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610 I SÉRIE - NÚMERO 19

Este artigo é, de facto, uma aberração, como aberração foi impor na revisão constitucional a consagração da restrição de direitos e liberdades dos militares. Por isso apoiamos a eliminação do presente artigo desta lei, chamada de Defesa Nacional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deficiências que são do domínio da Câmara impedem que as actas da Comissão de Defesa Nacional, que apreciou na especialidade a proposta de lei, sejam conhecidas.
Tais actas não chegaram ainda sequer à fase do «borrão» e, portanto, muitas das razões que tivemos ocasião de referir em sede de Comissão terão que ser hoje e aqui repetidas, visto não serem do conhecimento da maioria dos deputados.
Do mesmo modo, a maioria dos deputados ignora, em concreto, todo o conteúdo da discussão que se processou na Comissão sobre os vários artigos desta proposta de lei.
Gostaria, portanto, de começar por dizer que a concepção constitucional do papel das Forças Armadas é bem clara e resulta com nitidez do n.º 4 do artigo 275.º da Constituição. Ou seja: aquilo que o n.º 4 impõe é que os elementos das Forças Armadas não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política.
Este é o conceito correcto, ou seja, é aquele que, exclusivamente, impede os cidadãos que envergam uma farda de se aproveitarem das condições especiais desse exercício para actuarem na vida política em condições que, então, seriam desrespeitadoras da liberdade e da especialidade de actuação dos outros cidadãos. No entanto, o que se lhes impede é, pura e simplesmente, o abuso, repito, da arma, do posto ou da função.
É neste mesmo sentido que terá que se interpretar o disposto no artigo 270.º, de acordo com o qual a lei pode estabelecer restrições a alguns direitos - mas só o podendo fazer na estrita medida das exigências das próprias funções desempenhadas por esses cidadãos.
Tudo quanto vai para além disto contraria frontalmente aquilo que todos entendemos e votámos na revisão constitucional.
Aquilo que está exposto no artigo 31.º e que dele consta naturalmente que exorbita destas contigências, destas condições, não estabelecendo impedimentos na estrita medida das exigências de funções - de facto, não estabelece restrições que impeçam cidadãos, pelo facto de serem militares, de abusarem dessa circunstância -, mas estabelecendo antes uma diminuição da cidadania de algumas pessoas pelo facto de serem militares. É esse entendimento que repudiamos e que nos parece inaceitável.
Inaceitável não apenas porque é inconstitucional, mas porque traduz uma concepção segundo a qual quem é militar, quem enverga uma farda, é um cidadão dispensado de pensar e de ter consciência.
Não aceitamos uma concepção que, afirmando-se por vezes personalista e respeitadora dos direitos do homem, reduz homens à condição de objectos armados, seguindo obedientes e sem discussão qualquer espécie de política.
Essa concepção foi abandonada após Nuremberga, quando se entendeu, e bem, que nenhuma obediência e nenhuma lealdade poderiam ultrapassar a própria consciência.
Tal obriga, portanto esses cidadãos a julgarem por si e por isso a estarem informados, a conhecerem o quadro em que se situam e se movem e a emitirem o seu juízo sobre as actuações que lhes são ordenados ou que lhes são impostas.
Daí que não possamos aceitar este tipo de limitações e de exigências. A proposta exorbitou claramente.
Entendemos que todos os cidadãos, fardados ou não, merecem o mesmo respeito na satisfação dos seus direitos. Por isso só poderemos aceitar a limitação daqueles que envergam uma farda nos precisos termos do artigo 270.º
Aliás, a discussão efectivada ressalva e faz realçar aquilo que são os defeitos desta concepção e transforma, muito claramente, essas limitações num princípio que afasta o da igualdade de participação dos cidadãos na vida política, que viola outros artigos da Constituição e que estabelece desigualdades entre cidadãos portugueses.
Além disso, a discussão permitiu ainda esclarecer como algumas destas restrições são tão aberrantes e tão chocantes que mal se concebe que possam ser transmitidas ao papel.
Quando durante tanto tempo se invocaram quer as experiências do direito comparado, quer a própria experiência portuguesa anterior nesta legislação, então teremos que estranhar que nesta matéria específica nem o direito comparado nem sequer o direito português tenham sido chamados à colação.
É que, espantosamente, talvez nunca tenham existido em Portugal tantas restrições ao exercício de direitos pelos militares como aquelas que constam desta lei.
Na verdade, por exemplo, o n.º 2 deste artigo impede os cidadãos militares de fazerem declarações públicas de carácter político. Ou seja: nas messes, nos clubes militares, em qualquer café ou na via pública, os militares não podem falar de política!...

Uma voz do PSD: - E ainda bem!

O Orador: - Há quem comente que ainda bem. Eu direi que ainda mal, porque em democracia todos temos o direito de falar.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O facto de se poder falar não significa necessária e naturalmente, muito pelo contrário, que se esteja a utilizar da arma, do posto ou da função, porque se está a falar como cidadão e em democracia não há cidadãos diminuídos.
Esta disposição é, aliás, tão aberrante que nunca existiu em legislações portuguesas. Aparece agora pela primeira vez.
Por outro lado, não é possível fazer declarações públicas que abordem assuntos respeitantes às Forças Armadas; ou seja, a própria renovação, por dentro, de cada um dos corpos das Forças Armadas é impossível porque o direito de crítica também é limitado, porque o direito de crítica acabou.
Não se pode participar em reuniões ou manifestações. Curioso artigo este! E curioso porque ele é uma dupla discriminação, não se aplicando sequer a todos os militares.
Como tive ocasião de dizer no debate em sede de