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5 ABRIL DE 1973 4921

Vamos passar à segunda parte da ordem do dia.
Início da discussão na generalidade da proposta de lei de terras do ultramar.
Para apresentar o relatório da Comissão do Ultramar tem a palavra o Sr. Deputado Themudo Barata.

O Sr. Themudo Barata: - O Governo enviou à Assembleia Nacional a proposta de lei n.° 30/X - lei de terras do ultramar - acompanhada do parecer n.º 49/X da Câmara Corporativa.
A Comissão do Ultramar, devidamente convocada para apreciar esta proposta de lei, entende dever emitir o seguinte relatório:

Apreciação na generalidade:

1. Na generalidade, apreciando a proposta de harmonia com o preceituado no artigo 37.° do Regimento, tornou-se desde logo evidente à Comissão a sua oportunidade.
Com efeito, após a revisão constitucional de 1971 é a consequente adaptação da Lei Orgânica do Ultramar (Lei n.° 5/72) tornava-se indiscutivelmente oportuno publicar uma nova lei sobre esta matéria, que fosse expressão actualizada e dinâmica de uma vasta experiência legislativa anterior, a qual só por si evidencia bem não só a complexidade dos problemas em causa, como igualmente o constante interesse e atenção que eles têm sempre merecido à nossa administração pública.
A proposta não poderia, porém, limitar-se a ser como que uma mera compilação dos diplomas já existentes. O relatório que antecede evidencia claramente quanto o Governo sente que a própria "natureza dos interesses políticos em jogo" é uma razão mais -para além da estrita observância do preceito constitucional (artigo 93.°)- a justificar a sua apresentação a esta Assembleia.
Efectivamente, se a legislação sobre terras é já de si em todos os territórios um problema imensamente delicado, nos territórios ultramarinos, onde convivem, coexistem e as respeitam diferentes civilizações e diferentes estilos de vida, ela suscita naturalmente problemas jurídicos ainda mais complexos e tem incidência de maior relevância no desenvolvimento económico e social.
A intenção de acelerar o progresso dos territórios ultramarinos e a promoção social das suas populações, que foi uma nota dominante na reforma constitucional e no subsequente ajustamento da Lei Orgânica, tornava, por isso, aconselhável que o mais breve possível o Governo procurasse ajustar igualmente a legislação sobre terras nos mesmos superiores objectivos.
2. A economia da proposta e a vantagem dos novos princípios legais pareceram à Comissão justificar plenamente também a aprovação dada na generalidade.
Mantém-se e reforça-se mesmo a preocupação de defender e acautelar os interesses das populações menos evoluídas, conforme a sã e constante tradição da política ultramarina portuguesa e, por outro lado, as inovações em relação ao sistema vigente para ocupação de terrenos vagos destinam-se a actualizá-lo, a eliminar uma densidade dispensável de formalidades e a criar condições mais dinâmicas no fomento do acesso à posse da terra. Diversas disposições traduzem bem claramente esta orientação, como se poderá constatar, aliás, no exame na especialidade.
A administração pública continua a mostrar-se bem atenta às especiais responsabilidades que lhe cabem nesta matéria, posto que seria totalmente insensato que buscasse remeter-se para uma posição do tipo individualista e liberal, como a reinante na Europa após a Revolução Francesa, que é possível em outro tipo de sociedade, mas seria completamente contra-indicada em sociedades como as que existem nos territórios ultramarinos.
De resto, ao fazê-lo, está apenas a obedecer aos preceitos constitucionais, não esquecendo a função social da propriedade (artigo 35.°) e que ao Estado incumbe "coordenar, impulsionar e dirigir todas as actividades sociais, fazendo prevalecer uma justa harmonia de interesses, dentro da legítima subordinação dos particulares ao geral" (artigo 6.°), e está obedecendo também à nossa constante tradição jurídica em relação ao problema das terras ultramarinas.
Quando da extensão do Código Civil de 1966 ao ultramar (Portaria n.° 22 869, de 4 de Setembro de 1967), houve a expressa intenção de ressalvar "a legislação privativa de natureza civil, emanada dos órgãos legislativos metropolitanos ou provinciais, que vigorar em cada província ultramarina".
Esta medida era destinada a ter em conta as realidades locais, muito em particular no que se refere aos direitos da família (e aspectos correlativos) e ao regime da propriedade.
E no que respeita à propriedade - conforme se escreveu já autorizadamente {Acórdãos Doutrinários do Conselho Ultramarino, ano de 1960, p. 231):

Todo este regime se explica em virtude de o aproveitamento económico das terras ultramarinas constituir um interesse público.

E toda a legislação ultramarina relativa à alienação ou ocupação das terras vagas, desde a Lei de 21 die Agosto de 1856, que pela primeira vez as regulou de forma sistemática e genérica, até à esparsa legislação actual, prescreve a obrigação de aproveitamento em prazos determinados, funcionando o não cumprimento dessa obrigação, por vezes, como condição resolutiva.

E a ideia persiste na legislação ainda vigente de forma de tal maneira vigorosa que, contra todos os princípios que regem a propriedade privada comum, as concessões definitivas podem ser anuladas por falta de aproveitamento.

É, pois, bem patente que mesmo quando as ideologias liberais mais influenciaram a Europa e a nossa legislação metropolitana, sempre os governantes compreenderam que no ultramar, para bem do interesse geral, para apoio e defesa das populações mais atrasadas, tinha de adoptar-se, por parte do Estado, em relação ao problema de terras, uma posição marcadamente intervencionista.
Apesar, porém, desta constante preocupação dos responsáveis pela administração pública, não terá sido obviamente possível evitar alguns abusos, mau aproveitamento das terras concedidas ou frustração dos objectivos visados pelo Estado. Por isso, esta proposta de lei mantém esta firme posição do Estado é