as tornam propícias à exploração animal.
No entanto, no caso de Moçambique, se bem formos a ver, apesar de ser um facto que a sua pecuária, mercê de um notável esforço das entidades responsáveis e da iniciativa privada, tem vindo a atingir progressivamente novas etapas, não é menos verdade que, em face do aumento de pressão demográfica e da feliz melhoria geral do nível de vida dos habitantes, o consumo, não obstante restringido por um sistema de quotas, vai ganhando tal dianteira sobre a produção que, num cômputo global, torna tímidos ou inoperantes os índices de crescimento que se vem registando.
Senão, vejamos o que se passou nos últimos dez anos:
De 1960 a 1970 a população de Moçambique subiu de 6 604 000 para 8 250 000 habitantes, o que corresponde a um aumento anual de 165 000 indivíduos.
De 1960 a 1971, o aumento passou de 1 088 000 para 1 268 000 bovinos, ganhando apenas 17 000 cabeças anuais, ou seja, um crescimento anual decepcionante de 1,45%.
Significa isto, portanto, que, enquanto a população aumenta com velocidade, a existência relativa de bovinos retrocede perigosamente. Significa também que, se não sairmos com ímpeto do impasse pecuário que estes dados estatísticos traduzem, mesmo sem entrarmos em linha de conta com uma desejável melhoria no consumo per capita, caminhamos irremediavelmente para a falta de carne.
Para ilustrarmos melhor esta insuficiência pecuária, bastará mencionar-se que, a não ser que aumentemos dramaticamente o ritmo de desenvolvimento desta actividade, só por motivo da nossa expansão demográfica teremos nós, em cada decénio, mais 1 milhão de bocas que não poderão contar com carne de vaca como alimento.
Note-se que, neste aspecto, Angola encontra-se numa situação bem mais optimista, pois, com uma população de 5 700 000 habitantes, possui 3 200 000 cabeças de gado bovino. Um coeficiente bovino por habitante de 0,56, contra somente 0,15 em Moçambique.
É princípio universalmente reconhecido que uma revolução industrial tem de acompanhar ou tem mesmo de ser precedida de uma revolução agrária que assegure um generalizado aumento de poder de compra.
Especialmente num território em que a esmagadora maioria da população dependa, total ou parcialmente, da agricultura ou da pecuária, estas actividades têm de ocupar o lugar dianteiro que lhes pertence como base de sustentação de uma economia sã, sob o risco de, mais tarde ou mais cedo, subvertermos todo o processo do seu desenvolvimento ou de impossibilitarmos a sua consolidação.
Dadas as suas implicações económicas e sociais, o objectivo da produção de carne de vaca em Moçambique, e até em todo o nosso espaço, deve, por conseguinte, ser classificado como de interesse e utilidade nacional e deve merecer o correspondente tratamento prioritário em todos os sectores e aspectos, uma vez que nos encontramos bem longe do nosso desiderato de auto-suficiência, até mesmo no âmbito provincial.
S. Exa. o Ministro do Ultramar, Prof. Silva Cunha, perfeitamente identificado com a necessidade de se dar maior impulso à pecuária do ultramar, em 1970 homologou uma série de oportuníssimas recomendações, visando o fomento da sua produção de carne, de leite e de lacticínios.
Lamentamos profundamente que nem em todos os sectores oficiais, as mesmas têm merecido o respeito que lhes é devido: mas elas aí estão, concisas, inteligentes, a apontar o caminho que devemos tomar - com decisão e eficácia - para alcançarmos aqueles fins.
Enquanto esses objectivos se não atingem, o Governo terá de continuar a arcar com o dispêndio de astronómicas verbas que tanta falta fazem noutros sectores, com a compra de carne lá fora e no suporte de preços praticados na sua venda.